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OFERTA (Extractos)

O que tenho para te dar? Uma gramática de sentimentos,
verbos sem o complemento de uma vida, os substantivos
mais pobres de um vocabulário íntimo - o amor, o desejo, a ausência. Que frase construiremos com tão pouco? A
que léxico de paciência iremos roubar o que nos falta?

...

E pergunto-me: que outras palavras queres?...

...

Mas não é isso que me pedes. ...
...O que fica?,
perguntas-me. Um encontro no canto da memória. Risos,
lágrimas, o terno murmúrio da noite. Nada, e tudo.


VAZIO

Pedra a pedra, esvazio este lugar onde outrora
nos encontrámos. Deixo-o limpo de versos e de
sílabas, seco de lágrimas e de suor, silencioso
como o espaço de onde as aves se ausentaram.

Depois, pedra a pedra, construo a memória
onde te vou guardar. Ergo-a desse campo
onde te abracei, sobre folhas e flores, ouvindo
a música do vento por entre ramos e sombras.

"Mas para que a queres?" perguntas-me. "Sem
mim, sem o calor da minha voz, sem o corpo
que amaste?" E pedra a pedra volto a esvaziar
tudo, como se estivesses aqui, sem nada encontrar.


MUDANÇA (Extractos)

...Porém, há um elemento que perturba todo
este sistema. A tua voz, e a tristeza que corre
por dentro dela, obrigam-me a rever as minhas ideias. Gostaria
que esta música te fizesse rir, e que todas as sombras
desaparecessem do teu rosto quando aquilo que escrevo
o desenha, com as linhas puras da manhã. Mas
é verdade que há outras regras para além destas,
e são elas que regem o caminho de cada um de nós e
cada uma das decisões que nos impomos. Renunciar ao amor,
ou deixar que o amor se liberte da servidão do outro? No
fundo, o tempo dirá o que tem a dizer: e as suas rimas podem não coincidir com o que estou a escrever. ...

... No entanto, é a tua voz
que eu ouço, ainda, mesmo quando o silêncio cai
à minha volta; e são as tuas palavras que obrigam este poema
a ser um poema de amor, contra toda a lógica do que digo.


Nuno Júdice, in O Estado dos Campos, Publicações D. Quixote, Lisboa, 2003