28.2.08

Diálogos possíveis

- Chego do mar ensolarado, salgado e azulado.
- Ensolarado e salgado sim; já o azulado tem fortes tons de encarnado vivo.
- Bom: cheio de sol, de sal e de azul.
- E encarnado como uma lagosta.
- É o sol, cá dentro.

Cidade, vida



Um dia saiu de casa e sentiu na pele as ruas, a luz, o jardim, a pastelaria, as pedras da calçada, o trajecto até ao escritório, a loja de ferragens da esquina, o talho com a carne toda pendurada (mais arrumada do que casacos num alfaiate), a ginginha, a senhora do restaurante que lhe dá uma aguardente que "não é caseira, é só de uma marca diferente da que está na garrafa", o rio, o senhor dos jornais, o tráfico, já intenso, o Claustro da Sé ou o dos Jerónimos, o Cabaret Maxime e o Hot Club, a vista da Rua do Jasmim para o Tejo, o Clube de Jornalistas, o calor, o calor; tudo isso sentia na pele, e pensou "é uma relação erótica, a que eu mantenho com esta cidade". Leu os jornais, bebeu o café, e corrigiu: "Com a vida".



27.2.08

Outra vez

Perceber as coisas rapidamente é uma dor sem fim e sempre renovada, a cada vez renovada.

Palavras lindas

Desde que li o termo "paleocéfalo" (já agora: na Ética, de Morin) ele não me sai da mente. Por exemplo:
- Querida, o meu paleocéfalo está completamente possuído por ti.
- O teu paleocéfalo? Tens outro?

26.2.08

Olhos bonitos

A zanga torna os olhos da senhoras, é consensual, mais bonitos. Quando os olhos são verdes, isso ainda é mais verdade - constatação essa que me enche de alegria, apesar de desconhecer a razão de tão estranho fenómeno.

Palavras bonitas c / hierarquia

Para designar causalidade a expressão "derivado a" é incontestavelmente mais bonita do que "por via de", e ambas preferíveis a "por causa de".

Exemplos: "derivado ao teu sorriso gostava de te ver mais vezes"; "por via dos teus olhos fiquei doido por ti"; "por causa do teu feitio danado todas as outras me parecem sopinhas de pão sem sal".

Desprezo

Quando ele chegou ela já estava sentada à mesa do café. Estavam, saltava aos olhos, zangados um com o outro. Assim que ele lhe disse "bom dia" ela deu-lhe uma sonora e espectacular bofetada. A reacção dele foi muito bonita e afogou-me num mar de empatia. "E agora", perguntou-lhe, "que devo fazer? Responder-te na mesma moeda, como nos filmes sobre a violência doméstica, ou dar-te um beijo, como nos filmes de amor?" Ela não achou graça. "Nunca conseguiste pensar pela tua cabeça", respondeu-lhe, não sem uma certa injustiça e com um tom de desprezo na voz que me deixou gelado.

25.2.08

Ensandeceu, coitado.

PSD: semana de luta da Frente Comum vai marcar ponto irreversível na popularidade do Governo. Esperemos que saia depressa, se não qualquer dia vêmo-lo por aí de funil na cabeça.

The beginning



Rick Cluchey in "Endgame", de S. Beckett.

Jeanne Moreau, toujours



India Song

"Nous ne connaîtrons des îles / que les filles à matelots"



"Où vas-tu Mathilde", Jeanne Moreau

J'aimerais tant



Serge Gainsbourg, La Chanson de Prévert

Palavras feias

"Pacificante" é uma palavra feia, bárbara, um galicismo; mas é também a que melhor define as Vésperas, de Rachmaninoff.

Uma piada africana

Uma velha e pedagógica piada africana fala de um senhor muito bêbado que estava numa planície onde só havia um búfalo e uma palmeira. O búfalo carregou, claro (são animais extremamente territoriais e agressivos, é bom saber-se, pode vir sempre a dar jeito). O senhor estava, repito, muito bêbado e via duas palmeiras e dois búfalos. Escondeu-se atrás da palmeira que não era, e veio o búfalo que era.

Pergunto-me como seria, esconder-me atrás da vida que não foi, e vir a que é.

24.2.08

Skiffs 18'


A beleza da simetria, e algumas lições sobre o vento aparente.
Há mais aqui.

