30.4.10

Sofrimento

O que é aterrador no sofrimento é saber-se que, por muito que se sofra, se pode sempre sofrer ainda mais. Sempre; o sofrimento é um poço sem fundo. Vendo bem, a infelicidade é um contra-senso. Quem sofre devia alegrar-se, pois podia estar a sofrer mais.

Ou melhor: porque ainda não está a sofrer mais.

Tempo - uma declaração solene

"No meu tempo" é uma expressão idiota. A partir de hoje declaro-me fora do tempo.

Tempestades cerebrais

"Irresistível" é quando é a direita. Se fosse a esquerda o post seria escrito de forma a incluir o termo "construtivo", ou coisa que o valha.

29.4.10

Serviço Público - Concerto


Galeria Arthobler-Lisboa, domingo, 16 de maio 2010 – 18.00h


Concerto
Duo Sabir Mateen / Matthew Shipp
Sabir Mateen (saxofone, flauta)
Matthew Shipp (piano)

Entrada 12 EUR

lotação limitada – aconselha-se reserva antecipada
reservas (Lerdevagar): 213 259 992


MATTHEW SHIPP/SABIR MATEEN - Sama (Not Two 817; EEC)

“Dueto entre Matt Shipp no piano e Sabir Mateen no clarinete. Este fantástico dueto foi gravado na “Roulette”, sem público, apenas os dois músicos, Steve Dalachinsky, a sua esposa, Yuko Otomo, e o engenheiro de gravação. Poeta Local & scenester, Steve escreveu notas excelentes e Yuko desenhou a capa. Ambos têm feito um bom trabalho e tanto Steve como Yuko são amigos de longa data de Matt & Sabir, portanto este é um assunto de família - tudo se liga entre si. Sabir Mateen é um multi-instrumentalista, jogador de palhetas (saxofones, flautas e clarinetes), mas neste projecto concentra-se apenas no clarinete. Isso é bom desde que ele e Matt começaram a colaborar há alguns anos e estabeleceram uma forte relação entre si. A troca de ideias e interacção flui naturalmente e é sempre espirituosa. Não me tinha apercebido até agora, mas o clarinete e o piano têm um intervalo semelhante de expressão e um som perfeito juntos. Embora este seja improvisado espontaneamente, muitas vezes soa como se os dois músicos tivessem planeado com antecedência. Admiro o modo como este duo se intercala entre o tempestivo e o melódico, calmas secções, combinando forças até alcançar um som singular. Há alguns momentos em que eles empurram-se até às margens da liberdade, mas sem nunca perder de vista a sua química. É sem dúvida um dos duetos mais espontâneos que eu ouvi!”

Bruce Lee Gallanter, Downtown Music Gallery



Sabir Mateen
Biografia

Tendo-se tornado conhecido pelas suas actuações no metro de Nova Iorque com o quarteto de free jazz Test, Sabir Mateen toca principalmente um apaixonante, contudo pleno de nuances, sax tenor, se bem que esteja igualmente confortável no sax alto, no clarinete e na flauta. Mateen é capaz dum som crú e absolutamente explosivo, mas frequentemente mostra um gradiente de ampla dinâmica e uma faceta mais subtil, inclinando-se por vezes para um free-bop melódico. Nascido em Filadélfia, Mateen fez as suas primeiras gravações na Costa Oeste, com a Pan African People’s Arkestra do pianista Horace Tapsott, em 1980. Tocou também com Sun Ra, se bem que nunca tenha integrado oficialmente o agrupamento de Ra. Em 1989, por influência do lendário baterista Sunny Murray, Mateen instala-se em Nova Iorque, e passa os anos seguintes envolvido na cena avant-gard nova-iorquina.

Em 1995, gravou Getting Away With Murder, em duo com o baterista Tom Bruno, um álbum ao vivo gravado na Grand Central Station de Nova Iorque e editado pela Eremite. Os anos seguintes viram um gradual aumento das gravações de Mateen. Ingressou no quarteto Test de Tom Bruno, com o baixista Matt Heyner e o saxofonista Daniel Carter, e ganhou notoriedade pelos concertos clandestinos que a banda deu nas estações de metro de Nova Iorque. Paralelamente, outros trabalhos que o destacaram incluem a sua participação no Raphe Malik Quartet e no One World Ensemble. Também formou o trio Tenor Rising Drums Expanding, com Daniel Carter e o baterista David Nuss, o qual gravou com a Sound @ One, a partir de 1997. Nesse mesmo ano, Mateen liderou o seu próprio trio (com o baixista John Voigt e o baterista Lawrence Cook) numa sessão para a Eremite, produzindo o muito bem recebido Divine Mad Love. No ano seguinte, fez parceria com Sunny Murray para We Are Not at the Opera; um álbum em duo da Eremite, que, entre 1998 e 1999, também lançou uma série de gravações do Test.

No final do ano 2000, surgiram mais gravações em formato de duo: Brothers Together, com o brilhante Hamid Drake, na Eremite, e Sun Xing, com Ben Karetnick, na JMZ. No princípio de 2001, Mateen liderou um quinteto que também incluiu Raphe Malik em Secrets of When, uma edição da Bleu Regard.

Nos últimos anos, Sabir Mateen multiplicou-se em concertos e gravações, em várias parcerias e agrupamentos. Em 2010, a Not Two editou Sound Gathering, que Mateen partilha com o saxofonista Norueguês Frode Gjerstad e que conta com os contributos de Steve Swell no trombone, Clif Jackson no baixo e David Gould na bateria. Também este ano, a partir de uma gravação ao vivo datada de 2008, surgiu URDLA XXX, pela RogueArt, o primeiro trabalho de Mateen editado a solo.


Matthew Shipp
Biografia

Com o seu estilo único e distinto, o pianista Matthew Shipp trabalhou e gravou intensamente durante a década de 1990, criando temas em que entrelaçou free jazz com música moderna de pendor clássico. Tornou-se conhecido, no início dos anos 90, enquanto pianista do quarteto David S. Ware e, em pouco tempo, surgiu a liderar projectos próprios – frequentemente com um seu parceiro no Ware, o baixista William Parker – e a gravar uma série de duetos com uma variedade de músicos, do lendário Roscoe Mitchell ao violinista Mat Maneri, o qual começou a surgir em gravações nos anos 90. No final dessa década, pelas suas prestações em disco e ao vivo e pelo seu constante evoluir pessoal, Shipp era já considerado como uma prolifica e respeitada voz da música criativa.

Nasceu nos anos 1960 e foi criado em Wilmington, no Delaware, pelo não surpreende que Shipp tenha crescido rodeado por gravações de jazz dos anos 50. Começou a tocar piano com a tenra idade de cinco anos e, por altura dos seus doze anos, decidiu centrar-se no jazz. Shipp tocou num Fender Rhodes em bandas de rock, enquanto que em privado devorava discos duma grande variedade de músicos de jazz. O seu primeiro mentor foi um homem de Wilmington, de nome Sunyata, o qual era entusiasta duma série de disciplinas, além da música. Mais tarde, Shipp estudou Teoria da Música e Improvisação com Robert "Boisey" Lawrey, que também foi professor de Clifford Brown, além de piano clássico e clarinete baixo. Depois de um ano na Universidade do Delaware, Shipp foi, por um curto período, aluno de Dennis Sandole, após o que frequentou o New England Conservatory of Music por dois anos.

Em 1984, Shipp instalou-se em Nova Iorque, onde em breve viria a conhecer o baixista William Parker, entre outros. Ambos encontravam-se a tocar com o saxofonista tenor Ware, em 1989. Entretanto, Shipp havia iniciado a carreira discográfica num dueto com o saxofonista alto Rob Brown, em Sonic Explorations, gravado entre Novembro de 1987 e Fevereiro de 1988. Matthew Shipp casou com a cantora Delia Scaife, em 1990. Criou então o seu próprio trio com Parker e os bateristas Whit Dickey e Susie Ibarra. Shipp foi cabeça de cartaz em concertos e gravações de editoras como a FMP, a No More, a Eremite, a Thirsty Ear, a Silkheart, entre outras.

Em 2000, Shipp foi convidado para coordenar a colecção Blue Series, da Thirsty Ear. Esta excelente colecção integrou música dele próprio, bem como gravações de William Parker, Tim Berne, Roy Campbell, Craig Taborn, Spring Heel Jack e Mat Maneri. No ano seguinte, assistiu-se à edição de Nu Bop, uma exploração pelo jazz tradicional, à qual se seguiu, em 2003, o seu contrapeso, Equilibrium. Em 2004, Shipp editou Harmony and Abyss, uma meditação sobre estruturas repetitivas melódicas e harmónicas. Em Janeiro de 2006, lançou One e Piano Vortex seguiu-se um ano depois. 4D, apresentando Shipp a solo ao piano, foi lançado no princípio de 2010.


Galeria Arthobler - Lisboa
Lx Factory
Rua Rodrigues Faria, 103
Edifício G. 03
1300-501 Lisboa - PORTUGAL
Tel. +351 965 865 186
lx@arthobler.com
4ª a Dom. - 15 às 20.00h

Amizades, amor

Tal como alguns raros e belos amores as amizades nunca morrem; desaparecem, é tudo.

Choro

Não sei que raio de carga de água vêem as mulheres nos homens que choram.

