19.5.05

Pois

O dia chega ao fim como um papel de rebuçado empurrado pelo vento; está sol e calor - o verão está, decididamente, a bater à porta, e nós vamos abri-la, em grande, portas e janelas para que ele entre todo em nós, como o ar da Primavera daquele poema do Baudouin, lembras-te "Mais l'air du printemps est une chose souple et tendre. / Les pores s'ouvrent et il rentre en nous / et nous, nous nous répandons délicieusement en lui"?

Hoje trabalhei muito, e o resultado do meu esforço - de hoje, ontem, de uma vida ou duas - está, finalmente, à vista; depois fui àquela esplanada perto do rio, onde nos encontrámos quando te fui buscar ao aeroporto, e durante o trajecto no autocarro não fizémos mais do que perguntarmo-nos, cada um de nós a si mesmo, se era real, a presença do outro ali, e se era boa, ou bem, ou certa - foi o rio que acabou por responder, e disse que sim, não foi?, abraçou-nos como nos abraçámos, e entrou por nós como nós um pelo outro, como o verão quer agora entrar na nossa irremediável solidão, ou pelo menos na minha.

É o fim do dia, não são horas de jantar ainda, e as pessoas vão depressa na rua, por causa do vento, decerto; peço-lhe que me entre pela memória e varra todos os momentos mágicos que passámos juntos, e todos os que passaremos, que são agora parte da memória e só dela, como varreu este dia, como empurra as pessoas.

As árvores acenam-me irónicas despedidas; nunca te fui deixar, creio, a uma estação de comboios, ou fui? Teria sido assim que me disseste adeus, esse teu vestido verde claro com frutos vermelhos a lembrar-me as palmeiras que agora me irritam, os dedos espetados a agitarem-se-me à frente dos olhos? Penso que não; ainda nos amávamos, quando nos dizíamos adeus ou olá à frente do rio, e não me terias tratado com o desprezo que vejo nas árvores, no cão encolhido na relva, na noite que aí vem, no amanhã ou depois que aí virão, em tudo o que me rodeia.

O vento limpa a memória, a que foi e a que será?

SÓLO UNA COSA no hay. Es el olvido.
Dios, que salva el metal, salva la escoria
y cifra en Su profética memoria
las lunas que serán y las que han sido.

Ya todo está. Los miles de reflejos
que entre los dos crepúsculos del día
tu rostro fue dejando en los espejos
y los que irá dejando todavía.

Y todo es una parte del diverso
cristal de esa memoria, el universo;
no tienen fin sus arduos corredores

y las puertas se cierran a tu paso;
sólo del otro lado del ocaso
verás los Arquetipos y Esplendores.
"


Não.

Amar-te não é uma aberração: é não te amar que o é...

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