A lascívia, o multiculturalismo e os paradoxos de ambos

O título é bom, sem dúvida. O resto ainda é melhor: às quintas, sextas e sábados no restaurante Flor da Laranja, rua da Rosa 206, Bairro Alto. É imprescindível reservar.

O título é: Dança Marroquina ao Jantar.

Parler vrai

"Disparaît, pauvre con"

O senhor do Fim de Semana tem razão: a direita portuguesa anda um bocadinha calada sobre o Sarkozy. Na verdade, há muito que ando para escrever sobre ele (mas como não sou a direita portuguesa, não me senti obrigado a fazê-lo): politicamente, chateia-me, mas nada que não esperasse (não estamos à espera de ver em França um presidente liberal, pois não? - Deve ser como para a esquerda querer um presidente socialista nos Estados Unidos. E imagine como teria sido com a outra senhora). Humanamente, cada vez o acho melhor: chega de políticos de plástico, que mantêm casamentos por causa da imagem, e só comem senhoras bonitas às escondidas.

Não acha?

PS - o video cheira a montagem à légua, pero ¡qué vaya!, é bom na mesma.

De Fim de Semana Alucinante, via Breaking Posts.

Realidade

Realidade? Não te preocupes: ela é aquilo que nós queremos que ela seja, e pouco mais.

Um adeus curto

A cena passou-se em Paris, num daqueles cafés em que as mesas estão encavalitadas umas nas outras e é impossível não ouvir as conversas do lado. Neste caso, estava tão perto que não ouvi só a conversa; ouvi também o que ele estava a pensar.

- Adeus. Vou-me embora. Estão aqui as chaves. Já dei ordens no correio para reencaminharem a correspondência. Não digas nada, por favor. - Ela acabou de dizer isto, levantou-se e dirigiu-se para a porta. Era uma mulher grande, loira, elegante. Ele ficou sozinho, imóvel, mudo.

- (Não te vás embora. Volta para trás. Senta-te. Não te vás embora. Lembra-te do éramos, do que fomos, do que podemos ser. A vida recomeça. Quero casar-me contigo, viver contigo, envelhecer contigo. Não te vás embora. Não me deixes especado nesta mesa, neste mundo. Volta para trás. Senta-te. De que serve uma vitória sozinho? Não passa de uma meia-derrota. Não é tarde. Quero casar-me contigo, começar cada dia com teu nome nas mãos, quero-te como eras, como és, imponente, com o destino nas mãos, o tempo. Senta-te. Volta para trás. Troco todos os dias de sol que estão para vir por uma manhã de chuva contigo, por um dia contigo. Não te vás embora. Volta para trás. Volta). Garçon, l'addition, s'il vous plaît.

- Voici, Monsieur
.

Ela saiu do café, e ele voltou-se para trás para a seguir com os olhos. Um homem esperava-a.

Noite

Uma noite horrível, entre o frio e um texto. Quando a manhã chegou, só o frio restava.

Box office

Têm sido tempos ricos em cinema. Aqui ficam algumas notas de filmes que vi recentemente:

"The Darjeeling Limited", Wes Anderson - algo descabelado, com uma boa interpretação de Adrien Brody. Um bom filme mas que, a meu ver, não merece as laudas com que foi acolhido.

"Lust, Caution", Ang Lee - Soberbo. Um hino sublime e belo à luxúria, à sensibilidade, à incerteza.

"3:10 to Yuma", James Mangold - Uma boa história de redenção, bem filmada e bem contada.

"PS - I Love You", Richard LaGravenese - Simultaneamente medíocre e frustrante, o que normalmente seria contraditório. A história nas mãos de um director capaz daria um bom filme. Hillary Swank de vez em quando lembra-se que foi dirigida por Eastwood. Imagino Jacqueline Bisset no seu lugar. Desta série, o pior.

"Charlie Wilson's War", Mike Nichols - Uma boa história contada com ritmo, humor, bons diálogos. Continuo a não estar convencido pelos dotes de Julia Robert como actriz, mas os seus outros dotes compensam largamente.

