31.10.04

Humor

Herrman (link ao lado) é dos poucos desenhadores de imprensa que me faz consistentemente rir - o que em si não teria nada de especial, não fora o facto de eu estar, na esmagadora maioria das vezes, em total desacordo com as opiniões dele.

Tive, há tempos, uma história afectiva que me colocou muitas perguntas, e algumas respostas, sobre a natureza do amor; Herrman faz o mesmo para o humor. Faut que j'y pense.

Escrever

Não gosto de escrever: é chato, difícil, penoso. E ainda por cima depois há que cortar metade das palavras que escrevemos, para que o texto fique bom - isto é, legível e bonito.

Pergunta

Os parlamentares europeus que não aceitaram o Bottiglione são os mesmos que defendem a causa palestiniana, os árabes, e são contra a discriminiação dos muçulmanos?

30.10.04


A Baía de Nacala (ou de Fernão Veloso) vista do espaço.

Baía de Nacala

A Baía de Nacala (ou de Fernão Veloso) não é bem uma baía, é mais um golfo, e não é só uma baía, são quatro. A água era claríssima, mesmo no porto e nela navegar um prazer, sempre.

Quando lá ia, uma das coisas que mais gostava era a ideia que o porto ainda estava longe, mas já nos esperava. Atravessava-se aquela sucessão de baías, cada uma mais bonita que a anterior, rodeadas de praias e palmeiras, numa água transparente, profunda, de um azul infinito, e só ao fim de um bom momento é que se atracava o navio.

Onem, vá lá saber-se porquê, lembrei-me da Baía de Nacala.

Histórias de amor

Algumas são tristes porque acabam mal; outras porque não começam.

29.10.04

Dúvidas e certezas

a) A lua, sempre a lua;
b) Experiência ou entusiasmo? (A primeira, sem hesitar).
c) O fogo ou o mistério?
d) A inteligência ou a sensualidade? Sem a primeira a segunda não existe.


26.10.04

Erro maior

Durante muito tempo pensei que para ser rico bastava uma boa ideia, uma visão, um golpe de sorte; e não me apercebi que os anos passam a correr, enquanto os frutos do nosso trabalho - ou das nossas ideias - vêm a andar, devagar.

Carta ao filho - II

Meu querido filho,

há muito tempo escrevi-te uma carta. Se calhar nunca ta enviei, se bem que a tenha publicado aqui no Don Vivo. Não me lembro; tão pouco é importante.

Nela, falava-te da diferença que há entre verdades e opiniões, e de como devemos aprender a desconfiar das primeiras; delas, e daqueles que com elas nos acenam (e aqui até poderíamos utilizar o verbo francês assener). "As verdades", dizia-te nessa carta,"são transitórias; as opinões são válidas muito mais tempo". E dava-te o exemplo de Aristóteles, cujas verdades científicas agora só para a história da ciência têm interesse, mas cujas opiniões filosóficas ainda hoje são tão válidas como no dia em que foram concebidas.

Hoje, contudo, o objectivo é outro: falar-te da vida, da morte ("um bocadinho precoce, não?", pensarás do alto dos teus 16 anos) e do que levamos de uma para a outra.

A verdade (passe o termo, que é uma comodidade de linguagem), é que de nós na morte fica pouco: ossos, os que com sorte resistirem aos vermes, e obra, se a tivermos feito. Tão pouco te falo da obra, hoje: deixar uma é penoso, difícil, aleatório; e só o poderemos escolher como objectivo se, justamente, não o escolhermos: tem que nos ser imposto, termo - e opção - com que não simpatizo muito, porque nem de uma obra gosto de ser o títere (títere talvez seja uma expressão demasiado forte, mas é o que, por vezes, me sinto). Não. Deixa, se puderes, de lado o sonho de uma obra, e concentra-te no resto, naquilo que verdadeiramente levamos, e cá fica, quando desta vamos para melhor: saúde, dinheiro, amor, as três tetas das cançonetas de treta.

O amor - a actividade, nobre e legítima, de dar e receber prazer, de receber prazer porque se o dá, é, provavelmente, a mais importante das três - e está frequente, se bem que não inevitavelmente, ligada às outras duas. O amor deve servir para dar prazer, não dor: e se tiveres que escolher entre sofrer e fazer sofrer, escolhe o primeiro: mais sentido e mais valor terá o prazer que deste.