Pode alguém ser quem não é?

Chassez le naturel, il revient au galop.

27.4.10

Queixas

Queixamo-nos todos muito de Portugal, mas a verdade é que temos o país que fizemos.

Burocracia, economia e outras coisas

Ultimamente tenho estado envolvido em registos de embarcações de recreio, registos para actividades marítimo-turísticas, registos de mudanças de motores em embarcações de recreio. Isto relativamente a embarcações que começam nos 2,40 m (não é lapso: 2,40 m) e acabam nos 35' (c. de 11m, para quem não sabe; uma espécie de trotinetes). Se quiserem perceber porque está Portugal no estado em que está - e precisar de evidências concretas - pode pedir-me uma listagem cronológica dos diferentes processos. (Sabendo, claro, que isto acontece em todos os sectores da economia).

O fantástico, quanto a mim, é que as pessoas nos diferentes organismos - aqueles funcionários que Rui Tavares idolatra - conseguem fazer passar um misto de incompetência, desinteresse e impunidade (não sei se em partes iguais) por patriotismo, interesse pela res pública, zelo, etc.

A quantidade de dinheiro que gastamos em burocracia seria suficiente para reduzir o défice em 3/4. O problema, claro, é que não há fim à vista: é muito pouco provável que isto mude, tendo em conta, por exemplo, o que aconteceu com as cartas de navegação.

Há uma solução, e só uma. 

Espírito Nativo

Hoje tive o privilégio de ouvir este grupo na Ler Devagar. Utilizo o termo privilégio medindo as palavras. A jovem senhora tem uma voz à qual este programa não faz justiça. Nada faria, de qualquer forma.

Papo cheio

"Quando fores, vais de papo cheio", diz-me um amigo. "Eu não vou", respondo. Era uma queixa, um lamento, não um excesso de presunção.

Há dias em que não se perceber que é uma queixa me parece razoável.

Portugal, Brasil

O Portugal de hoje parece-se cada vez mais com o Brasil de há 30 anos. Não sei se é assim tão mau como à primeira vista pode parecer: afinal, eles acabaram por encontrar um FHC.

26.4.10

Tão diferentes, tão iguais

O outro Alberto, mai-lo Gary

P que o P

Às vezes um gajo tem vontade de mandar o país todo para a puta que o pariu; mas a verdade é que, nada sabendo da moralidade de Dona Tareja, hesita.

Iceman

"I'm your iceman, baby, ain't here to cool you down", canta o senhor Collins. Noites de blues violento, blues visceral, eléctrico, tectónico, uivante, puxado, esticado ao limite da ruptura.



"If trouble was money babe I'd swear I'd be a millionaire". Blues tensos, abdominais, reais como um dia de sol, chuva ou vento in your face. Blues da puta que os pariu, da merda de vida, da puta da miséria. Blues urgentes, penetrantes como um uivo à lua no mar das Caraíbas.

Serviços Públicos

A coluna de Rui Tavares hoje no Público (link directo não disponível) versa sobre a possível privatização dos Correios e - segundo Rui Tavares - a inevitável degradação da qualidade de serviços que se lhe seguiria. Os carteiros são, para Rui Tavares, seres afáveis, cordatos, eficazes, sempre prontos a ajudar "as senhoras do prédios à volta". E assim por diante, o ditirambo é longo e comovente.

Eu tenho imensa pena de o meu Portugal não ser o de Rui Tavares. No Portugal onde vivo - e não me referindo especificamente aos Correios, com quem tenho pouquíssimos contactos - os funcionários públicos são uma espécie de micro-ditadores (aliás Miguel Esteves Cardoso dedicou-lhes recentemente uma das suas crónicas no Público - link não disponível, também). No meu Portugal os funcionários públicos não existem para servir o público, mas sim para lhe demonstrar que eles é que mandam; para colocar obstáculos e mais obstáculos às pessoas; para transformar qualquer contacto com as autoridades numa via dolorosa. No país onde vivo, o objectivo dos funcionários públicos é tornar real aquilo que Kafka imaginou.

O dinheiro que os funcionários públicos portugueses desperdiçam, e nos fazem desperdiçar, daria para duplicar o salário mínimo nacional.

Que sorte tem o Rui Tavares em viver num Portugal diferente do meu.

25.4.10

Dor moral

Tem razão, o coitado: quis dar 200,000 euros; não foram aceites; passa pelo vexame de ter que ir a tribunal para que se determine que o deviam ter sido. Tudo isto resulta numa dor imensa. 250,000 é o mínimo.

"Domingos Névoa quer 250 mil euros de Sá Fernandes".

É desta, Bequia

"Cavaco: mar e indústrias criativas são novas oportunidades do país".

Liberdade, palermices

O grau de liberdade de uma sociedade mede-se pela quantidade de palermices que permite.

"Milhares de preservativos distribuídos durante visita do Papa".

Ouvido à mesa

"Eu sou a favor do topless, desde que haja um controle de qualidade".

Prisões

Não me sais da cabeça, mulher; e nem lá devias ter entrado. É uma prisão, a cabeça. Pior que a do corpo, ou a da pele.

Adelaide

Ai, Adelaide, Adelaide. Je ne sais pas si je dois prononcer ton nom à la française; es-tu laide, Adelaide? Ou à l'anglaise; t'ai-je couché, Adelaide? Peut-être ai-je besoin d'aide, Adelaide; besoin de toi, d'aide et de te coucher. Peut-être suis-je en-deçà de l'aide, Adelaide. Peut-être sommes-nous, tous les deux, au-delà de l'aide.

Adelaide. É um nome bonito, rico e complexo; cosmopolita, Adelaide; como tu. E eu, se um dia quisesse sair da aldeia e ir, de papo cheio, por essa morte fora, esse mundo.

24.4.10

Inês de M., et al.

Não sei o que me desgosta mais: se a esquerda antiga, enjoativa guardiã da moral pública; se a nova, descarada beneficiadora (e promotora) do vê-se-te-avias em que a vida nacional está transformada.

Retratos potenciais

A. poderia ser uma mulher bonita: bastar-lhe-ia ter querido; é feia, e agora é tarde para mudar. Compensa a fealdade com um sorriso desarmante, lindo. Devia ter sorrido mais, quando ainda lhe teria servido para alguma coisa.

Palavras, escrever

As palavras andam em bandos, como as putas ou as zebras. Tal predador, há que escolher uma,  seleccioná-la, pô-la no seu lugar. Ignorar as outras. E repetir, repetir sem fim. 

23.4.10

Neurologia do vazio

Quando morrer vou deixar os meus órgãos à ciência. Recomendo particularmente o cérebro e o fígado. Aquele, para que os cientistas aprendam alguma coisa sobre a neurologia do vazio. Este, para adquirirem noções fundamentais de generosidade orgânica.

Se?

Ainda há quem tenha dúvidas.

22.4.10

Eddie Cleanhead Vinson

Kefir

Kefir bem educado, denso, com personalidade. Não, não estou a vender o meu filho.

Gratidão, Old Money

Numa coisa devemos nós, os tesos, estar gratos ao old money: pela primeira vez em muito tempo podemos questionar os preços das coisas sem passar por tesos - melhor: se dissermos "isto é muito caro" as pessoas pensam que somos ricos.

Quelle horreur

Este post foi inicialmente pensado em português, e depois traduzido para francês. Infelizmente só o título ficou.

Calor enlatado + João Lee

Calor enlatado

Dieta

Ao fim de seis meses de dieta descobriu que preferia ser gordo. Morreu com um soberbo, honesto, limpo ataque de coração, vinte anos depois. Ou vinte dias; que importa?

PS - ou vinte minutos: que sorte.

Un cul

[Este post foi inicialmente pensado em francês, e posteriormente, é o termo, traduzido. O título ficou, coitado].

Um rabo. Um rabo redondo como a lua cheia, como o sol poente, como o oceano; um rabo redondo, duas metades de lua, duas metades de sol, duas metades de vida. Há totomilhões, eurolotos, lotarias; devia haver euro-rabos, toto-rabos, loto-rabos. Um rabo como este que acaba de me passar perante os olhos ávidos, gratos, um rabo à trela de um cão loiro. Por cima uma trança loira. Eu compro já todos os bilhetes - menos a trela (não gosto de trelas, se bem lhes compreenda a necessidade). E dispenso o rabo-de-cavalo. Um rabo, tout court, redondo como um ó, redondo como uma conta no banco, como o desejo, o simples, lhano, puro desejo. Um redondo rabo, e a vida endireita-se.

Sabores

Na Ler Devagar, um evento Comer por Ai (não há relação com o post seguinte), quarta-feira 28 às 19h00.

Sabores do Sud-Ouest francês

- Saussice rocquefort
- Saucissons
- Foie gras
- Patés diversos
- Magret de pato

Vinhos de bordeaux (tinto) e Entre-deux-mers (branco seco)

20 euros por pessoa. Inscrições, como sempre, para: experiencia@lerporai.com.

Nutricionista

Hoje fui a um nutricionista. "Gorduras animais, hidratos de carbono e álcool, muito álcool", foi o conselho que ele me deu. Era dos meus.

Oiça um bom conselho...

...eu lhe dou de graça: procura um marido. Assim encontras um namorado. Se procurares um namorado não encontras nada.