"There Will Be Blood", Paul Thomas Anderson - A história (homem possuído pela obra destrói tudo e todos à sua volta e destrói-se) não é nova. Mas nunca a vi tão bem contada, tão bem filmada. A interpretação de Daniel Day-Lewis é arrasadora (literalmente, no que me toca, e imagino que para ele também o será). Em "Gangs of New York" Day-Lewis não me convencera inteiramente - o seu jogo raiava o cabotinismo demasiadas vezes - mas neste filme é sublime, desvastador. Tudo em "There Will be Blood" é bom: o fundo sonoro, a luz, a direcção de actores. Uma obra-prima a ver e rever.

23.2.08

C'est ainsi qu'elles nous aiment

"Un homme qui préfère la voix de sa conscience à celle de son amour, peut être un héros aux yeux des hommes. Mais il est certain qu'il n'est pas mon homme, dis-je tranquilement."

"Pénélope", in Paix à Ithaque, Sándor Márai.

22.2.08

A baixa qualificação dos empresários portugueses...

... reflecte-se, é um dado comum, na sua (deles) resistência a contratar pessoal qualificado. Eu, que por acaso sou empresário, português, não tenho nenhum curso superior, só contrato pessoal superiormente formado (e, inclusivamente, já ofereci cursos de post-graduação) começo a estar um bocadinho farto desta ladaínha.

Não sei que dizer: o português escrito é, no mínimo, confrangedor, e obriga-me a corrigir tudo o que sai da empresa; a cultura geral é nula, abaixo de nula, nauseante; línguas, só de gato; a vontade de aprender é pequena - tanto o português como a cultura são coisas, aparentemente, "em desuso", ou "de velhos". A maioria das ou dos jovens não sabe o que é uma percentagem - isto é, não percebe o conceito de percentagem (já tive quem me pedisse uma calculadora para calcular 10% de um preço, e não foi só em Moçambique) - não sabe falar, escrever ou vestir-se, e só está na empresa porque não tenho dinheiro para contratar pessoas mais velhas, com ou sem curso superior. Caso contrário estaria onde deveria estar - isto é, no desemprego.

"A face visível da baixa qualificação dos empresários portugueses reflectida nos números do desemprego do pessoal mais qualificado do país. Quem não detém o conhecimento, não o valoriza: para a maior parte dos nossos empregadores, mais qualificação apenas significa aumento de custos com salários. Daí a necessidade de desenvolver políticas que revertam esta situação, conjugando acções de formação e de sensibilização do nosso tecido empresarial com incentivos ao emprego de pessoal qualificado
".

O desemprego dos jovens formados é a face visível da fraquíssima qualidade dos nossos ensinos secundário e superior, e não da "baixa qualificação" dos empresários. E as únicas "políticas a desenvolver" são as do ensino - não seria sequer preciso inventar muito (seria mesmo melhor não inventar nada).

Palavras bonitas II

Paleocéfalo - repetir uma, cinco, dez, vintes vezes: a cada uma é ainda mais bonita.

Palavras bonitas

Qualquer palavra passível de ser uivada é bonita.

Biografia

Uma mistura de coisas que foram com outras que podiam ter sido e com muitas que não deviam ter acontecido. Fraco, para uma biografia.

21.2.08

Publicidade canina



Devo dizer que conheço pessoalmente os cachorros, e o S/Y "NAGUAL". Quanto aos primeiros, não sei: exceptuando algumas centenas de gramas, parecem-me todos iguais, e igualmente bonitos. Já o S/Y "NAGUAL" é uma embarcação única, com uma tripulação única - a mãe dos cachorros, por exemplo, faz frequentemente leme e o pai é um proa assíduo.

Fuga

Este texto foi composto durante o concerto de Tomasz Stanko na Culturgest. Deve-lhe muito. Deve, também – menos – ao senhor de cerca de 50 anos que estava sentado ao meu lado e que aos 15, provavelmente, se zangou com os desodorizantes. Aos 20 esqueceu definitivamente a existência deles e agora é tragicamente tarde para se aperceber dos inúmeros progressos da química.

Eu não fugi. Fui-me embora, o que é bastante diferente. Era uma da manhã e deixei-te, exausta, no quarto da estalagem. Não choraste, claro: eras demasiado orgulhosa para isso. Fui para o barco, larguei as amarras, naveguei dez ou quinze milhas para sul, arreei o pano todo e fui dormir. Acordei eram dez da manhã, tinha passado a noite toda a pairar e a manhã e pairei durante muitos anos, cada vez que pensava em ti.

