31.10.05

Descoberta

"I scarcely know where to begin, though I sometimes facetiously place the cause of it all to Charley Furuseth’s credit. He kept a summer cottage in Mill Valley, under the shadow of Mount Tamalpais, and never occupied it except when he loafed through the winter mouths and read Nietzsche and Schopenhauer to rest his brain. When summer came on, he elected to sweat out a hot and dusty existence in the city and to toil incessantly. Had it not been my custom to run up to see him every Saturday afternoon and to stop over till Monday morning, this particular January Monday morning would not have found me afloat on San Francisco Bay."

Assim começa um dos livros mais fascinantes que li - ou pelo menos um dos que mais me fascinou. Descobriu-o hoje na net. Abençoada net.

E já que estamos nisto, aqui fica outro.

Distância

Acho indecente, sabes?, que vivas tão longe. A beleza deve estar perto, ao alcance da mão, e a inteligência dos lábios.

Serviço Público - Discos

"Jumping the Creek", Charles Lloyd, ECM 2005. O melhor disco em muito, muito tempo.

Post demagógico

Deve haver, nos meus neurónios - em cada um deles - um receptor para o teu nome, para a memória de ti.

Dias felizes

Os dias felizes eram tão raros que lhe apetecia celebrá-los indo navegar - o que os tornava ainda mais felizes, numa espiral cuja única analogia é o chá; não: são os sentidos.

Explicações

É tão difícil, e tão inútil, explicar porque se gosta de uma cara como o é explicar porque se gosta de um bom charuto, um bom whisky, um bom livro, uma boa música.

Terapias

Estava feliz, não sabia bem porquê. Suspeitava que a possibilidade de ir navegar quando lhe apetecia era parte da razão, mas não tinha a certeza.

30.10.05

Portas

À força de querer fechar portas mal fechadas entalou um dedo.

Critérios - II

Era mais sensível ao olhar de uma mulher do que as seus olhos, à sua expressão mais do que à sua beleza. Nirvana era quando via numa cara bonita uma expressão rica, nuns olhos grandes um olhar interessante.

Critérios

Ela queixava-se que estava farta de dormir com quem não lhe dizia nada, e de não dormir com quem lhe interessava realmente. A amiga aconselhou-a a escolher: ou via algum interesse em quem nada lhe dizia, ou deixava de o ver nos outros.

"Isso é conselho de pessoa razoável", respondeu-lhe. "Lembras-te daquela citação do Bertrand Russell de que tanto gostávamos, adolescentes?"

"Reasonable people adapt themselves to the world. Unreasonable people attempt to adapt the world to themselves. All progress, therefore, depends on unreasonable people."

Retrato quase verdadeiro

Passava os dias encostado ao bar do Clube, a beber cervejas atrás de cervejas atrás de cervejas. Não era alcoólico; era apenas um suicida a prestações, um suicida cobarde.

29.10.05

Previsões

Cada vez que consulto um site de meteorologia sinto-me um grego que vai à Pitonisa.

Aqui fica uma lista, não exaustiva, para quem estiver interessado (os três últimos só têm cartas de tempo):

Qwikcast
Weather Underground
Weather.com
Accuweather
Windguru
NOAA
Bracknell
Met Office (UK)

Diálogo extenso, irrealista, mas possível

- Andas à procura da tua "princesa"?
- Já não acredito em princesas. As princesas só amam sapos, rãs e coisas no género, e depois desvanecem-se. O verdadeiro luxo é a normalidade, uma mulher normal, professora, como tu, ou controladora aérea, ou psicóloga, ou decoradora de interiores, ou designer industrial, que sei eu?
- Pois, e os tubarões são vegetarianos, os porcos têm asas, e amanhã vais fazer dieta. Essa é a lista das tuas últimas "visões" (nem imaginas quanto gosto deste eufemismo, que usaste - quando? Quando nos conhecemos... foi isso que me chamaste, "visão")? E quem è que se desvaneceu, elas ou tu?
- Não, não é. Não me desvaneci, nunca me desvaneci. Desilude-te: um dia a minha vida será um "grande rio tranquilo".
- Talvez, mas não serei eu o seu leito.
- Não ando à procura de uma princesa, nem de um leito. Quero "casar e ter filhos", mesmo que seja entre aspas.
- Não sei ouvir entre aspas.
- Ensinar-te-ei, não te preocupes.

II

- És a mulher da minha vida.
- Não sou: sou uma mulher na tua vida.
- Se quiseres, sê-lo-ás.
- E quem te diz que quero ser a mulher da tua vida?