21.4.10

Evolução

Não sei se alguém já reparou, se é imaginação minha: as músicas do Youtube substituíram as citações de livros, tão comuns nos blogues aqui há uns anos (a começar pelo DV).

Adormecedor

Um despertador que, em vez de acordar as pessoas, as faz dormir; quem o inventar fará uma fortuna.

Consolo

Se tivesse a Jacqueline Bisset na cama também não conseguiria dormir.

Toumani Diabaté

Não sou muito fã de World Music. Começo por não gostar do rótulo - um dia vi, numa discoteca no Cabo, os cantores franceses (Brel, Reggiani, Montand, etc.) na secção "World Music". E depois, mais consequentemente, porque fez pela música o que Parker fez pelos vinhos: tornou-a toda igual, redonda, impossível de não ser gostada.

Este disco de Toumani Diabaté não devia estar catalogado na secção World Music de nenhuma loja de discos, fique ela onde ficar. Quando muito, "Grande Música".

República corporativa

Portugal é hoje uma república mais corporativa do que no tempo de Salazar.

Olhos

Quando olhamos para as coisas com olhos de ver confirmamos aquela magnífica frase de Morin, ouvida numa conferência que o senhor deu em Lisboa: "on voit avec notre cerveau". É por isso que é bom, olhar para as coisas com olhos de ver.

Ver é uma droga tão poderosa como tocar, saborear, ouvir.

PS - e cheirar, claro, senhora dona flor.

Matemática da vida

Chegar a meio da vida com meia vida vivida significa que se viveu um quarto de vida. Não é?

A deputada voadora

Mas alguém alguma vez duvidou que o desfecho seria este?

Bem, nem tudo é mau: podemos orgulhar-nos de ter uma deputada voadora.

Gestores e geridos

Ouvido num restaurante:

- Então, ainda és o gestor da tua empresa?
- Era, antes da crise. Agora sou gerido pela empresa.

Crucificações

Ele há crucificações e crucificações.

Piadas arrojadas

Também forçoso é reconhecer que o senhor às vezes até consegue ter piada. É um sentido de humor peculiar, mas é sentido de humor.

20.4.10

John Cale - Do not go gentle into that good night



E depis há isto, claro:

Rulote

Isto começa logo pelo título, ao qual faltam algumas letras (um "o" e um "t"); depois, o primeiro post (hoje, claro) fala de galgos, e coisas assim, pouco apelativas; o post seguinte diz mal de Alberto Gonçalves, o digno sucessor de Vasco Pulido Valente e, quanto a mim um dos melhores cronistas portugueses da actualidade.

Enfim, poupo-vos os pormenores; o blog é magnífico. Chama-se Rulote e cheguei lá já não sei como (que o prescritor me perdoe).

Foi lá que vi este video, e isto perdoa tudo e mais alguma coisa.

Vende-se

Tempo morto. Pode facilmente ser ressuscitado. Não vale muito actualmente, mas tem um potencial enorme.

Isto

Não é só a música; nem só o whisky; ou tu. É o conjunto todo. A música, a janela aberta, a chuva, a luz indecisa da noite, o cheiro estupidamente penetrante da primavera (estupidamente porque estamos uma cidade, imunes pensávamos a essas coisas das estações, coisas de campo).

Não é só nada disto. É tudo isto, a perfeição.

Song X

Ornette Coleman e esse (quase sempre) insuportável Pat Metheny. E Charlie Haden. E Jack Dejohnette. E o filho Coleman (Denardo). E é uma maravilha, uma maravilha de energia e harmonia e novidade.

"At the time of our collaboration on this project Ornette and I spent a lot of time discussing our goals for what we wanted to accomplish in it.One theme that kept coming up was to try to make a record that was unlike anything that had been done before. ..."

Verdade seja dita que o jovem (então) Denardo era fabuloso na bateria e nas percussões. Dos outros nada mais há a dizer.

Escrever, ser amado

Só se deve escrever a quem aprecia aquilo que escrevemos. No fundo, o maior erro de apreciação não é saber se gostamos ou não de alguém; ou se esse alguém vai gostar de nós. É saber se vai gostar daquilo que lhe escrevemos.

Flores, on s'en fout

As flores fanaram. Deixei-as secar. Há uma beleza nas flores secas - lembram-nos os tempos em que estavam viçosas. Viçosas é uma palavra bonita. Rima com rosas, uma das flores que está agora seca, e murcha. Não há muitas palavras que rimem com murcha, pois não? On s'en fout.

Ornette, a noite e um whisky no canto do bar dos sonhos

Ornette toca; hesita entre a angústia, a alegria, o júbilo - pergunta-se (ou nos) se devemos realmente estar ansiosos; ou, estando felizes, se o devemos estar. Nunca nada é claro em Ornette. Como a noite numa grande cidade, ou no mar com lua cheia: não sabemos bem se é noite se é quase, ou ainda. Na dúvida, vou ao bar dos sonhos beber um whisky.

Há muitas belezas no mundo: um dia de sol, um dia de chuva, um dia de vento; um corpo nu, um corpo vestido, um corpo que se pede, um corpo que se dá; o mar azul e calmo, ou cinzento e violento; a música de Hildegarde von Bingen, a de Jeanne Lee, a de Ornette, que agora toca; há quadros lindos e quadros feios que são fantásticos, como os de Bacon; há milhares de coisas e só uma: a vontade, e o talento de as partilhar.

DJ - uma irresistível tentação

Retratos potenciais

Tótó maniqueísta: um tipo para quem o mundo é constituído por tótós e por ele. 

É para isto que os pagamos?

Luminosa, literalmente luminosa

Se esta ideia pegar, dizer a uma senhora "és luminosa, Rosa" ("Rosa" para efeitos de rima, claro. Um amante de literatura apaixonado pela filha de Varga Llosa diria "és luminosa, Llosa", se a tratasse pelo apelido materno do pai. Ou "Gloriosa", se a senhora fosse do Benfica; ou "Formosa" se ela risse muito - enfim, assim por diante) vai deixar de ser um cumprimento. Mas lá que a ideia é luminosa, isso é.

"Un trottoir producteur d’électricité"

Parabéns

Israel celebra hoje o seu 62ª aniversário. Parabéns. Que haja muitos mais.


(Imagem do Insurgente).

Óbvio ululante

"Apita o comboio".

19.4.10

Amigos

Há muitas razões pelas quais trocar um amigo. Mas a maioria delas é falsa: perde-se o amigo e não se obtém nada em troca.

Frustrações

As frustrações são forças poderosas e muitas vezes incompreensíveis. Quanto mais incompreensíveis mais poderosas.

Dissonância cognitiva

Continuamos a dizer "vou dormir", quando sabemos perfeitamente que apenas vamos para a cama.

Smoke on the water

Portugal e o passado

Portugal teme o futuro e não respeita o passado. Deve haver aqui uma relação causal qualquer.

Bikutsi

Depois de uma aturada e sofrida investigação consegui deduzir que "bikutsi" é um tipo de música dos Camarões. Tem poderosos efeitos anti-crise, como se pode ver também neste video.

Mais anti-crises

Uma enorme colecção de "bikutsi anti crise":

Bikutsi anti crise

Não sei o que "Bikutsi" quer dizer, mas no video parece-me que há três poderosas bikutsi anti-crise.

Primeiro passo

Esse contrato não é o problema todo; mas é o primeiro passo para o resolver.

"Lisboa/Contentores: Ministério Público pede "anulação e nulidade" da prorrogação do contrato de concessão - APL"

Post auto-explicativo

Ele ri dos reis e dos que não são reis

Ó sombra fútil chamada gente

A propósito - Poema em Linha Recta

APL

Uma pequena delegação do Fórum Cidadania Lx foi recebida na sexta-feira por uma administradora da APL. A nota oficial está aqui.

Para a história, ficam duas ou três coisas que ouvimos: "o nosso core businesss são os contentores" (e nós que pensávamos que o core business da APL era o Porto de Lisboa); "estamos a desenvolver um plano integrado de náutica de recreio com os municípios ribeirinhos" (e nós que pensávamos que este tema devia ser tratado a nível nacional); vamos investir em duas docas de recreio - a Docapesca e... - Qual é a outra? - Não digo, acabou o tempo dedicado à Náutica de Recreio".

Isto pode parecer uma brincadeira, mas é grave. Que o país é avesso à mudança já se sabe; que se exiba essa aversão e dela se faça estandarte, sobretudo da parte de um organismo que devia estar atento às evoluções possíveis e desejáveis para o Porto de Lisboa é inadmissível.

Rosas

Très Grand Vulcain

Ainda sobre o tema das vantagens do TGV que este vulcão veio tão oportunamente demonstrar. Um dos argumentos foi que não podemos depender de um só meio de transporte, temos que ter uma escolha. "Claro. Aliás, até já temos submarinos. Agora é só ir acrescentando", alguém ripostou.

Debaixo do vulcão

Esse monumento à idiotice humana que são as sessões do Parlamento Europeu em Estraburgo vai sofrer um golpe: "Islândia/Vulcão: Deputados europeus decidem esta tarde se mantêm sessão plenária". Não é grave, claro: assim que a nuvem de cinzas passar a da irracionalidade voltará.

Ao menos com esta palermice não nos podemos queixar do que estão a fazer com o nosso dinheiro.