Estávamos exaustos, os dois, todas as noites nos exauríamos – até o suor se nos esgotava, um dia disseste-me “não tenho nem mais uma gota de suor para transpirar”. “Eu também não”. Fui para o largo e fiquei a dormir, nunca dormi tanto tempo seguido sozinho num barco no mar.

Sempre foi assim, sempre, desde o primeiro dia, em que acabei de fazer uma reparação no motor, estava coberto de óleo e tu lavavas a loiça, tinhas as mãos cheias de detergente, isto não se inventa, foi assim mesmo que aconteceu, e quando demos por nós estávamos na cama e depois no duche e depois de jantar outra vez a cama e assim durante o mês ou dois que passámos juntos. Eras pequenina, tinhas os cabelos negros retintos e eras a pessoa mais bonita, mais inteligente e mais sensual a quem jamais me dei, que jamais se me deu.

Insisto: não fugi. Fui-me embora. Tu procuravas as tuas raízes, dizias-me, e eu pensava que tinha encontrado as minhas. Mentira, claro: as raízes nem se perdem nem se encontram, estão onde nós estamos e nunca saem do seu lugar, e pouco há que possamos fazer a este respeito. Umas putas, as raízes, enganaram-nos aos dois, e enganam meio mundo.

Nessa altura era skipper de um barco de charter, e tu eras dançarina, jornalista, fotógrafa e “ocasionalmente empregada de mesa”, acrescentavas sempre. A maioria das pessoas acreditava mas anos depois, quando a internet apareceu, pus o teu nome num motor de busca e descobri que eras bastante conhecida em Nova Iorque, onde nasceras e vivias, jornalista e fotógrafa, e que o “empregada de bar” tinha sido um artifício para vires para bordo.

Só não encontrei referência à “bailarina”, mas dessa não precisava, porque todos os dias tinha os teus músculos em mim, o ventre contra o qual esbarrava como horda de bárbaros contra a muralha da China, as coxas que me apertavam como tenazes com um bocado de carvão ardente sobre um tapete raro, os braços e as mãos com as quais me passeavas o corpo para lá do descritível, para lá das palavras, para lá.

Tinhas um nome de deusa, o corpo a sensualidade e o olhar de uma deusa, e olhos azuis como um dia de sol no mar, e eu fui-me embora. Não fugi.

20.2.08

Automobilismo

Não percebo nada de automóveis, e se estiver a dizer um disparate corrijam-me, por favor. Mas o Audi R8 é o mais nietszcheano dos carros: um corpo dionísiaco numa alma apolínea.

Maio 08

Sous les pavés la plage. Mais que de merde, en-dessus.

19.2.08

Há oitocentos e tal anos

Este é o Portugal que empurramos para debaixo do tapete, mas que insiste em não desaparecer

Serviço público - restaurantes

A quem, como eu, é obrigado a jantar todos os dias fora de casa (e não pode ir mais do que três vezes por semana ao Gambrinus, mesmo assim já com um bocadinho de sacrifício) a procura quotidiana de um restaurante para jantar desenvolve capacidades e sensibilidades que datam, penso, do nosso tempo de caçadores-colhedores.

Tornamo-nos atentos aos mais pequenos sinais. Um desses indicadores, inequívoco, de um restaurante no qual a relação qualidade - preço é indubitavelmente favorável ao cliente é a presença de velhinhos (se estiverem vestidos decentemente, ainda melhor).

(Devo reconhecer que, já perto do fim do jantar, dois senhores com o uniforme da construção civil beberam as suas cervejas pela garrafa, em vez de, como seria recomendável, por um copo. Tal é a força do preconceito: se já lá estivessem quando cheguei à porta, talvez não tivesse entrado).

Que importa? O jantar estava magnífico, e o restaurante tem, para além de velhinhos e velhinhas vestidos decentemente, uns azulejos simpáticos, preços mais do que correctos e uma qualidade acima da média do segmento. Quando for velhinho, vou vestir-me assim, para atrair os e as clientes mais jovens aos meus lugares favoritos.

Restaurante Alvarino, Rua do Sol ao Rato 3, tel. 213 887 141.

La maman et la putain

Uma puta num corpo de mãe, ou uma mãe num corpo de puta?