Cepticismo

Como convencer um céptico? Como lhe dizer que está enganado, que deve acreditar, que o passado passou, que o futuro est à refaire?

Paixões

Já tive muitas paixões, na vida. Ou então: só tive uma, renovada vezes sem conta.

Serviço Público - Vinho

Quinta do Sairrão, Reserva 2002 (www.sairrao.com).

Lamento frequentemente que os bons vinhos portugueses estejam cada vez mais a transformar-se em bons vinhos - deixando pelo caminho de ser bons vinhos portugueses: são cada vez mais iguais aos outros.

Não é o caso deste: é um excelente vinho português, taninado, encorpado, escuro, com uma espuma violeta (o que me leva a perguntar, sonhador, como seria com um ano ou dois), rico de nariz e com um fim de boca que nos faz pensar naquelas senhoras do norte, tão fogosas dentro de portas e tão austeras fora delas. Não é, claro, um vinho para se beber ao lanche (como se os homens lanchassem! - excepto, naturalmente, se o lanche for constituido por um bom chouriço, uns torresmos bem temperados, e lá fora estiver a chover, frio, e nos estejamos a preparar para ir para a cozinha fazer o jantar).

E não perde nada se ficar mais dois ou três anitos na garrafa - perde, sim: tornar-se-á, provavelmente, um vinho mais assagi, mais redondo e aveludado. E será bom na mesma.

Publicidade - II

No dia 06 de Outubro partiu de La Trinité-sur-Mer, no sul da Bretanha, uma frota de 9 embarcações de vela (Grand Surprise) com destino a Cascais - e, milagre, já chegaram, todos, inteiros e lindos.

A Make Fast, de que o autor do Don Vivo é um dos felizes e inconscientes proprietários, procura pessoas que queiram trabalhar na vela - tendo em mente, sempre, a anedota do fim deste post - como tripulantes dessas embarcações.

Precisamos tanto de pessoas que já saibam navegar e que tenham as habilitações e a experiência para serem skippers, como de outras que não saibam, mas queiram aprender. A Make Fast vai dar formação, tanto para uns como para outros.

Mais informações em jobs@make-fast.com.

Creio que esta anedota foi criada para os aviões. Não tenho a certeza. Mas se tivesse sido criada a propósito da vela não poderia ser mais verdadeira:

- Sabes qual é a melhor maneira de se fazer uma pequena fortuna com a vela?
- Não.
- É fácil, basta começar com uma grande fortuna.

Impaciência

Está vento, muito vento, e a chuva tamborila no rufo da cabine. O barco, bem amarrado, vibra, impaciente - mas ainda não sei se é por querer voltar para o mar, de onde chegou há tão pouco tempo, se por estar, como eu, farto desta água doce que nos cai em cima sem ter sido encomendada.

28.10.05

VPV, Manuel Alegre e al.

Um amigo, a quem muito e há muito quero, ofereceu-me recentemente um livro do Manuel Alegre, uma colectânea de contos cujo nome esqueci. A oferta inicialmente surpreendeu-me, mas a posteriori até a apreciei pelo seu justo valor: poder detestar o senhor tendo lido (ou tentado ler) um livro inteiro dele. Até agora, do Poeta Alegre só os poemas com que os jornalistas, coitados, regularmente nos brindam, e alguns fragmentos de livros nas livrarias, rapidamente devolvidos à estante de onde, num impulso optimista e generoso, tinham sido retirados.

Hoje, no Público, VPV diz tudo o que sobre Alegre há a dizer; e outro amigo, tão antigo e tão querido como o primeiro, faz as duas perguntas fulcrais: "Porque é que Deus não me deu um dom assim?" e "Será que um dia terei a liberdade de proclamar o que realmente penso sobre certas pessoas?"

Um almoço e a vida, num dia ventoso

Não foi, há que reconhecê-lo, um sacrifício monstruoso: sempre gostei de pão com chouriço (hesito em chamar àquilo "sandes", que associo a mais ingredientes); e estou farto de comer a mesma coisa todos os dias. Tanto o chouriço como o pão do Pingo Doce são bons, e a vista do 3º andar do Cascais Villa é magnífica, tanto quanto o local é abominável. O vinho não era mau, e lá fora o vento trazia para a costa o mar em grandes vagas piramidais, desordenadas, caóticas, porque se reflectiam no Paredão, e voltavam para trás cruzando-se com as que lá vinham.

Uma boa imagem de muitas vidas, incluindo a minha.

26.10.05

Paralisia

E ali fiquei, hirto como um dever por cumprir, como uma promessa não respeitada, como um soldadinho de chumbo na linha de tiro.