18.4.10

Água, amor

Quanto mais pequena é a quantidade de água que entra num barco mais difícil é encontrar-lhe a origem, e mais tempo ela dura. O mesmo se passa com o amor, suponho. 

Porto, palavras

Um porto para as palavras. Nos tempos que correm, melhor que não seja debaixo do vulcão.

Sombra

Gosto da palavra «sombra»: «sem sombra de pecado»; «a sombra dele próprio»; «sem sombra de dúvida». Talvez porque no fundo gostasse de ter uma sombra, ténue que fosse.

Laura, Vontade Indómita

Um dos meus filmes favoritos é Laura, de Otto Preminger. Este blog fala desse filme como ninguém. E de muitas outras coisas.

Loreena McKennitt - The Mystic's Dream

Verão

O verão, o doce e ardente verão está a chegar. Em breve estará quase a ir-se. Onde estaremos, então? Para onde iremos, quando ele for? Que será de nós, queimados e amolecidos? Queimados e perdidos.

Amizade, café e choucroute

Hoje li uma frase de Kant na qual ele compara a amizade ao café: pode-se reaquecê-lo, mas nunca mais terá o mesmo gosto; prefiriria a choucroute, como analogia: quanto mais se reaquece melhor fica.

Flores

As flores fanaram. Tenho de as substituir. Pena que sejam só parte da vida,  e não a vida toda.

Escolhas

As palavras e o silêncio não têm a mesma capacidade de fazer mal, de magoar. É preciso escolher entre umas e outro. O problema é que a boa escolha não é sempre a mesma. No fundo, a vida resume-se a escolher qual dos dois faz menos mal em cada ocasião.

Pequenos anúncios

Homem, 42, frágil e sensível procura mulher forte (psicologicamente, claro) para compensar as fragilidades que acompanham a sensibilidade.

TGV

"Quando centenas de pessoas acorrem a Santa Apolónia, confiantes em que o comboio é a solução de todas as suas ansiedades e problemas, a empresa pública CP recebe-os ... com 1 bilheteira aberta."

Este post é delicioso porque ainda hoje estive a falar com uma pessoa que defende o TGV e acha que a história do vulcão é um sólido argumento a favor. Parece-me óbvio que não é, e não seria mesmo que a CP fosse privada e funcionasse correctamente: não se pode esperar capacidade instalada para casos de excepção como este (ou então seria o delírio total).

Mas com a CP que temos deixa de ser delirante, e passa ao confrangedor.

S/V "SANTA MARIA MANUELA"

"Quem, afinal?"

O exercício é útil e meritório. Devia era ser completado com a lista dos cronistas, jornalistas e jornais que "têm como traço distintivo a defesa cerrada, em maior ou menor grau de aquiescência, das políticas do PS e da pessoa de José Sócrates".

E depois podíamos entrar numa ERCiana e perguntarmo-nos o que vale mais - se uma primeira no DN se a crónica de Vasco Graça Moura no mesmo jornal.

Adenda: a crer no Eduardo Pitta, a lista é realmente maior do "nosso" lado da barricada. Não tenho uma visão suficientemente sinóptica da imprensa para argumentar com nomes. Em termos de suportes parece-me que a lista é favorável ao PS e ao Primeiro-Ministro: Público e Jornal de Negócios versus RTP, TSF, DN, Diário Económico. Mas o universo é reduzido, admito.

[Ao ver as duas listas que o Eduardo propõe, não consegui impedir-me de pensar que os melhores estão do nosso lado. Porque será?]

Raiva e panos pretos

Convidaram-me para uma "Causa" no Facebook: panos pretos à janela para manifestar  repúdio pelo crimes da Igreja. "Ignorei", para usar o termo do facecoiso. Eu não sou católico, nem praticante; mas ontem perguntava-me porque se manifestam contra a Igreja e não se manifestaram noutros casos. Porquê tanta raiva, tanta energia, contra a Igreja; e nenhuma contra políticos, médicos, apresentadores de televisão? Que fariam, se Polanski fosse padre - punham tecidos às riscas?

Mais, e infinitamente melhor (como sempre), aqui.

17.4.10

Equivalências

"Contigo sou eu própria". Não sei quantos "amo-te", quantas juras e promessas de amor eterno são precisos para equivaler esta frase simples, dita uma vez.

Pequenos anúncios

Homem, 48, pobre, doente e feio procura mulher jovem, bela, rica e de saúde para juntos explorarem a magnífica diversidade da vida.

16.4.10

Manso

Parece que Sócrates chamou "manso" à tia de Louçã. Melhor seria o tivesse chamado ao pai.

Terror

Quem acredita que o passado é que foi bom deve viver um terror permanente: "será que o futuro vai ser ainda pior do que o presente?"

Tristeza - III

Como uma fera cujo domador fosse a tristeza; um leão de circo numa arena que não percebe.

Tristeza - II

A tristeza é uma espécie de vertigem, voraz e autofágica que, ao mais pequeno sinal de encontrar algo que lhe ponha fim se mostra como um pavão a cauda. 

Tristeza

A tristeza é o meio mais eficaz para nos afastar de quem desejamos.

Por falar nisso

Alguém sabe daquela história da deputada por Lisboa que vive em Paris e precisa de ir mudar as fraldas aos meninos aos sábados e acha que nós lhe devemos pagar as viagens (em executiva, claro, que malta daquele nível não anda com o gado)? 

15.4.10

Aprendizagens

Aprende-se a estar triste como a não ter dinheiro, ou a estar sozinho. Custa um bocadinho mais, só.

Biologia

A biologia foi caridosa com ela: só morreu quando tinha, finalmente, onde cair morta.

13.4.10

Uma pequena chamada de atenção

Às nossas empresas de calçado que se querem internacionalizar. Enfim, não sejamos restritivos: às nossas empresas que se querem internacionalizar.

12.4.10

Mistérios

O maior mistério do nosso tempo, aquele que quanto a mim vai definir o séc. XX, é perceber porque são os tempos mais receptivos aos crimes do comunismo do que aos do nazismo. Aceitam-se sugestões.

Patti Smith, dedicada

Espelho



Post com dedicatória.

Diário de bordo

Não sei se já aqui contei a história: há anos tinha eu uma empresa de aluguer de embarcações de vela. Decidi, por piada e para dar um ar "de marinheiro", começar a seguir à linha as velhas superstições do mar (pelo menos do mar francês): não dizer nunca, em circunstância alguma, a palavra "coelho" a bordo; não aceitar plantas nem flores; não sair [de um porto] a uma sexta-feira; pôr uma moeda debaixo do mastro quando se arvora a embarcação.

Eu levava aquilo na brincadeira, e explicava aos clientes as origens de cada uma das superstições: "coelho" porque os roedores tinham o mau hábito de roer os cascos dos navios quando eles eram em madeira e eram terminantemente proibidos a bordo; as flores, porque consumiam água doce, o bem mais precioso no mar; sair à sexta-feira porque antigamente os marinheiros eram pagos à sexta-feira, e encontrar um a bordo em estado de servir era impossível.

Há muitas expressões também, claro: "arrondir son couteau" = encontrou um embarque (os capitães partiam as pontas das facas dos marinheiros que embarcavam, para evitar ferimentos); "casser la pipe" = morrer: partia-se o cachimbo de um marinheiro que morria, antes de se o deitar ao mar. E assim por diante.

Um dia apercebi-me que estava a levar a brincadeira longe de mais. Foi em La Rochelle, na Primavera, na marina de Minimes. Nao sei se alguém faz ideia do que são os Minimes na Primavera. Havia na altura seis travel-lifts e não paravam um minuto durante o dia. Eram às centenas os barcos que subiam, desciam, precisavam de ser tirados de um sítio e postos noutro. Eu tinha acabado de arvorar o "Don Vivo", a coisa mais linda na qual me foi dado navegar; e apercebi-me de que tinha esquecido a moeda debaixo do mastro. Fui a correr atrás do senhor que me tinha posto o mastro no sítio, salvo seja, e perguntei-lhe se ele mo podia levantar outra vez; e, pensando que assim justificava o pedido, acrescentei "esqueci-me de pôr a moeda".

O homem veio levantar o mastro. Mas se algum dia eu tiver a sorte de fazer um filme o olhar que ele me deitou será o modelo para um olhar de ódio. Ódio puro, simples, profundo, intuitivo. Se eu conseguir fazer um actor reproduzir aquele olhar terei conseguido o filme, qualquer que ele seja.

Nesse dia decidi que tinha ido longe de mais; e deixei de contar as histórias das superstições marítimas.

PS - há uma que mantenho. Ainda hoje me custa - se bem aceite e compreenda, claro; e mais: agradeça - que me desejem "boa sorte" ou "boa viagem". Não se deseja boa viagem nem boa sorte a um marinheiro. Diz-se (em francês no texto) "Merda"; e "break a leg" em inglês. (No teatro também: as pessoas que os teatros contratavam para manejar os cenários eram marinheiros, habituados a lidar com cabos).

PPS - "porquê?", oiço os sussurros na plateia. Porque no mar nada corre como queremos, e se alguém quiser que eu parta uma perna de certeza tudo correrá pelo melhor.

