Nietzsche era, todos nós o sabemos, dado a excessos. Quando eu era adolescente deliciava-me com as páginas que ele escreveu sobre Wagner - na realidade, deliciava-me com tudo o que escreveu.
Ontem, encontrei por acaso umas linhas que me trouxeram à memória esses dias da adolescência (que não foram muito bons, a minha adolescência foi chata) e outros, mais recentes:
"Wagner's art is sick. The problems he presents on stage - nothing but problems of hysterical people -, the convulsiveness of his emotional state, his overwrought sensibility, his taste, always calling for continually spicier seasoning, his instability, which he disguises as principles, and last but not least his choice of heroes and heroines, these regarded as physiological types [- a gallery of sick people! -]: All together portraying a syndrome leaving no room for doubt. Wagner est une névrose.
O retrato é um bocadinho injusto, reconheçamo-lo. Mas Nietzsche nunca aspirou à justiça: o objectivo dele era a exactidão - e, infelizmente, justiça e exactidão são duas coisas diferentes (o que só constitui problema para os engenheiros sociais...); forçoso é reconhecer, contudo, que ele também não atingiu o seu objectivo, e as descrições que nos faz da morte de Deus ficaram, por exemplo, bastante circunscritas no tempo: foi uma morte temporária, um desmaio, por assim dizer. Hoje Deus está em todo o lado, mais vivo do que nunca, o que é um bocadinho aborrecido.
Enfim, a verdade é que, devido a, ou apesar de, Nietzsche, nunca entrei muito bem em Wagner. Mal o conheço, na realidade. Nunca me atraiu.
Hoje, contudo, resolvi procurar uma "spicier seasoning", e fiz um caril de borrego. À hora a que escrevo ainda a coisa coze, portanto não sei o resultado. Mas lá que o fiz spicy, "Wagneriano", fiz: curcuma, gengibre, piripiri, noz moscada, tomilho, pimenta, cominhos e - claro está - pó de caril, tudo em grandes quantidades, num caril que praticamente só levou leite de coco, água quase nenhuma.
Vamos a ver. A verdade e que ando há muito tempo para comprar Wagner - e pode ser, quem sabe? - que este caril seja o catalisador.
Nunca sabemos o que está do outro lado do muro, e o muro é "agora" - ou "hoje", para os mais optimistas.
PS, 1 hora mais tarde - do lado dos acompanhamentos (aquilo a que, em Quelimane, chamávamos "os molhos") também houve excessos: noz de côco ralada e amendoim misturados e fritos (é delicioso, experimentem); noz de côco ralada; dois tipos diferentes de pickles (manga e alho); e uns pappadums, desses de fazer em casa, que se não fossem maus eram bons. O caril estava assim assim, melhor que mau e menos bom do que óptimo. A hora de Nietzsche passou: chegou a dos Alexanders.
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