Retratos quase verdadeiros

Era uma rapariga alta, com duas manchas escuras nas têmporas que lhe davam um ar de boxeur. Apesar disso era bonita, ou atraente: no olhar advinhava-se uma certa fragilidade, que contrastava agradavelmente com a aparência geral. Pelo menos para mim, que gosto de mulheres altas, bonitas e com aspecto de quem já deu, e levou, muitos murros na vida.

Diálogos Possíveis

- Ponhamos a coisa desta forma: perseguir sonhos devia ser punido por lei.
- Perseguir sonhos já é punido. Para quê acrescentar "por lei"?

Julgamentos

Só quem espera alguma coisa das pessoas (isto é, alguma coisa boa) as pode julgar.

Classificações

Os restaurantes têm casas de banho para "Homens" e "Senhoras". Para ele, deviam incluir outra categoria: "Filhos da P...".

18.10.05

História

Muitas coisas aconteceram, desde a última vez que aconteceram coisas; mas a vontade de as contar é escassa.

17.10.05

Definição

Um amigo trai-te, rouba-te. A sua má fé cheira mal, cheira a podre. O homem é asqueroso, afinal, abjecto. E tu não consegues odiá-lo, querer-lhe mal. Que espécie de homem és tu? Encaras tudo isto com um misto de fatalismo e desprezo - desprezo por ti, que te deixaste enganar, desprezo pelos carácteres que se mostraram finalmente como são, desprezo por ti outra vez, que não consegues querer mal a quem to fez.

Não o consegues sequer odiar: é como se nunca o tivesses conhecido, como se ele nunca tivesse existido na tua vida, como se ele não fosse. Como se estivesses cansado, ou gasto. O que viveste fortaleceu-te, ou enfraqueceu-te?

Depois apercebes-te que tens uma parte da culpa, ou pelo menos da responsabilidade; e que ele não passa de um pobre diabo ultrapassado pelas circunstâncias. Lembras-te que só de nós mesmos podemos ser juízes. Dos outros não. Ele deixa de ser asqueroso; o mundo (ou a minúscula parte dele que te coube em sorte) vai voltar ao normal. Vais ser capaz de recuperar, vais sobreviver, vais ganhar. Viver torna-te mais forte: ensina-te que um dia esquecerás.

10.10.05

Eleições - O bando dos 4

A escolha dos eleitores é perfeitamente racional e compreensível. "Todos os políticos são ladrões". E os eleitores votam naqueles que fazem algo por eles, que lhes dão algo em troca.

Só demonstra que se se explicasse claramente ao país que os políticos deviam ter salários mais altos - e menos benesses debaixo da mesa - ele decerto entenderia.

7.10.05

Devoção, too

O Digitalis é, sempre foi, um dos meus blogs favoritos. Mas o magnífico post - ou melhor, posts que a Helena faz sobre a Selma Lagerlöf (outra das minhas escritoras favoritas) merece uma devoção para lá de tudo. Dela retenho um magnífico conto no qual uma jovem, seduzida e abandonada por um ricaço da aldeia, o continua a amar. O caso, por uma razão que não recordo (uma criança, provavelmente), vai a tribunal - e a jovem, ao ver que o homem se prepara para mentir, retira a queixa: queria impedi-lo de cometer um pecado, outro pecado.

Um amor assim é doentio, claro, e provavelmente insuportável. Mas não deixa de ser bonito.

Partilha

Algumas coisas deviam, obrigatoriamente, ser partilhadas: um belo corpo, por exemplo; ou um jantar no Melting Pot, em Cascais.

6.10.05

Ciência e religião

Será que a macieira do Adão e da Eva é a mesma sob a qual, dias mais tarde, Newton descobriu a gravidade?

Retratos possíveis

Ela era jovem - 34, 35 anos quando muito - mas tinha uma voz que me levava ao princípio do tempo, ao pecado original. Ouvi-la era ouvir os mistérios, o desfilar dos dias, o vento no mar.

3.10.05

Impaciência

Não sejas impaciente: as coisas são o que foram, e o que serão. Nem a paciência nem o seu contrário levam a parte alguma.

1.10.05

Aspas

Ele não queria, claro, casar e ter filhos. Queria "casar e ter filhos". Mas ela não sabia "ouvir" entre aspas.

Vidas e ironias

Passou uma vida inteira a batalhar para deixar uma obra. Um dia apercebeu-se que essa obra era a sua vida, e que não a queria deixar.

Políticos e ladrões

A cota de popularidade dos políticos está abaixo da dos ladrões. É por isso que eles por vezes cumulam as duas funções: ganham votos enquanto políticos, e compreensão enquanto ladrões.