Fecundação

Por vezes gostava de ler Pedro Arroja, e li-o até me aperceber de que não passa de uma pequenota fraude. Uma fraude rasca, que só tem audiência num país alheio ao debate de ideias, no qual o debate público é baseado na provocação; e "o canudo" é invocado como argumento por quem provoca e aceite por quem ouve. Não me parece que se possa perder muito tempo com o senhor. Confrontar aquilo que ele diz com a realidade, quantificar, seria como pôr um castelo de cartas no meio de uma ventania.

Isto a propósito deste monte de baba intelectual, ao qual cheguei, entre outros, via o Meditação e o Provas de Contacto.

O método consiste em pegar em premissas das quais algumas são verdadeiras e outras não; imaginar qual o ângulo que vai causar mais uivos na plateia de meninas e meninos sempre prontos para se escandalizarem, coitados - não ler não lhes ocorre; e, pior, escandalizam-se a maioria das vezes pelas razões erradas - ; acrescentar duas ou três proposições que são, tal como as premissas, ora falsas ora verdadeiras; malaxar, amalgamar as premissas com as proposições e os condimentos encontrados na segunda fase; babar um bocadinho ao prever o coro que por aí virá; e servir. É pouco, por interessante que ao princípio possa parecer.

Às vezes daquelas mastigações sai uma conclusão verdadeira - ou falsificável, que acho preferível -; mas como vem envolta na baba da auto-satisfação e da provocação as pessoas tendem a ver o continente e não o conteúdo. O que ainda enche de mais satisfação o senhor, claro.

PS - apresso-me a esclarecer que não tenho nada, muito antes pelo contrário, contra a provocação; desde que seja um meio, e não o fim.

11.4.10

Desafio - III

O primeiro grupo
(Aveiro
Beira*
Caracas (enfim, La Guaira)
Kinshasa
La Chaux-de-Fonds
Nairobi*
Porto*)

pode eliminar-se sem dificuldade. Quando muito seria interessante escolher a pior cidade do mundo (do meu mundo, repito): Kinshasa ou Nairobi? A resposta seria, sem hesitar, Nairobi primeiro logo seguida de Kin, para os íntimos. La Chaux-de-Fonds é feia e odiei lá viver, mas ainda tem alguns charmes - bem expressos de resto no slogan "a cidade que escolheu viver no campo". As outras forma-me mais ou menos indiferentes. Ainda me lembro que quando fui viver para Aveiro um amigo me disse "Luís, não é assim tão mau, só está a 250 quilómetros de Lisboa" (não seriam talvez 250, mas isso é, e era, irrelevante).

Já o segundo grupo
(Barcelona
Bern
Bujumbura
Dunkerque
Düsseldorf
Funchal
Genève
Johannesburg
Kindu
Lubumbashi
Lüderitz*
Marseille
Milão*
Quelimane (acho que se qualifica como cidade)
Salvador
Tuapse
Zürich)

tem um interesse lateral: que perspectiva adoptar - a autocêntrica, pela qual escolheria a cidade na qual vivi as coisas mais intensas, ou belas (Lubum, Buja, Kindu, Lüderitz, Dunkerque, Barcelona, por exemplo, a lista não é exaustiva); ou uma perspectiva exocêntrica, e escolher a cidade pela sua beleza intrínseca (Milão, Marselha, Jo'burg - sim, eu sei. Mas eu acho-a bonita -, Zürich)? Questão interessante, mas que por agora se põe de molho. Fica para depois. Aliás até pensei em fazer uma tabela, coisa que felizmente não me sairá da cabeça; ou sair-me-á, mas não para aqui.

Fica o terceiro grupo:
(Berlin
Bukavu*
Cape Town
Gibraltar
La Rochelle
Londres
Lourenço Marques / Maputo
Paris
Rio de Janeiro
Veneza*
Lisboa, claro)

Bukavu é das cidades mais lindas que até hoje vi; mas gostaria de lá viver? Não. A resposta é menos óbvia, mas muito pouco menos óbvia, quanto a Cape Town - ainda hoje acho que um dos grandes erros da minha vida foi não ter ficado quando se podia ainda lá viver, em 78. Voltei ao Cabo em 98, vinte anos depois. O fascínio mantinha-se, mas viver lá era impossível. E sê-lo-á cada vez mais. Assunto arrumado.

Critério esse que nos ajudará a eliminar mais umas quantas: Maputo, Rio de Janeiro, Veneza, La Rochelle, Gibraltar: cidades lindas - ou apaixonante, no caso de Gibraltar, que não é muito bonita mas é mágica - nas quais vivi vidas (não é um jogo de palavras) mas nas quais não voltaria a viver. As razões são diferentes, é certo; mas o mesmo o resultado.

Ou seja, ficamos com Londres, Paris, Berlim e Lisboa (claro).

Acho que isto vai ter mais uma fase ou duas.

PS - Seria interessante listar as cidades que não entraram na lista: Toulouse, Madrid, Florença, Ancona, Verona, Amsterdam, la Coruña, as cidades todas do sul de França (St. Trop, Nice, Sète) e de Espanha (Cartagena, Almeria, Valencia), New Orleans, Mobile, Balboa, Manila et al, só para ver o que dava? Creio que não.

Everything was illuminated

Everything was illuminated até eu ter chegado ao Jonas, e aquilo estar a fechar. O mesmo com o Azimute. E no Salamandra não haver Burritos. Everything was illuminated no meu espírito até o real achar que devia redefinir "everything". Ou "espírito", vá saber-se.

Misturas, confusões

Se se pegar num frasco cheio de uma mistura de azeite e água e se se o agitar vigorosamente os dois líquidos confundem-se; mas não se misturam. Já o resultado será diferente se no frasco estiverem, por exemplo, água e café: não só se confundem como também se misturam. Se procurarmos bem encontraremos decerto no universo matérias que se misturam, mas não se confundem.

A tristeza e a alegria; o optimismo e a melancolia; a felicidade e o cepticismo; por exemplo. Podemos pegar noutros pares de coisas: os seios e as mãos; os olhos e os olhares; os nossos ventres, um no outro; a luz, nas pedras brancas e sujas de Lisboa; a água e o rio, o mar e a vida. E dizermo-nos que se misturam, mas não se confundem.

Sol

Em dias destes sou uma piscina para o sol; como se o sentisse nadar dentro de mim.

Castigos e recompensa

Ontem ouvi um bocadinho do Congresso do PSD na televisão. Devo dizer que depois de ouvir aquilo a minha atitude face à corrupção, ao nepotismo, aos jobs for the boys mudou radicalmente. Quem se sujeita a xaropadas daquelas por um lugar na administração pública precisa, naturalmente, de ser recompensado. A dúvida que mantenho é se merece, mas isso é outra história.

Greve na CP

Os revisores da CP iniciam hoje uma greve. Lutam pela extensão da rede ferroviária, melhoramento do serviço prestado aos passageiros, meios para captar passageiros pendulares. Como se pode ver aqui.

10.4.10

União

"PSD/Congresso: Sarmento não discursa para PS não pensar que tem "algum aliado" social democrata".

"Era uma casa / muito engraçada"

Dúvida

Em caso de dúvida Bartok tem a resposta.

Táxis, ilusões de óptica, metamorfoses

A circular por Lisboa a toda a velocidade, num táxi voador. "Voa, táxi, galopa mais, desce às camadas da cidade sem fundo, para onde tendem as solidões". "Oh, mãe, quando é que me ensinas a comer com pauzinhos?" O miúdo pergunta mas a mãe não tem coragem para lhe dizer "eu também não sei, filho" e balbucia qualquer coisa mais ou menos ininteligível do género "mas aqui é difícil, filho". Não percebi bem, e pouco me importa. O miúdo é gordo, obeso, mas apesar disso a mãe deixa-o comer profiterolles à sobremesa. Estou febril, com fome, com vontade de rir do que me aconteceu hoje. Disse ao táxi "ande por todas as ruas que conhece cujo nome começa por P", mas ele pensou que eu estava a gozar ou bêbedo. Perguntei-lhe "quer que eu lhe pague 20 euros adiantados?" "Sim", claro. Eu paguei, e quando chegámos à rua do Patrocínio disse-lhe "fico aqui, se faz favor" e como o taxímetro só indicava quatro euros e cinquenta cêntimos ele perguntou-me se eu queria o troco. Eu disse-lhe "guarde o troco, senhor chauffeur, guarde o troco", assim mesmo com o chauffeur em itálico, espero que o homem tenha percebido.

O restaurante é muito bom, kitsch como todos os restaurantes chineses devem ser, até tem uma árvore lá dentro, de plástico, claro, ou borracha ou o raio que a parta mas come-se bem, realmente bem.

A senhora fala com o filho que terá para aí oito anos, talvez nove (com os gordos nunca se sabe) como se ele fosse um adulto atrasado mental com quem ele deve fazer cerimónia. Não é de estranhar que o puto seja obeso. Eu não: sou gordo, mas é uma gordura sã, daquelas que nos mandam desta para melhor num ápice, se Deus quiser. O que me impressiona cada vez que vou a um restaurante chinês em Lisboa é as pessoas não saberem comer com pauzinhos. Não há uma única mesa, uma só que seja, a comer com pauzinhos. E com uma tigela em vez de prato então ainda há menos.

