27.5.05

"Shall I at least set my lands in order?"

"I read, much of the night, and go south in the winter." Durante muito tempo não sabíamos que este verso magnífico era do T. S. Eliot. Éramos crianças. Lêmo-lo pela primeira vez num livro do Pepe Carvalho, coitado. O que ele nos fez sonhar, lembras-te? A primeira parte não tanto: ler, much of the night, era o que fazíamos, antes ou depois do amor; mas viajar para sul no inverno - perguntávamo-nos se iríamos de comboio, de paquete, num grande Rolls-Royce com chauffeur fardado a rigor.

Tu tinhas fugido de casa para vir ter comigo. "Fugido de casa", dizias. Um dia descobriste que não era uma casa: tu fugiras "para" uma casa. Nunca tiveste casa, na verdade. E não é agora que a vais ter, pois não? Verdade é que nunca te dei uma: o nosso deserto, já há muito o trazia comigo. Vieste para sul, para vir ter comigo, e passaste uma noite num avião, mais uma noite na rua, mais milhares de noites em todas as ruas do mundo.

Um dia descobrimos "The Waste Land". E não se passava um dia que não abríssemos o livro ao acaso e recitássemos uma linha ou uma estrofe: "The sea was calm, your heart would have responded / Gaily, when invited, beating obedient / to controling hands". Não sabíamos ainda que o nosso amor viria a ser ele-mesmo uma waste land, um desperdício de afecto, de tempo, de olhares e das carícias que trocávamos nos sítios mais inesperados, cada instante que passávamos juntos.

"Shall I at least set my lands in order?"

"Who is the third who walks always beside you?
When I count, there are only you and I together,
...
But who is that on the other side of you?
"

Tens um outro lado, sempre, uma terra algures, inacessível - mesmo para ti, ela é inacessível. E tens alguém, também, que nunca te larga. Ainda não descobriste quem é - simples questão de tempo, não? Tempo - tanto tempo; e terra - é por isso que anseias, não é?, terra, simples terra, uma terra, pouca terra, para te enterrares de vez, para te esqueceres do que há para lá da terra.

Não te podia dar o que queres, tempo e terra - não os tinha nem para mim, que fazer? Dava-te um corpo, e era um corpo bonito, o meu, gostavas dos meus seios, lembras-te, do meu ventre liso, das minhas pernas intermináveis, das minhas dúvidas, dos meus medos. Gostavas de tudo em mim, mas que podia eu dar-te mais do que aquilo de que tu gostavas, o que na realidade querias, sem saber? Quem tem sede não pode dar água, quem tem fome não pode dar pão, quem é cego não pode dar luz.

Acabaste por partir: "And I will show you something diferent from either
Your shadow at morning striding behind you
Or your shadow at evening rising to meet you;
I will show you fear in a handful of dust
".

Suportavas os meus medos, mas não suportaste os teus, num punhado de pó.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.