17.8.07

O vento, a morte

Foi o princípio do fim, o crepúsculo de um dia de chuva, a luz branca da tarde a acinzentar-se para a noite, o arco a arrastar um pouco a última nota nas cordas do violino, o olhar que, sem querer, diz "adeus" quando a voz diz "boa noite", a última gota de água de um cantil no deserto; foi isso, e foi muito mais, mas não sabia como explicá-lo, porque nada disso dependeu da sua vontade.

Ns noites de lua cheia deitava-se na areia, ouvia Wagner, bebia aguardente de ameixa, pensava nas noites de Berlim - o café Einstein, a Literaturhaus, as longas deambulações pelo Ku'damm; e não sabia explicar como começou o declínio - lembrava-se vagamente de um sino a tocar, uma vaga na praia, lembrava-se de uma cor (negro, como a ausência) - mas não se lembrava de nada de concreto, uma palavra, um gesto, um cheiro.

Tudo não passou de ar, thin air, os futuros, os passados, os azuis dos dias que se dissolveram em pores-do-sol inconvenientes, deslocados, inadequados. Uma longa e esgotante sucessão de sorrisos mal explicados, de carícias vãs, de silêncios inúteis, de peles que nunca aprenderam a conhecer-se, realmente; de verdades sussurradas em línguas incompreensíveis.

"Restam-me a lua cheia, uma memória que gostaria de esvaziar o mais depressa possível, estas noites numa praia das Caraíbas, a solidão que nunca o é verdadeiramente, porque nunca estamos sozinhos, por mais que o queiramos estar: o passado é o interminável crepúsculo de um dia sem fim. Gostaria de reaprender a dormir; talvez consiga, se o vento deixar de soprar à minha porta, se levar os demónios, finalmente, como pétalas encarnadas, se se calar de uma vez por todas".

É isso: basta calar o vento, para a morte.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.