O dinheiro é dos três o tema mais difícil, e importante, muito. Só os idiotas, os ricos, os incapazes e os sábios orientais dizem o contrário. Mas o dinheiro só é importante se não for um ojectivo, e sim um meio; e se teu só fôr nominalmente, porque dele devem, também, beneficiar os que te rodeiam, amigos ou não. Repara que o inverso não é verdade: viver do dinheiro dos outros não é só doloroso, é sobrtudo ignóbil - por muito que tenhas dado antes, por muito que venhas a dar, os outros não se lembrarão, nunca, do que tiveres dado: só o que recebes, ou pedes, será recordado. Ao contrário do amor, que é bom se fôr dado e recebido, o dinheiro só é bom se for dado. Não esperes retorno: não penses que dando-o os outros se lembrarão quando for a tua vez de precisar: não é verdade, infelizmente, salvo raras excepções. Mas é bom dá-lo porque, justamente, não o podemos levar connosco, porque o dinheiro é um meio, não um fim, e porque, como as verdades, ele é transitório, passageiro, breve.

Resta a saúde: desta, pouco há a dizer. A porção dela que podemos controlar é ínfima - de quem nos antecedeu herdamos o que a quem nos sucederá deixaremos, mais coisa menos coisa. Não são uns cigarros a mais, ou uns whiskies, que mudarão o quadro fundamental. Trata dela, é o meu conselho, mas sem exagero: não ponhas o bem-estar ao serviço do corpo: antes põe este ao serviço daquele. Usa o corpo como usas o dinheiro: para os outros, e dele cuida e guarda o suficiente para poderes dar mais do que recebes.

Falei-te de três coisas que são, a meu ver, das coisas importantes que fazem e definem a nossa vida, que são o que de nós cá fica, o que connosco passa. São os três pés do tripé no qual assenta a independência, ou, se preferires, a liberdade. E essa é a única coisa, a única, pela qual vale simultaneamente a pena viver e morrer: viver a todos é dado; viver, ou morrer, livre não. E viver sem ser livre, ou independente, não é viver, é vegetar.

E quando te falo da liberdade, falo-te de todas as liberdades: sê livre das verdades dos outros, como das tuas, e do seu dinheiro, das suas doenças, das suas fraquezas e das sua forças.

Sê livre, meu filho, porque só livre se é, ou pode ser, soberano.

Teu pai,

Luis

23.10.04

Overheard, Sir Richard

- A FNAC não é daquele gajo que é maluco?
- Não, pá, isso é a Virgin.

A conversa continuou. Eu fiquei-me por aqui, e pensei no post abaixo...

Megalomania

Sou, muitas vezes, acusado de megalomania; acusação injusta: "não sou eu que sou megalómano, é o país que é pequeno", apetece-me responder.

Aliás, Portugal é tão pequeno, tão mesquinho, que nem megalómanos a sério pode produzir.

Amor, amores

Em francês, a palavra amor(amour), é masculina, como em português, mas o seu plural, (amours) é feminino. Creio, mas não posso agora assegurá-lo, que se não é a única só há mais uma palavra nesse caso. Não me lembro, e pouco importa: gosto da ideia de que ao "meu amor" se sucede "as minhas amores": nesta, como noutras áreas, o plural é caprichoso, imprevísivel, feminino..

Carta aberta a nenhuma senhora em especial, desde que seja jovem e bonita

Andas-me a boicotar a amizade, rapariga, e a vista, que os olhos também comem, salvo seja o devido respeito, e uma cara bonita como a tua, escondida atrás desse sorriso rasgado com que presenteias quem te vê, é um prazer real, um real prazer para olhos que olhem os teus, tão bonitos e tão pretos e tão sorridentes, eles também.

