12.12.06

Ontem, hoje e amanhã

Carta aberta a um amigo recente, ou amiga.

Gosta de comida indiana? Eu gosto, muito. Resquícios sem dúvida dos anos que passei em Quelimane, a melhor cozinha indiana de Moçambique – e, diziam alguns, uma das melhores da Índia.

A cinco minutos de minha casa, andando devagar, há um dos bons restaurantes indianos de Cascais. O xacúti é particularmente bom.

Em Moçambique tinha uma empregada que fazia um xacúti divino. Divino. Por vezes encomendava-lhe um jantar, e comíamo-lo todos, no escritório, à volta dos computadores e das plantas que tinha espalhadas pela sala. Foram os piores anos da minha vida, esses dois anos que passei em Maputo. Erro de casting, erro de filme, erro de mim. E olhe que na minha vida já tive anos difíceis, muitos. Mas nenhum como os que passei em Maputo. África é o meu continente favorito, de longe (sem jogo de palavras), mas é um continente cruel. Não é sítio para fracos, ou, como eu quando lá cheguei, enfraquecidos, feridos. No fundo, fugi para África, e não se pode chegar a África em fuga – ela só acolhe e respeita os conquistadores. É um continente feito para homens fortes e de saúde, como eu era quando cheguei ao Burundi. É verdade, repare, que então torna-se o melhor continente do mundo, o melhor.

É uma das coisas que mais me atraem, e repulsam, em África: é um continente digital, zero ou um. Não é analógico, como a Europa, a Ásia ou, nume menor medida, a América Latina. Já fiz muitos erros na minha vida – mais do que indiscutível, é visível. Mas nenhum como essa ida para Moçambique em 199--. Pergunto-me (sou eu que me pergunto, ou é você?) se voltarei a cometer erros como esse. Penso que não: uma vida só suporta um erro desses, não mais. É curioso: esta ideia de um futuro livre de erros magníficos não me pacifica: é preciso evitar os pequenos escolhos, também, e esses são mais difíceis e mais numerosos.

Dos meus amigos, nenhum cometeu erros gigantescos. Não é verdade: alguns também se enfiaram pelo Boulevard da Asneira e pagam, ou pagaram, caro. Na verdade, todos cometemos erros, seja por acção, seja por omissão. A diferença é que nenhum deles viveu em África – Moçambique só agora é África. Dantes era um canto do Paraíso.

Não devemos tentar regressar ao Paraíso. “Não voltes a um lugar onde foste feliz”: irónico, não é? Há poucos sítios no mundo onde tenha sido mais infeliz do que no Portugal do retorno. E acabei por voltar para cá quando me fartei, só quando me fartei, e quando descobri que os homens são como as enguias, têm que voltar, mais tarde ou mais cedo, ao lugar da desova. E o resultado é francamente melhor do que o do regresso a Moçambique. Irónico, não é? É, mas é verdade velha e conhecida. Mal por mal, prefira o nacional.

No fundo, a felicidade tem a ver com o futuro, não tem a ver com o presente: Ser feliz é saber que amanhã será melhor do que hoje, e que hoje foi melhor do que ontem.

O restaurante é bom, o xacúti esplêndido, e quando saio vejo perfeitamente Orion, e os Gémeos, Castor e Pollux, que para os gregos eram os patronos dos marinheiros e dos viajantes. O céu está limpo, a pressão sobe (enfim, parece-me, espero), e o xacúti de amanhã será – quem sabe? – melhor do que o de hoje.

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