"Voa, táxi, voa depressa". O Mei Kwei Lu é servido nos copos apropriados, pequenos e com uma senhora nua no fundo, que só se vê quando o copo está cheio. Continuo a circular no táxi, "quero um táxi de várias cores, quero que ande depressa porque vou partir para prados cheios de flores e só um táxi de várias cores pode servir". De repente parece-me ver Z. entrar. É possível que seja ela, mora ali perto. Como seria, se lhe encontrasse o marido e lhe dissesse "não percas a tua mulher, porque pessoas como ela não há muitas nos perdidos e achados"?

Estou a 200 à hora em Lisboa, mas afinal não era a Z., nem a A. nem a B. nem o alfabeto inteiro. Era uma ilusão de óptica com duas pernas feias e uma cara bonita. Contrariamente a Z., cuja cara só era bonita quando se a via por dentro (também de passagem seja dito, são as únicas que interessam). Continuo no táxi; agora recitamos os dois, o chauffeur e eu, o poema de Reinaldo Ferreira:

Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sózinho
Sem um cavalo de várias cores?


Ele sabe-os todos de cor. Acelera, faz as curvas com os pneus a guinchar, passa sinais encarnados ou, pelo contrário, fica neles parado tempos sem fim.

Mínimo sou, começa,
mas quando ao nada empresto, continuo;
os dois: a minha elementar realidade
num grito, em uníssono o nada é só o resto.

Os outros condutores olham para nós: estamos num semáforo há pelo menos duas mudanças de luz; ninguém ousa buzinar. A cidade cala-se. Arrancamos. A noite é propícia a ilusões de óptica. "Devíamos esperar pelo dia".

Juro que foi isto que ouvi: "devíamos esperar pelo dia" (este texto é o relatório hiper-realista do que me aconteceu hoje entre as nove da noite e a meia-noite; não iria mentir). Mas a voz tinha mudado, e o condutor do táxi também. Agora já não era um chauffeur, mas uma chauffeur. Uma mulher. Que me dizia "devíamos esperar pelo dia" com uma voz grave; ou melhor: rouca. Mais rouca do que grave.

Sou muito sensível à voz das mulheres; e as vozes roucas atraem-me de uma forma dificilmente explicável. Havia uma, antigamente, que dava aulas de português na Internet. Nunca lhe vi a cara, mas ouvi-lhe a voz, muitas vezes. Era especialista em português e em música bantu; e criava (ainda cria; não morreu, graças a Deus) caracóis. Tinha uma voz extraordinária, mágica, grave e rouca. Há muito tempo que não a oiço, essa voz. Pelo que hoje, quando o condutor se metamorfoseou em condutora e me disse, com uma voz quase, quase igual "devíamos esperar pelo dia" eu pensei "claro". São vozes que nos impedem de pensar, notem: vão directamente à parte irracional de cada um de nós (não é irracional, é tectónica).

De maneira quando a senhora me disse aquilo eu pensei "claro" e disse "sim". E logo a seguir: "deixe-me descer, por favor". Mas já era tarde.

Os bois pelos nomes

Há pouco tempo tive um casal de amigos ingleses em Lisboa. A certa altura ele perguntou-me, um pouco a medo, porque havia tantos prédios em ruínas na cidade. Eu dei-lhe a resposta habitual: por causa da lei das rendas, etc.. Não é verdade, claro. Há prédios em ruínas, como há lixo e buracos nas ruas porque os portugueses não se importam de viver nesses ambientes.

Depois não digam que não se sabia, etc.

"The man playing South Africa's death card"

Memória, monstro

A memória é um monstro que come todos os dias, mas só se alimenta de vez em quando.

9.4.10

Kefir

Todos os dias bebo uma caneca grande de kefir, um kefir espesso, muito saboroso, amargo. Já não sei a que propósito isto me ocorreu. Provavelmente por causa da Ingrid, a alemã que pela primeira vez me deu kefir a provar. Foi há muitos anos.

Hoje via-de novo, acreditem ou não. Estava com o marido no Martinho da Arcada. Ingrid é violonista, toca numa grande orquestra suíça, ou francesa. Ela disse-me qual, mas eu não me lembro. O marido é grande, parece um urso. É escritor, ou poeta, qualquer coisa no género.Chama-se Joseph; é muito doce quando fala, muito tímido, retraído. O contrário do que parece. Estavam no Martinho por causa de Pessoa, claro. Tenho que reconhecer que gosto imenso de Pessoa, mas estou ligeiramente farto dele; um bocadinho, só.

Pois Ingrid estava no Martinho da Arcada com o marido. Fui eu que a reconheci: quando nos conhecemos eu tinha uma barba muito grande e era magro. O namorado dela era psicólogo. Só há dias, por intermédio da S. soube que ele tinha ficado muito triste com a aventura que tivemos em Cabo Verde, quando eles estavam de férias e eu à espera de uma peça para o motor do barco onde na altura trabalhava. Pensava que ele não sabia de nada. Há coisas que são difíceis de esconder, suponho. E é uma coincidência: há três semanas estava com a S., com quem fui casado todos aqueles anos; estávamos em casa de uma cantora de ópera e eu falei em Ingrid, que é bastante conhecida (nunca falei a S. dos meus casos, apesar de ela os conhecer todos). Foi então que me disse "o D. ficou muito triste com a vossa história em Cabo Verde". Eu fiquei com pena do D. claro. Mas agora é tarde para fazer o que quer que seja. Ele foi trabalhar para a CARE e casou-se com uma senegalesa muito feia. Nunca mais o vi, soube isto porque conheci um tipo da CARE que trabalhara com ele não sei onde.

Hoje vi Ingrid e o marido, que estão em Lisboa de férias. Há muitos anos estive com ela 15 dias em Cabo Verde, e depois disso duas ou três vezes nas montanhas, onde ela vivia. A última vez que fizemos amor ela tocou para mim; uma improvisação muito lenta, lancinante, linda. Ingrid tinha uns cabelos longos, loiros. Tocava nua, com os cabelos pelas costas. Os seios mexiam-se devagarinho, a acompanhar o movimento dos braços e do corpo. Era muito emotiva, vulcânica.

Eu fui-me embora nesse dia, de manhã. Disse-lhe "não nos podemos voltar a ver". Ela perguntou-me "porquê?" "Porque se nos virmos de novo começará a ser adultério". "Até agora não foi?" "Não". Deu-me um bocado de kefir e pediu-me para tomar conta dele, acontecesse o que acontecesse.

Não consegui, claro: foi há muitos anos, muitas vidas. Mas volto sempre a ter kefir, sempre. Amanhã vou ao hotel onde eles estão e vou deixar-lhe um frasco. Na recepção; não a quero voltar a ver. É bom, saboroso, espesso; muito amargo.

Hildegarde - II

Se o silêncio fosse música.

Hildegarde

Às vezes pergunto-me o que aconteceria se as pessoas escavassem muito dentro de si próprias. Provavelmente a esmagadora maioria chegaria a Hildegarde Von Bingen. Não tem nada a ver com inconscientes colectivos, ou raízes colectivas, ou denominadores comuns. Tem a ver com humanidade. Da mesma forma que todos os homens têm duas pernas, dois braços e dois olhos todos temos uma Hildegarde von Bingen dentro de nós.

Não sei como explicar isto. Cada vez que a oiço - e agora só tenho um disco dela, mas já tive vários - parece-me que os cânticos não se dirigem a Deus, mas a si própria; Deus é um pretexto. Cantar para dentro: não porque Deus esteja no interior de cada um, mas porque o âmago de cada um é um mundo com o qual só se pode comunicar desta forma: com tempo, lentidão, sopro, mistério.

Hildegarde von Bingen é a música ideal para os Mistérios, de Hamsun, por exemplo: ambos lidam com os tréfonds (o dicionário online dá-me "profundidades". Não sei. Não me chega).

Ouvem-se estes canto sublimes e apercebemo-nos de que nada do que façamos é relevante; tudo se dilui no sublime do mundo infinito que há em nós. Um mundo do qual nós somos muito, infinitamente menos do que a ponta do iceberg. Um mundo que Hildegarde nos mostra, cuja existência nos dá a conhecer, hoje como há mil anos.

Excessos, resistência

Ainda há meia dúzia de semanas, como digo num post ali em baixo escrito talvez o ano passado, resistia muito bem aos excessos. Hoje não: já não tenho resistência. Nem excessos, apresso-me a esclarecer os leitores ou, sobretudo, uma eventual leitora que tenha mais interesse no assunto.

Quando muito, uns mini-excessos; uns arremedos de excesso; uns excessos de trazer por casa. Se participassem numas olimpíadas de excessos não seriam sequer qualificados.

PS - o que não deixa de ser um bocadinho aborrecido. É como ir à missa e não poder comungar.

Segunda fase

Grupo I

  • Aveiro
  • Beira*
  • Caracas (enfim, La Guaira)
  • Kinshasa
  • La Chaux-de-Fonds
  • Nairobi*
  • Porto*


Grupo II

  • Barcelona
  • Bern
  • Bujumbura
  • Dunkerque
  • Düsseldorf
  • Funchal
  • Genève
  • Johannesburg
  • Kindu
  • Lubumbashi
  • Lüderitz*
  • Marseille
  • Milão*
  • Quelimane (acho que se qualifica como cidade)
  • Salvador
  • Tuapse
  • Zürich


Grupo III

  • Berlin
  • Bukavu*
  • Cape Town
  • Gibraltar
  • La Rochelle
  • Londres
  • Lourenço Marques / Maputo
  • Paris
  • Rio de Janeiro
  • Veneza*
  • Lisboa, claro

Milagre

Multiplico whiskies mais depressa do que Jesus pão e vinho. Mas dava-me jeito que Ele fizesse um pequeno milagre e me desse a resistência de há meia dúzia de semanas.