"Como tens passado, deste que te mandei passear?" não me perguntas tu, que não me ligas nenhuma, se não for eu a telefonar nem sei de ti, olha cá está o Kalimero de mim a falar outra vez... Como tenho passado, que se tem passado? Pouco: aquele preto que via pintado num muro à minha frente deixou de ser preto, é cinzento agora, e cinzento cada vez mais claro; amores foram e amores vieram, e foram, que por essas bandas as erupções andam intensas, mas breves - excepto a tua, claro, erupção que me deixou de rastos e deixou rastos de lava que, já frios, teimam em reaquecer e eu teimo em arrefecer outra vez, não vá o Diabo tecê-las, ele que tão activo anda agora, outra vez. "True love" dizia o Leonard Cohen, grande entendido nestas misturas de cul et coeur "leaves no traces" - então se calhar o meu por ti não foi um verdadeiro, que ainda por cá deixou traços, ténues, é certo, mas bonitos, como os teus olhos e os teus cabelos e a curva da cintura, tão harmoniosa.

O Outono chegou, é a estação dos vermelhos e dos amarelos, do fogo e do frio, da chuva e do sol, de tudo e do seu contrário - talvez seja por isso que gosto tanto dele, sobretudo por essa Europa fora, no Jura, por exemplo, onde tanto gostaria de ir contigo agora, comer trutas à Tante Yvonne, se ela ainda fosse viva, e voltar para casa à noite e já ter que acender a lareira, e beber um copo de branco aninhados nos braços um do outro enquanto falamos dos passeios do dia e dos de amanhã.

Eu, agora sem corpo onde repousar a mão, sem alma onde repousar o olhar, sem porto para esta ansiedade que me há-de consumir, sem a primeira metade para um tête-à-tête, só com a memória dos traços de lava que há meses, tantos meses (só meses?) me queimaram tanto, lembras-te? eu agora cá vou escrevinhando exercícios literários como este, e tendo ideias que ninguém quer, como de costume, e bebendo, de vez em quando, um bom vinho - pode viver-se sem mulher; pode - mais dificilmente é certo - viver-se sem barco; mas sem vinho não, porque, seja Deus agraciado, não há razão para isso, ainda sobram uns cobres para uma boa garrafa, se não for todos os dias, e ele não pode, ele, dizer "não, não estou em condições" de ser bebido por ti agora, como eu quisera beber-te outra vez e tu "não, agora não".

Enfim, como vês, as coisas vão andando - devagarinho e sozinho, é certo, mas na pelo menos boa direcção, tão certeiras como o inverno que há-de suceder ao outono, e a companhia à solidão e a esta de novo outra, e outra.

Aceita este beijinho que aqui te deixo, em público, como se estivéssemos no Cabo da Roca, ou à beira do Sena, ou no poço de um barco nos alíseos, e eu, tomado de amores, te agarrasse nos ombros e te pespegasse, grande, interminável, um beijinho nessa face de que tanto gosto, que tanto me falta, por vezes.

Teu

Luis

21.10.04

Portas e janelas

Ia fechando as portas que, ao longo do tempo, deixara abertas. Era doloroso, e um alívio.

Conteúdo

Dizem-me muitas vezes, e eu agradeço sempre, que escrevo bem. Que bom seria se tivesse alguma coisa para dizer...

Proveniência

Eu sou do sol, da luz, da lua, se fôr cheia.

20.10.04

Cabala (não é essa, é outra)

Cada vez vejo mais o verbo "parabenizar", declinado em todos os tempos e conjugações. Há, suponho, uma vontade subjectiva, sem dúvida subjectiva, de f... a língua portuguesa; proponho que o senhor Ministro faça alguma coisa a esse respeito, por favor, agora, já. Abaixo as cabalas subjectivas cujo objectivo é avacalhar a lusa língua.

Bom regresso

O Don Vivo não é, é sabido, muito de links. Mas não posso deixar de felicitar o regresso d' A Cagada, que é um óptimo blog, mauzinho à souhait, com um humor cáustico (também, que humor é o que o não é?). Benvindos de volta, malta.

18.10.04


Vulbens, Outubro 2004

Vulbens, Outubro 2004

Toulouse, Outubro 2004

Lisboa, Setembro 2004

Cascais, Setembro 2004

Genève, Outubro 2004

O que é o amor? - II

Não sei o que é o amor, não sei o que faz de um bar um bom bar, não sei porque gosto do mar e de nele navegar à vela.

Mas sei porque gosto de ti, e isso chega-me; e sei que me será difícil e penoso e longo desaprender de gostar de ti.

Des-gostar de ti.