17.2.08

18'





Fotografias de Christophe Favreau. Há mais aqui.

16.2.08

Via Dolorosa

Restaurante Flor da Laranja, Rua da Rosa 206 (Bairro Alto), Tel. 213 422 996 (Cozinha Marroquina).

É bom, é bonito, é barato e a dona / cozinheira / empregada de mesa é de uma simpatia que só em Marrocos. Não sei que pedir mais a um restaurante.

PS - talvez uma carta de vinhos um bocadinho mais, e um bocadinho menos. Só um bocadinho de cada.

Sete semanas

"Sete semanas para concluir o óbvio é que se afigura peculiar." A mim também: é anormalmente rápido.

Criatividade

E ainda há quem pense que "Fisco" e "Criatividade" são antinómicos: "Lei de 1991 proíbe utilização de acessório para captação de imagem". Só superficialmente.

(Via O Carmo e a Trindade).

Publicidade orgulhosa

- Pai, ainda é longe, a América?
- Cala-te e nada.

14.2.08

Desejo

"You'll find out, Luis, that the sweet smell of success is in fact sweet and sour", dizia-me naquela noite em que estávamos os dois deitados na praia, em Moçambique. Falava-me dela e do seu trabalho, numa mistura de inglês, francês e espanhol, que eram as suas línguas, as suas vidas.

Na altura trabalhava para a BBC, ou para a MTV, não me lembro, como produtora. Tinha uma cabeleira enorme, preta como a noite para a qual olhávamos os dois. "Mi abuela me llamava Negra, à cause des cheveux". Tinha o corpo tenso de desejo, quase a sentia vibrar, as mãos espalmadas na areia e os seios a apontar para o negro da noite. Ouvíamos o barulho do mar e ela falava, cada vez mais devagar. Até que se calou, o desejo calou-a e ficou ali, entre os dois, dois corpos numa praia do sul de Moçambique, palpável como a noite negra e branca das ondas, dois corpos inexorável - e, para ela, incompreensivelmente - separados.

Fui visitá-la uns meses mais tarde, a Londres. "O desejo tem uma data de validade", explicou-me no aeroporto, quando me foi buscar. "E a tua passou". Deixou-me no hotel, e passámos três dias a ver museus, e a ouvir jazz.

6.2.08

A ler

"Três lições americanas", aqui.

"A quem lhes fez as orelhas".

Um dos melhores posts de um dos melhores blogs portugueses dá isto.

5.2.08

Estacionamento

Há vários pontos interessantes nesta série de posts (Pilaretes e Estacionamento) e respectivos comentários:

a) A "civilidade" dos estrangeiros quando comparada à dos portugueses: a mera existência de pilaretes nos exemplos apresentados deveria chegar para demonstrar que os "estrangeiros" não são mais civilizados do que os portugueses - se fossem, não precisaria de pilaretes. O que os distingue é que em vez de se lamentar sobre a civilidade ou educação das pessoas tomam medidas baseadas naquilo que elas (pessoas) são, e não naquilo que deveriam ser;

b) As reticências da CML têm, penso, duas razões de ser: uma é política - a verdade irrefutável é que não há parques de estacionamento em número suficiente, e começar a restringir agora o estacionamento sem dar alternativas provocaria decerto uma mais do que justificada revolta. A outra é económica: nesse paradigma da civilização que é Genebra, onde se andam a aplicar políticas de restrição à circulação automóvel há mais de 20 anos (e onde essas políticas são eficazes e as punições severas), houve há pouco mais de meia-dúzia de anos um debate na Câmara Municipal sobre o aumento das multas de estacionamento. O partido no poder (extrema-esquerda) propunha um aumento de 200% - de 20 para 60 francos a multa-base, digamos. Nenhum partido constestou a necessidade de aumentar o valor - mas alguns questionaram um aumento tão grande, argumentando que teria um efeito dissuasivo enorme e diminuiria radicalmente as receitas que as multas proporcionavam (o aumento foi de 200% e as receitas aumentaram, o que demonstra que a extrema-esquerda às vezes é capaz de decisões válidas de um ponto de vista económico. Infelizmente é muito raro).

