6.4.07

Teste

Chamava-se, disse-me, Cynthia Days e era preta como um copo de vinho tinto numa noite de tempestade. Queria "trabalhar para mim: lavar roupa, passar a ferro, cozinhar" e, "se fosse verdadeiramente indispensável", fazer-me "um broche ou dois". A expressão é dela, não é minha: "um broche ou dois", verbatim, a primeira vez que a vi, muito séria, sentada numa cadeira à minha frente, austera, com os dentes da frente separados por uma larga fenda e lábios de fazer um anjo sonhar com beijos ou outra coisa.

Achei que devíamos fazer um teste. "Dou-lhe uma camisa para passar", disse-lhe. "O resto pode esperar". Mais tarde vi a saber que era (ou tinha sido), professora de literatura portuguesa na universidade de Lubumbashi, uma cidade - e uma universidade - que conheço bastante bem. O que explicava a separação entre os dentes da frente, o domínio perfeito que tinha do portugês; mas não explicava o que a fazia lavar roupa em Portugal, nem propôr felações a qualquer patrão potencial.

Tão pouco explicava o nome: no Congo as pessoas têm nomes africanos, as mais jovens; ou franceses "clássicos" (isto é, antigos, velhos, fora de moda), as outras. Mas não têm nomes ingleses. Excepto se um dos antepassados próximos (um avô, ou bisavô, mais provavelmente) fôr português, Dias de seu apelido e um dos filhos achar que Days é mais chique do que "Dias", ou "Jours".

Não levou muito tempo a passar do aspirador para a minha cama - primeiro durante as horas de trabalho (cujo pagamento recusava, de resto) e depois durante as noites, todas as noites. Na realidade chamava-se Tschombé e fazia um molho de piripiri que por si só justificava a sua presença na minha cama, na minha casa, na minha vida.

Há pessoas que dizem que o piripiri é afrodisíaco. Outas dizem que são as ostras. Casanova, esse gandulo genial, acreditava nos ovos crus. Eu só conheço um afrodisíaco: é a mistura de um corpo perfeito com a inteligência e a sensualidade. Chamava-se Tschombé, tinha trinta e muitos, ou quarenta e poucos anos e dizia-me: "quero foder contigo" de uma maneira que ainda hoje, anos depois, me faz tremer desde a ponta dos pés até à ponta dos cabelos. A primeira vez que ela me disse isso foi à saída de um restaurante do outro lado do Tejo. Sentámo-nos no muro que dava para o rio e, como se me dissesse que o jantar tinha sido bom - como tinha dito que me faria, "se fosse indispensável, um broche ou dois" - disse-me que queria foder comigo. "Mas não aqui", acrescentou. "Na tua cama". Nessa altura já ela tinha passado algumas largas dezenas de noites comigo, já nos tínhamos amado, comido e fodido de todas as formas e feitios - mas aquela noite foi, penso, a primeira vez.

Não sou muito dado a mistérios, nem a profundezas místicas - sou um ser simples, a roçar o primário, que acredita em coisas simples e primárias. Mas a verdade é que nunca mais voltei àquele restaurante.

Um dia disse-me "adeus" e foi-se embora.

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