Casa do Largo, bis

Nunca se escreverá o suficiente em louvor e glória da Casa do Largo, que é, já o tenho dito, o melhor bar do mundo e, consequentemente, o meu favorito.

Digo isto com total objectividade e imparcialidade, claro: aqui fica mais um registo em louvor e glória da Casa do Largo, sita em Cascais, bonita e boa.

15.10.04

Sede

Há dias assim, de secura, de sede metafísica, deserto na alma, dias que nos transformam nuns Átilas das garrafas: por onde passamos não fica uma de pé. Dias de Dry Martini sem fim nem princípio, dias de tapete rolante do bar para a mesa, dias de barman transformado em polvo, oito braços a preparar-nos cocktails, dias de "Sam, whisky from here to here" [espero não estar a confundir os filmes...], dias assim, em que o Paraíso se transforma numa interminável distilaria e Deus, Ele-mesmo, no maior bootlegger do mundo.

PS - um dia serei crente e direi "no melhor bootlegger do mundo".

Visão

Ela entrou na cama, e trouxe com ela a lua : cheia, redonda, feliz. E eu também.
(Para S. S.)

Tsunami depressivo

Tijolo na parede da tristeza de uma barata que acabou de perder o seu esgoto favorito. Esgotada, portanto.

Os diabos fazem um hiper-mega-party dentro de mim. Reclamam de beber: "A boire! A boire!, gritam, porque são diabos franceses, ou afrancesados. Eu acedo: para triste basto eu, não quero mais ninguém melancólico nas redondezas. E o "Depressão Pública", jornal de referência da Diabolândia, vai amanhã noticiar uma hecatombe de diabos. Boa notícia!

A depressão é como um plano de água coberto por uma camada de petróleo: sabemos o que está por baixo, mas não o podemos ver.

Levantar-se de manhã: como ir trabalhar para um escritório no 53º andar, sem elevador.

13.10.04

Quo Vadis, Europa?

Experimentem dizer, por essa Europa, que acham que os alunos universitários deviam pagar os seus estudos; que talvez o Bush não seja o idiota que dizem que é; que os países europeus vão ter, mais tarde ou mais cedo, que reformar a sua legislação laboral; ou que, no conflito israelo-palestiniano, são a favor de Israel: é como se estivessem a dizer que são a favor da pedofilia, ou da reactualização da Santa Inquisição...

9.10.04

Vitae

Do curriculum vitae já só me resta a vitae. O curriculum foi-se, há muito.

Presente

Não tinha presente: só o passado ou o futuro existiam no seu espírito.

Contra as relações desiguais...

...entre homens e mulheres: se disso deres oportunidade a uma mulher fraca, ela transforma-se imediatamente numa ditadora - e o mesmo acontece a um homem.

Noite

A noite é uma embarcação que não foi feita para a navegação em solitário.

8.10.04

MOVE ON

Move on

An empty bed's awaiting you - better than an empty night, mind you.

Or an empty life, for that matter...

Later on - 4

Depois de Jonnhy Cash, Claude Nougaro não é uma escolha evidente. É um cantor de variedades francês, nem mais interessante nem menos do que os outros - isto é, pouco. Devido a uma recente, e agradável, estadia minha em Toulouse, cidade de onde ele era natural e que cantou muito, está agora no leitor.

Tem, a seu favor, um ritmo "jazzy" (passe o exagero), e o facto de beber (ou ter bebido, já foi desta para melhor) muito, isto é, razoavelmente. E duas ou três canções de que gosto - mais por inerência da memória do que por qualidade intrínseca da música. Uma delas chama-se "Ile de Ré".

"Dans l'île de Ré
Ma belle adorée
Je t'emmènerai
Bientôt
Au mois le plus tendre
Le mois de septembre
Où l'on peut s'étendre
Bien seuls
Regardant la plaque
Des flots et les flaques
Que les soirées laquent
D'argent
..."

A noite acaba com um Rhum Agricole La Mauny (branco, 55º), xarope de açúcar e... limão, não havia lima. Não se pode chamar a esta mistura, portanto, um 'Ti Punch.

Entre o Nougaro e um La Mauny alguém há-de escapar.

Nota: nunca, mas nunca, pôr gelo nesta magnífica bebida.