8.4.10

Mudez, abençoada

Frank Zappa entra-me pelas orelhas a plenos pulmões; tu entras-me a plenos poros. Prefiro-te: a pele é muda, e surda.

Saber,

...não sei; mas a utilidade de saber é-me obscura. Muda pouco, e o pouco que muda é irrelevante. Não sei; se um dia te parecer que sei, estás enganada. Ou eu.

Livro de horas brancas

Ando há anos a dizer que não passo de um livro de horas com as páginas em branco. E: as horas que não foram brancas foram negras.

Depois penso em ti; e nas horas, essa luz.

Lixo

Não sei se já vos disse: em casa tenho flores; Frank Zappa grita a plenos pulmões (da aparelhagem, claro); em breve as flores estarão boas para o lixo. Eu estou há muito tempo, mas não há quem me deite para lá.

Meta-beleza

Se isto tivesse acontecido teria sido mais ou menos assim. É um grande se.

Um pequeno bar de jazz; estou sentado na mesa do patrão, à esquerda quando se entra. Cortesia do dito. Passo duas etapas. A miúda era linda.

Há dois tipos de miúdas lindas, não sei se já viram: umas dizem "eu sou linda". Outras "eu estou a dizer-te que sou linda". São estas as mais interessantes. "Eu estou a dizer-te que". Um dia fui remar no lago Léman com uma dessas. Isto é: ela remava; eu ia ao leme e olhava para ela. Território proibido. Ela sabia: território proibido; e "eu sou linda e quero que tu saibas que o sei". Foi uma manhã dolorosa. Bonita, mas dolorosa. Ela ganhou: não transgredi. Excepto mais tarde; ela disse-me: "gosto de homens que me sabem ler". E eu respondi "gosto de mulheres que se sabem escrever".

Hoje não. Eu estava no canto do bar e ela entrou. Nem me viu, claro. Era linda. A mensagem que transmitia a quem via era: "eu sou linda e estou a dizer-vos que sei que sou linda".

Entretanto a banda começou a tocar. Foi a coisa mais fascinante que ouvi nos últimos tempos. Imaginem duas guitarras (uma solo, ou ritmo ou o que quer que seja, a outra baixo), e uma bateria. O baixo tocava como se fosse ritmo; o ritmo como se fosse Frank Zappa; e o baterista tinha a suprema qualidade de um baterista: não se ouvia, e quando se ouvia era excelente, sublime. A verdade é que entrei para beber um whisky na brasa e não foi bem assim. E depois ela entrou (só a vi enquanto ela passou: tinha o olhar vago, coisa para a qual não sei olhar). Vinte anos. Alta, magra, cabelos morenos longos, olhos verdes; metade da barriga à mostra. Normalmente isto não chegaria para a qualificar. Linda.

Ora bem: de um lado temos uma banda na qual o baixista toca como se fosse um ritmo; o baterista só se ouve quando tem que se ouvir, o que é raro; e o solo toca como se fosse Zappa (isto é um exagero grosseiro, mas pouco importa). Do outro um bar cheio, uma miúda linda e uma gaja feia que não pára de olhar para mim, mesmo quando beija o senhor que está com ela (o que acontece com uma certa frequência, de passagem seja dito).

É desagradável. A senhora é feia, mas não deve ser burra; tem um olhar inteligente, vivo.

II
Não era de nada disto que queria falar quando comecei.

III
Recomecemos. Meta-beleza: era disto. Beleza é a que se dá a ver, ou a que se deixa ver?

IV
Não. A miúda é linda. De Frank Zappa não conhece nem a letra "F". Não sabe o que é um meta-discurso. Abençoada seja.

V
Prefiro a beleza que se sabe à beleza que se oferece.

VI
A beleza deve saber-se. Se não, não sabe a beleza.

VII
Hú um dever na beleza. Um dever de reserva? Não: de auto-consciência.

7.4.10

Desafio

Omito os adjectivos do título: são muitos os possíveis - interessante, apaixonante, irrecusável. Vai demorar um bocadinho, provavelmente. Mas vou participar.

Por fases. Primeira fase :

Genève
La Chaux-de-Fonds
Zürich
Bern
Londres
Paris
La Rochelle
Marseille
Dunkerque
Düsseldorf
Berlin
Veneza*
Milão*
Barcelona
Gibraltar
Rio de Janeiro
Salvador
Bujumbura
Lourenço Marques / Maputo
Beira*
Quelimane (acho que se qualifica como cidade)
Kinshasa
Lubumbashi
Kindu
Bukavu*
Lüderitz*
Cape Town
Johannesburg
Nairobi*
Nakhodka
Tuapse
Caracas (enfim, La Guaira)
Porto*
Aveiro
Funchal
Lisboa, claro

Os critérios para a pré-selecção foram a) estadias profissionais (excepto Veneza e Milão, mas acho justificável incluí-las); b) mais de quatro semanas de estadias ou estadia mais curta mas particularmente intensa (assinaladas com *). Agora há que marinar em memória, um dia ou dois.

6.4.10

Apagar

No fundo, escrever consiste em apagar palavras.

Mistérios

Gostamos das pessoas enquanto as consideramos excêntricas, ou originais, ou diferentes; e deixamos de gostar delas quando descobrimos que são apenas tolas.

Cidade, calma

São duas da manhã; a cidade está calma, como nunca a vi. Inquieto-me: estará tudo bem?

Carris

Os autocarros da Carris devem ser a dependência do Júlio de Matos onde os doentes que se julgam Fittipaldi são acolhidos.

(Forçoso e honesto é reconhecer que os casos não são tão graves como os do Porto.)

Escrever

É como ter azar com um filho: fazê-lo é bom, o resultado lastimável.

Borderline

As palavras devem andar sempre no limite. Se não, não passam de putas.

Cidade

Era tão difícil, e útil, tirá-lo da cidade como tirar uma pedra de gelo já dissolvida de um whisky.

Dinheiro, ou falta dele

A única vantagem da falta de dinheiro é que nos mostra que somos muito mais fortes do que aquilo que pensamos. No fundo, a falta de dinheiro devia reforçar a auto-estima.

Escrever

Escrever é um prazer contraditório: quanto menos palavras se usarem para exprimir uma ideia, melhor.

Mau

Hoje fui ver um filme sobre Nikias Skapinakis. Era tão mau que passei o filme todo a pensar "isto é tão mau que podia ter sido escrito por mim", e resolvi apagar o blog. Depois decidi que não: só aqui vem quem quer e, ao contrário do filme, a visita pode ser rápida. Mas estou seriamente a pensar tirá-lo do Networkedblogs. Logo se verá (quando encontrar a maneira, não está fácil).

O filme era péssimo: longo, pesado, oco (o vazio às vezes - quase sempre - é pesado), pedante, déjà vu; a dicção péssima; toda a gente bateu muitas palmas e gostou muito: com excepção do primeiro e do último qualificativos, exactamente o que penso do do Don Vivo.

Faltas

Problemas da evolução

É mais fácil escolher entre dois prazeres do que entre dois sofrimentos (ou mais, claro: as dores raramente andam aos pares); ora devia ser exactamente ao contrário: definir (e optar, claro) pela dor menor devia ser mais rápido, mais evidente, mais fluido do que definir o prazer maior.

A ler

"Um partido que acredita que Meneses pode ser primeiro-ministro merece o que lhe aconteceu". A totalidade do texto está aqui, e deve ser lida de fio a pavio.

PS - uma pequena nota para as pessoas que dizem - com razão - que Pacheco Pereira não escreve muito bem, e diziam - igualmente podres de razão - que Manuela Ferreira Leite não sabia falar. Temos a sorte, o privilégio, o orgulho de ter um primeiro-ministro que sabe discursar. O resultado está à vista. Há pessoas que preferem o poder encantatório das palavras aos factos; merecem a sorte que têm (o que me admira é que haja pessoas cultas e inteligentes entre os defensores deste poderoso argumento: "prefiro um mau primeiro-ministro que sabe falar a um bom que não sabe"). Também os havia, igualmente cultos e inteligentes, que diziam que Ferreira Leite não servia para primeiro-ministro porque era feia. Deviam pensar que o PM serve para dormir com os portugueses. Gostam de ser embalados, sem dúvida.

Uma analogia, sem dúvida

Os 700 metros até ao Rato são muito mais "curtos" do que os mesmos 700 metros noutro sítio. Talvez porque no primeiro caso são a direito, lógicos; e no segundo às curvas, fragmentados. Não há nunca mais de 100 metros seguidos na mesma direcção.

Ideais, idealistas

Admiro muito as pessoas que têm ideais; mas admiro ainda mais quem os teve e os perdeu. É preciso mais coragem do que para não ter tido, ou para continuar a tê-los. E, sobretudo, muito mais honestidade.

A semântica do calão

Há uma diferença muito grande, apesar de semanticamente serem parecidas, entre "vergar a mola" e "dobrar a espinha". Eu vergo muito a mola, mas dobro pouco a espinha. Handicap que, sem dúvida, explica algumas coisas; mas justifica-as todas.

