Uma dor de cabeça violenta, um fim de tarde sem sol com sol sem sol com sol, um passeio deserto, exceptuando a loira e a morena que andam depressa, tão depressa que não tenho tempo para lhes ver as caras, uma vela paralelipípeda, um jantar que espera, um chinês que espera, um mundo que espera, um cachorro batido que ladra a um homem a quem falta uma perna - apercebermo-nos-íamos, se tudo isto existisse, da sua horrível frustração por não poder dar um pontapé ao cão.
No mar, uma baleia de bossa adolescente abalroou um navio; magoou-se e, para não dar parte de fraca, pôs-se à frente de um trimaran que tentava bater o record da New York - S. Francisco (o anterior record estava com uma senhora chamada Isabelle Autissier, e antes dela com um clipper cujo nome me escapa, é de resto para isso que os clippers são feitos, para escapar - seria Flying Cloud? É possível, com um nome tão bonito estava fadado para bater records). A tarde escoa-se, lentamente, esgota-se como bonbons na loja à hora da saída da escola, o tempo derrete-se como um gelado deixado fora do congelador, e a noite chega, cega, surdo, muda.
Em terra, uma senhora zanga-se outra vez com um candeeiro que ali está, à espera dela, há anos. "Deixa-me de mão, larga-me, vai ver se estou ali, vai dar uma volta, vai passear o cão, vai morrer deitado, vai chorar para outro lado, deixa-me" - mas não se lembra que o candeeiro não pode, coitado, andar, e que se a fita com o seu grande olho único é porque não pode olhar para mais lado nenhum.
Saberá o candeeiro que o resto do mundo existe?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.