O modo de ser

O Don Vivo já teve links, e já teve um "contador", e já teve uma série de coisas que fazem, parece, de um blog um blog (blog não leva itálico: já é quase português).

Hoje, o Don Vivo não tem links, não tem "contador" e juro, chicuembo cha 'nhaca, que em breve não terá technorati. Isto não é um blog, nem sequer um umbigo é, que o umbigo ainda se vê, se o mostrarmos. Isto é o que está por trás do umbigo, é uma tripa, uma m..., um vazio [esta é para quem me conhece fisicamente].

Olhar

Sou mais sensível ao olhar de uma mulher do que aos seus olhos. A frase é demagógica, claro - mas não deixa de ser verdadeira; e - medida última da sua verdade - eficaz.

Metade desta proposição é verdade...

Later on - 3

"Johnny Cash at San Quentin" - não duraria muito, como DJ...

Nem em Genève, cidade feia - enfim, cidade que deveria ser feia. Nenhuma cidade onde temos uma história é feia (nenhuma, nem La Chaux-de-Fonds, nem Dunkerque, nem Nakhodka).

"I don't know where I'm bound"

I don't know where I'm bound
I don't know where I'm bound
Whistles calling me away
leaving at the break of day and
I don't know where I'm bound

Can't stand locks, bars or doors
mean cops insanity and wars
Gotta find a place of peace
Till then much travellin' on seas
but I don't know where I'm bound

There's gotta be a place for me
under some green growing tree
clear cool water running by
an unfettered view of the sky
but I don't know where I'm bound

Later on - 2

"If it be your will,
That I speak no more
And my voice be still
as it was before
I will speak no more
I shal abide until
I am spoken for
If it be your will."

L. Cohen, "If It Be Your Will", in Various Positions, cf. abaixo.

Há versos que resumem uma vida - ou a aspiração de uma vida.

Pois

A noite, o tempo, a vida avançam: nenhum deles se repetirá, não mais esta caótica ordenação musical, esta leve melancolia, esta mistura de álcoois que insistem em terminar, não mais esta filha que dorme cansada, este trajecto que me espera para casa, este amor longe - nada nunca se repete, e nada nunca é verdadeiramente diferente. É disto que as vidas são feitas, e os dias, tal como os pesadelos, os sonhos, a esperança, as desilusões.

Later on (Para S. S.)

"Maybe I'm still hurting
I can't turn the other cheek
But you know that I still love you
It's just that I can't speak
I looked for you in everyone
And they called me on that too
I lived alone but I was only
Coming back to you".

Leonard Cohen, "Coming back To You", in Various Positions, Columbia, 465569 2

Id, subconsciente e al.

Compro uma série de livros de Stefan Zweig no aeroporto de Toulouse, porque não tinha levado nada para ler. Os títulos são:

- "Voyages";
- "La Confusion des Sentiments";
- "Ivresse de la Métamorphose".


Hilfe, Dr. Sigmund, hilfe!

Fim de noite

O Limoncino del Lago, única forma aceitável dessa horrível mistela que dá pelo nome, e pela moda, de Lemoncello, acabou. A garrafa tem, infelizmente, poucos indicadores que permitam a sua importação directa: diz apenas que foi "Prodotto e imbottigliato da: CA nº VAA00006R nello stabilimento di Saronno (VA) Italy". E diz também que os "Ingredienti [são]: infusione alcolica di scorze e foglie di limoni non trattati, zucchero, acqua." E acrescenta: "SERVIRE GHIACCIATO." 28% de volume, 50cl. Ecco, signori (isto a garrafa não diz, digo-o eu).

Tive que trocar o Bartok pela Noah, acabou-se o Limoncino del Lago, e lembro-me agora que de Saronno só conheço o Amaretto; ao jantar falou-se dos problemas da escola, cá como lá; antes do jantar a filha saltou a cavalo - bem, claro, não é sequer preciso perguntar; o tempo passa, e o tempo é feito destas coisas: momentos bons que alternam com momentos maus, passados maus que pressagiam futuros bons, músicas boas e más, solidões e menos solidões. É isto matéria para uma vida?