5.4.10

Insónia, de novo

A insónia é a forma que o corpo encontra de se vingar por estar sozinho. Ou se sentir sozinho: uma insónia partilhada não é insónia, é uma alegria.

Redifusões

Não por estar sem nada para dizer que faço estas redifusões: nunca tive nada para dizer. Gosto de ver o que ainda é; o que já foi não me interessa.

Redifusão - 9

"Cada vez me interesso menos, mas em algumas áreas abro excepções.

The Keys to Your Heart

You are attracted to those who are unbridled, untrammeled, and free.
In love, you feel the most alive when your lover is creative and never lets you feel bored.
You'd like to your lover to think you are optimistic and happy.
You would be forced to break up with someone who was emotional, moody, and difficult to please.
Your ideal relationship is lasting. You want a relationship that looks to the future... one you can grow with.
Your risk of cheating is zero. You care about society and morality. You would never break a commitment.


Não acredito nestes "testes", claro. Mas este fascinou-me. Ele há coincidências do arco da velha. É de 2005, creio.

Redifusão - 8

"Quatro coisas o interessavam: o mar, a luz, as palavras e as pessoas. A ordem variava; tudo o resto não passava de epifenómenos. Durante uma vida - ou várias - tentou misturar isto tudo."

Janeiro de 2009. "Vidas, misturas". Mais actual do que nunca. Um dia alguém me disse que devia usar esta frase como epígrafe para uma versão em livro do DV. Concordo. Pena não haver versão em livro do DV. Esta já basta.

Insónia

Uma insónia como um nevoeiro, espessa de cortar à faca. 

Autoretratos polissilábicos

"Monodactilógrafo" é certamente mais simpático do que "mono dactilógrafo". Mas não é mais verdadeiro.

Derrotas, janelas

Vencedora é uma pessoa que sabe fazer as derrotas escorrerem-lhe pela memória como gotas de chuva por uma janela fechada. Os perdedores esquecem-se de fechar a janela.

Isto dito

Há dias em que uma pessoa desce a rua do Alecrim e parece que está a descer para o sol, para o centro do sol.

Angélique Ionatos

E como estamos em Theodorakis:



E como estamos em Angélique Ionatos



(Aqui com Nena Venetsanou, num disco chamado Sappho de Mytilene, que é de longe o meu favorito dela. De muito longe. Comprei-o em Atenas.)

Milva - Ave Maria

Um longo poema, escrito lentamente: um verso uma vida.



Ou um dia:

Noite, sonhos

À noite transformam-se em sonhos. Deve ser por isso que gosto tanto delas; vivem de noite, e de ti.

As palavras

Pouco a pouco regressam a casa. Ora rebeldes, ora domesticadas; livres ou submissas. Depende de ti, dependem de ti.

Noite, espera

Há uma noite algures à tua espera.

Medo

Há poucas razões para ter medo: não é quando estás no meio das cataratas que te vais pôr a pensar. Melhor tê-lo feito antes. Agora desligas o cérebro e nadas. Ou danças, se queres morrer en beauté. Tão pouco deves tentar perceber se o rio é lindo ou feio; e se as quedas são altas ou baixas. Nada, ou dança. Não penses; nem - muito menos - fales. Não são as palavras, o medo ou as ideias que te vão tirar vivo daí.

O melhor é nadares, pensando bem. Morrer afogado no passado pode ser muito bonito, mas é estúpido. Afoga-te no futuro, se queres morrer em beleza. Sempre terás feito um bom bocado mais de passado; e a dança terá servido para alguma coisa.



Sam "le Pigeon Voyageur" Mangwana



[Bom, também podia ser "le Grand Pigeon Voyageur", não?]

Palavras, música



Só me apetece escrever sobre as palavras, mas elas cansaram-se de mim e refugiaram-se na música, as felizardas.

Diamonds on the sole of her shoes

E já que estamos on the mood for partying (as reminiscências não são sempre tristes, ora essa)...

Irish Pubs

Dessy Walls

O Pub onde o ouvi pela primeira vez, em Kinsale:

Depressão

O melhor remédio para uma depressão é uma pessoa cansar-se dela. As depressões não aguentam a falta de atenção.

Olhos nos olhos - Maria Bethânia

Que fosse eu a deixar ou o deixado as rupturas sempre me deixaram mal, ferido, magoado. Até que um dia apercebi-me de que já não era sempre assim. Não sei se fiquei a ganhar com a troca, mas acho que sim. Espero, pelo menos.

"Chocantes" e "Obscenos"

Segundo o Público de hoje, António José Seguro considera "chocantes", "imorais" e "obscenos" os valores das remunerações de António Mexia (3,1 milhões de euros). Eu não tenho assim grande opinião sobre isso; à partida não me choca muito.

O que me choca realmente, e acho obsceno e imoral, é que haja pessoas a receber pensões de 200 e 300 euros mensais; pessoas a receber o salário mínimo nacional; pessoas a receber o RMI como complemento a outros ganhos. Isso sim, acho realmente chocante.

Até o caso do jovem administrador da PT me parece mais chocante, obsceno e imoral, apesar de a PT ser muito mais "privada" do que a EDP: é que para além de tudo o mais, o senhor tinha uma chocante e obscena falta de qualificações para aquele lugar. Coisa que de Mexia, pelo menos - e por muito que se possa pensar - não se pode dizer.

Publicidade interessada

No Hotel da Lapa, no dia 15 de Abril (uma quinta-feira) às 18h00, mais uma actividade Ler por Aí: Il Gattopardo. Um livro fabuloso num local de sonho.

Sócrates, Simplex, PRACE e "isto"

Esta entrevista é brilhante, imprescindível e, parece-me, paradigmática do modus faciendi de José Sócrates. A ler absolutamente. Como ponto de partida uma boa ideia que se desfaz no caminho porque o objectivo não é o conteúdo, é o show. A prova (como se fosse necessária; mas enfim) de que temos funcionários públicos de excelente nível (volto a pedir desculpa por ter de o sublinhar). Uma machadada muito grande em quem tem esperança de que "isto" melhore. "Isto" só vai melhorar para quem já está bem, pela razão simples e irrefutável de que não é por falta de saber que "isto" está como está: é por falta de vontade. E essa não vai aparecer tão cedo, porque para que "isto" melhore para todos, aqueles para quem "isto" está bem vão, forçosamente, perder regalias. E isso eles não querem, natural e compreensivelmente.  

4.4.10

O fim de um dia

O dia chega ao fim; não é só um dia, nem só um fim. É o de muitos dias, de muitas coisas; um fim bom. Amanhã é outro dia. O primeiro de uma infinita série de amanhãs.

Redifusão - 7

Percorrer-te como percorro Lisboa, cada colina passo a passo, dedo a dedo, milímetro a milímetro; esperar por ti como espero pelo vento num dia de calmaria, ou pela calma num dia de tempestade; fazer em ti os dias de calma, e contigo as tempestades; olhar-te e ver nos teus olhos o raio verde e nos teus cabelos negros o fim de um quarto de noite, no teu sorriso o nascer do sol. Olho-te e vejo-te, Lisboa e mar: navegar-te, percorrer-te, tocar-te, fender-te. És um mar, amor, és uma vida, uma rua de Lisboa, as ruas todas, os telhados, a luz, és o vento nas vagas. Amar-te, percorrer-te, navegar-te, fazer de um suspiro teu o vento, na tua pele o mundo, em ti a vida.

[Havia uma fotografia da Luísa no original. As redifusões são umas mais outras menos editadas. Não há critério nenhum para a escolha dos posts, se não o facto, a confirmar eventualmente, de. Esta é de Janeiro de 2008, creio. O título era "Lisboa, amar, mar". Há poucas coisas que me irritem mais do que procurar um determinado post do qual recordo o tema e uma ou outra frase e não encontrar. O que não deixa de ser uma sorte para os leitores: já não bastaria uma vez, ainda teriam que levar com asneiras  dobradas.]

Caixas de comentários

Uma das coisas que me fascina em alguns comentários de um outro blog onde escrevo é ver a quantidade de iliteratos funcionais que há neste país. É pura e simplesmente inacreditável a quantidade de pessoas que sabe ler mas não percebe o que lê, e reage emocionalmente, como se estivéssemos a escrever para as atacar pessoalmente.

V. M. Bhatt

Já agora...

Ry Cooder & John Lee Hooker

Estou a ouvir um disco de Ry Cooder com V. M. Bhatt chamado "A meeting by the river". É uma coisa linda de morrer, e vim ao Youtube procurá-la. Não encontrei.

Mas em contrapartida encontrei esta pérola, de uma beleza arrepiante:



Adenda: está aqui.

Pensamento mágico

Não é preciso ser grande matemático para se ver que quanto mais tempo uma loja estiver aberta mais empregos cria. Mas é preciso ser sindicalista luso (e não só luso, verdade seja dita; mas com o mal dos outros os outros que se amanhem) para se achar simultaneamente que o desemprego é uma praga  (é, sem dúvida) e que as lojas devem ter horários extremamente rígidos e controlados não pela procura mas por uma administração qualquer.

Corporativismo

Porque é que as corporações têm tanta força em Portugal?