28.11.04

Conversas de salão

Conversa ao jantar: o tema é a vela, e a incompreensão total da minha interlocutora para o gosto que algumas pessoas (entre elas o seu marido) têm por "isso" - ("a vela não é um desporto", afirma, "porque não fazemos nada"; "a vela não é um desporto", respondo, "porque é um modo de ser").

Ao fim de uma agradável conversa de surdos polidos, digo-lhe que no fundo concordo com ela: há 35 anos que navego e ainda estou para saber porque gosto tanto, porque nunca me canso, porque tanto me falta. Talvez haja uma explicação: numa travessia à vela, em cada dez dias 9 são "maus" - mas o outro, o bom, vale por vinte ou trinta. O saldo é sempre muito, muito, positivo.

Claro que resta saber porque são maus os dias: por causa do mau tempo? Porque ou não há vento ou ele vem exactamente da direcção para onde pretendemos ir? Porque se avariou qualquer coisa - há sempre qualquer coisa que se avaria num barco, geralmente nos piores momentos (em terra também, de resto: o gás só acaba quando estamos a cozinhar)? Porque o colega que em terra era uma pessoa impecável se revela um sacripanta do piorio no mar? Porque (ao contrário do que geralmente se pensa), há sempre qualquer coisa para fazer? Talvez. Mas há uma satisfação possível e compreensível em vencer essas dificuldades, que não tem nada a ver com o masoquismo: eu não sei qual é, ou não sei defini-la - sei que me falta, só, e muito.

Apenas num ponto o meu desacordo com a senhora foi manifesto e total: quando ela mencionou a falta de espaço como um dos defeitos da vela. Falta de espaço? Um barco pode ser pequeno, mas como sofrer de falta de espaço quando se está no mar alto? Não há lugar nenhum na terra - nem em África - onde a noção de espaço seja tão forte, tão presente, tão inexorável, tão englobante como quando se está sentado no poço de uma embarcação, ou na ponte, ou na proa, ou seja onde fôr, e se olha para o mar.

Talvez seja isso que faz da navegação esta necessidade (para além das coisas mais facilmente definíveis): estar diariamente confrontado com o infinito.

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