Acho que sim. Troca-se a Noah pelo Lamento d'Arianna, e as sílabas soam, alegres:

"Ohimé dov´è il mio ben, dov'è il mio cuore?
Chi m'asconde il mio ben e chi me'l toglie?"

Ou então:

"Non è di gentil cuore
chi non arde d'amore"


Não sei se é matéria de uma vida, mas é de certeza matéria de um fim de noite agradável e melancólico; e como a vida é um fractal...

7.10.04

Suíça, exasperante Suíça

Na Suíça, dois dos temas federais em votação a 26 de Setembro foram recusados pelo povo e pelos cantões (a dupla maioria é necessária em tudo o que seja matéria federal):
- Naturalização facilitada da segunda geração de imigrantes
- Acquisição automática da nacionalidade pelos emigrantes de terceira geração


Todos os partidos do Governo, menos um (o promotor dos referendos) eram a favor, mas este partido, a UDC, é cada vez mais forte mesmo nos cantões francófonos, e foi isso que lhe deu a vitória.

Quem me conhece sabe que tenho pelo sistema político suíço uma admiração sem limites. É um sistema que tem a irrestível vantagem de não dar aos políticos qualquer poder. Neste caso, claro, gostaríamos que eles o tivessem um pouco mais, e não tivessem que sofrer este género de derrotas.

Contudo, convém relativizar: regularmente há, neste país, iniciativas xenófobas, normalmente com pouco sucesso - a última verdadeiramente importante e vitoriosa foi em 1976, se bem me lembro; e 5 ou 6 anos depois, tinha tudo voltado ao mesmo.

No fundo, parece-me que a subida irresitível destes partidos, cujos representantes roçam, por vezes, numa patética fraqueza de espírito, são o equivalente à direita dos "altermundialistas" e outros esquerdistas. Trata-se de duas formas de resistir à mudança - ambas destinadas a fracassar, e ambas destinadas a fazer muito mal, enquanto durarem.

5.10.04

Mudança

Farto de viver num poço platónico ao qual o mundo real apenas lhe chegava sob a forma de sombras, poço em que ele era a única entidade real, centro e solitário habitante, decidiu transformar-se, isto é, transformar o mundo. Um dia encavalitou-se num tigre, ou numa tigreza, e saíu; e descobriu um universo que não conhecia, nem o conhecia. De centro de um mundo sombrio, passou a sombra de um mundo real. "A luz não existe", concluiu falaciosamente. "É um objectivo, uma ilusão como outra qualquer."

Nao é.

Futuro

O futuro vai comecar já, daqui a bocadinho, numa Londres perto de si. Não há cidade nenhuma na Europa (no mundo?) em que passado e futuro se entrelacem tão harmoniosamente, tão poderosamente, tão eficazmente.

4.10.04

Toulouse

Nas ruas estreitas e circulares, o vento sopra, felizmente. De passagem, irrequieta as poucas saias que ainda se vêem. A idade média das pessoas é de 20, 21 anos, e a dos carros também, porque estamos numa cidade universitária. Aquilo a que um amigo chama "carne arrogante" está em todo o lado, e pergunto-me se quando tínhamos esta idade elas (e eles, há que reconhecê-lo, mesmo que não seja o meu departamento) eram tão apetecíveis, tão arrogantes, justamente, na expressão de uma sexualidade que se descobre ao mesmo tempo que descobre a liberdade, a vida longe da família, o desejo satisfactível sem problemas de maior. Não sei, não me lembro.

As livrarias são enormes, desmedidas para a cidade. Chamo a atenção, particularmente, para a Ombres Blanches: levem a bolsa carregada e a agenda vazia, é daquelas de onde é mais difícil sair do que de um útero.

Com a arquitectura não fiquei particularmente entusiasmado: nem muito feia, nem muito bonita, antes pelo contrário. Com os restaurantes, a sorte foi mista: um bom, um mau, um médio/bom. Sobram as catedrais, muitas, que os Cátaros andavam perto, e a incessante animação cultural, um pouco tendente para o lado esquerdo do tabuleiro mas - a julgar pelas duas ou três exposições que vi - relativamente interessante.

Enfim: não se desviem muito do caminho para lá ir, mas tendo que o fazer o tempo não será completamente perdido. E com uma boa companhia, um calor generoso, um futuro optimista e um passado esquecido - será bom.