Não tenho automóvel e nada me irrita mais do que o estacionamento selvagem em Lisboa. Mas seria talvez útil começar por construir a casa pelas fundações: criar parques de estacionamento para locais, dificultar a entrada de automóveis do exterior, melhorar a rede de transportes públicos de superfície, e só depois agir sobre o estacionamento - por muito que nos custe ver como é Lisboa, e como poderia ser.

PS - até se poderia aplicar o dinheiro das multas de estacionamento para este objectivo. Não seria decerto suficiente, mas pelo menos daria uma boa razão para as pessoas estacionarem mal...

PS2 - esta história da falta de civilidade irrita-me sempre um bocadinho, mesmo que por vezes ceda, anche io, à tentação. E nesses momentos lembro-me sempre de uma história que se passou comigo há muitos anos, em Cascais: ia no carro de um amigo e um peão tentou atravessar numa passadeira à nossa frente. O condutor não só não parou, mas ainda gritou para o senhor "Pensas que estás no estrangeiro?". Naquela altura, dizia-se que os portugueses eram irremediavelmente selvagens e nunca aprenderiam a dar a prioridade aos peões. Hoje, os carros em Lisboa param nas passadeiras mais do que em qualquer grande cidade europeia, com a possível excepção de Londres.

O que mudou? Um chauffeur de táxi disse-me um dia que foi uma "medonha" (ou "pavorosa", já não me lembro) campanha de repressão. Não sei se é verdade ou não, mas vinte e tal anos de vida na Europa "civilizada" levam-me a crer que sim.

4.2.08

Matemática elementar

27 Ministros da Educação x 0 = 9%.

Vin et Littérature

Vinho e literatura sempre se misturaram bem, seja a montante, nos escritores, seja a jusante, nos leitores. Mas se na mistura introduzirmos a presença de Bernard Pivot, lui-même, en personne, a mistura fica irresistível, pura e simplesmente irresistível.

(Não sou, verdade seja dita, grande fan de televisão; provavelmente uma das razões é não haver muitos programas como o Apostrophes, ou o Bouillon de Culture, nem apresentadores como Bernard Pivot).

Vendredi 8 février 2008
à partir de 19 h 00

Bernard Pivot
présent pour la sortie de son livre

Dicionário sentimental do vinho

IWBD

Mahommet não iria decerto à montanha para beber vinho, mas simpaticamente a Montanha traz os seus vinhos ao Clube dos Jornalistas.

3.2.08

Mudança

Um dia mudou de casa, e foi viver para a única versão de Portugal que achava correcta: a do Cabaret Maxime.

Vida

A vida é deliciosa, nos dias em que se finje que se vive.

2.2.08

E não se poderia...



"Este estudo põe ainda a nu a diferença que existe entre a realidade da sexualidade feminina e aquilo que os homens pensam sobre ela. Exemplo típico 32% das mulheres têm dificuldades no orgasmo mas os homens apenas detectam 24% - ou seja, há pelo menos 8% de orgasmos fingidos, de que os homens nem desconfiam."

That is the question

Irracionalidade II

A esmagadora maioria das pessoas é, obviamente, inteligente - mas é igualmente óbvio que essa mesma maioria é pontualmente capaz da mais total irracionalidade (infelizmente, a minoria em que a irracionalidade é permanente também é esmagadora).

Essa irracionalidade temporária, pontual, episódica tem várias origens: a facilidade (é mais fácil reagir cegamente a uma situação qualquer - agradável ou desagradável - do que tentar percebê-la); a ignorância (se ignoramos a lógica que está por trás de um determinado comportamento e o percebemos como "estúpido" (isto é, desprovido de razão) tendemos a reagir irracionalmente); ou o simples facto de sermos humanos - Edgar Morin, no volume 6 do "Método" (A Ética), diz "a compreensão racional objectiva, desumaniza*".

Se bem haja aqui um problema de lógica: o que é humano é a razão. Ser homem é pensar; não pensar é mais fácil, certo, mas porque será "mais humano"? Porque associamos a humanidade ao erro, à emoção, à irracionalidade, quando é justamente o sermos capazes de nos libertarmos deles que nos define como homens? Estamos mais perto da verdade quando igualamos um comportamento irracional a um comportamento animal.

* - a citação é de memória, será verificada posteriormente.

Irracionalidade

É mais fácil compreender (e frequentemente aceitar) a irracionalidade do que lidar com ela.