O sistema de saúde suiço está doente, praticamente desde pouco depois de o actual modelo ter sido posto em prática. É bastante instrutivo e bem podia ser usado como ilustração daquele velho provérbio segundo o qual de boas intenções está o inferno cheio. Quem quiser ter uma ideia do que se passou e falar francês (ou souber como usar tradutores em linha), pode ir aqui. Resumindo muito: após uma série de referendos e iniciativas populares, projectos e contra-projectos todos recusados pelo «soberano» (designação local para povo), em 1994 a actual lei é aceite, por uma curta maioria (51,8%). Os debates até chegar aqui foram - como sempre, mas mais do que o habitual - acesos e muitos. O povo suiço tem uma saudável desconfiança de tudo o que lhe cheira a poder central e foi preciso toda a habilidade política de uma senhora chamada Ruth Dreifuss, socialista (cela va sans dire) que o projecto passou a rampa (o cerne aqui sendo que o seguro de saúde passaria a ser obrigatório e não voluntário como até ali. Enfim, parcialmente voluntário. O seguro contra acidentes já era obrigatório). Para dourar a pílula, passem-me por favor o galicismo, a senhora Dreifuss imaginou um sistema no qual os seguros teriam duas componentes. Uma, a de base, incluiria um mínimo de prestações, as mais usuais e frequentes. Quem quisesse mais teria de subscrever uma apólice «complementar» (aspas porque cito). Nos primeiros anos o seguro de «base» aguentou-se como tinha sido lançado; mas dai a um político a ponta de um dedo e em menos de um fósforo ele ter-vos-á comido o braço. E o que os opositores do projecto tinham previsto aconteceu: não se passava um ano que o governo não incluísse mais coisas no seguro de base. E que faziam as companhias de seguros? Aumentavam os prémios, está bem de ver. O que ninguém previu foi o estado catastrófico, monstruoso, a que isto chegou. O seguro de saúde é hoje um dos principais centros de custo para os suíços e é enorme, desmesurado.
Ainda por cima, como é próprio dos políticos, não aprenderam, Agora andam a esbracejar para ver se conseguem baixar o preço das apólices mas em vez de decidirem acabar com a porcaria do seguro-base e deixar cada seguradora decidir o que inclui na apólice, que fazem? Aumentam a franquia mínima. Não reduzem o custo, mas reduzem »a progressão de custos».
Se fossem dar uma volta ao bilhar grande também a reduziriam e muito mais depressa.
Nota bene - a democracia directa tem pelo menos uma vantagem: os suíços têm o que quiserem ter, mesmo que a maioria tenha sido curta. Não houve cá martas temido a impor fosse o que fosse.
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Ontem lá consegui ler qualquer coisa, conjunção feliz de vários factores: estava muito sol, o livro tem as letras grandes e o autor é Umberto Eco. Chama-se Reconnaître le fascisme (na tradução francesa. O Original é Ur-fascismo, creio mas não tenho a certeza).
Eco afirma que o fascismo, contariamente a outras ideologias totalitárias, não tem um corpus teórico específico e criou o conceito de ur-fascismo, uma espécie de englobante com catorze características que, segundo ele, ajudam a reconbecer os traços de fascismo numa ideologia. Para que uma ideologia seja fascista não é preciso que os tenha todos. Basta aliás um qualquer para que o fascismo se possa sedimentar a partir daí.
Esses catorze pontos são:
- Culto da tradição;
- Conservatismo aliado à rejeição do moderno, dissimulado sob o manto do capitalismo. Rejeita-se o capitalismo e tudo o que se seguiu à revolução francesa, à independência dos Estados Unidos. A «depravação» do mundo moderno começou com o Renascimento;
- O culto da acção pela acção. Os homens não pensam, agem;
- Rejeição do pensamento crítico;
- Rejeição da diversidade;
- Exploração da frustração (sobretudo das classes médias);
- Obsessão com o complot. O fascismo precisa de um inimigo exterior, internacional;
- Obsessão com a riqueza e a força do «inimigo»;
- A vida é uma guerra permanente. Uma vez vencidos todos os «inimigos» virá um período da paz, uma nova idade de ouro;
- O elitismo. Cada cidadão pertence ao melhor povo do mundo - mas precisa de quem o guie e governe;
- O culto do heroísmo;
- O controle das mulheres. O homem verdadeiro é machista. Um homosexual não é um homem a sério;
- O povo é uma entidade coesa e tem uma vontade comum. Não há lugar para vontades próprias;
- O empobrecimento da língua, que é simplificada e controlada.
(Para escrever esta lista fui
aqui.)
Como Umberto Eco diz, estes pontos são partilhados por muitas ideologias ditatoriais e os meus amigos reconhecerão decerto pelo menos uma delas.
O livro foi escrito a partir de um discurso na Universidade de Columbia a 25 de Abril de 1995. Sugiro fortemente a sua leitura.
Umberto Eco, Reconnaître le fascisme, ed. Grasset, col. Les cahiers rouges, Paris 2024
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Hoje esteve menos frio do que ontem e ontem menos do que anteontem. Amanhã a máxima estará outra vez nos dezassete graus, mas a partir de domingo baixa de novo. A prima vera é instável, coitada. Tem súbitas e enormes variações de humor.