Acontece-me frequentemente começar a cozinhar sem saber o que o vai ser o jantar, ou almoço. A lógica da maioria destes casos é a da refeição a bordo de uma embarcação de vela: um máximo de proteínas, glícidos e lípidos com um mínimo de recipientes para lavar; coisas que se possam comer à colher, se estiver mau tempo, ou numa tigela - idem; e combinações de alimentos simultaneamente clássicas (a despensa de bordo tem uma capacidade limitada) e imprevistas.
O jantar de hoje correspondeu a todos estes critérios:
Refogar cebola e bacon en cubos; juntar alho e carne picada. Alourar, baixar o lume, e deixar cozer o tempo de ir lá fora arriar o balão, ou marear a genoa e a grande. Entretanto aquece-se o forno, não vá o diabo tecê-las. Quando se estiver perto do fogão outra vez, flamear com rum (Habitation La Favorite, que desperdício) juntar natas, paprika, sal e pimenta, um pouco de noz moscada (a droga dos antigos marinheiros).
Cortar batatas cozidas às rodelas - não há frigorífico ou armário que as não tenha - e colocá-las num pirex devida e generosamente untado com manteiga; dispôr a carne picada por cima e por cima desta mais rodelas de batata.
Colocar no forno até cheirar a queimado, ou um bocadinho antes.
O acompanhamento líquido foi feito com um magnífico vinho que descobri recentemente, uma mistura de Syrah e Merlot do Pays d'OC, "Verger du Soleil" (isto, meus caros, não se inventa). O contra-rótulo desta estranha mas deliciosa mistura diz: La noble Syrah à la robe foncée et aux tanins relevés est le compagnon idéal du Merlot doux et fruité. Rond aux début, harmonieux et présentant un nez remarquable de baies des bois, ... Tudo isto é verdade, mas não traduz a delícia que é beber um vinho como este ao preço de 6 euros - abaixo disso, em Genève, nem para a cozinha...
Depois, as reminiscências marìtimas obrigam-nos a atacar frontal e corajosamente este rum (cf. post abaixo), e a telefonar para a Martinique a saber se o Abri Côtier, primeiro refúgio do marinheiro que acaba de chegar, último do que vai partir, cenário de inumeráveis promessas de amor eterno e de eternos 'Ti Punch adoráveis, antro de magníficos slows que tantas, oh tantas, vezes se converteram em beijos afundados nas águas mornas da baía -não os meus, que nessa altura andava de coração e pé no gesso-, ainda existe (a resposta foi: "não sei").
Do Abri Côtier veio a primeira cerveja depois da minha travessia ("uma cerveja, um duche e uma mulher - por esta ordem, se faz favor") e lá bebíamos o último 'Ti Punch antes de voltar para bordo.
Ah, tio Rum...
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