Estou, há meia-dúzia de meses, a ler um livro chamado "Mazagão, la ville qui traversa l'Atlantique. Du Maroc à l'Amazonie (1769 - 1783)", de Laurent Vidal (Ed. Aubier, Collection Historique).
É um trabalho histórico sobre um tema magnífico: em 1769 o Marquês de Pombal decide abandonar uma praça forte em Marrocos e transferi-la para a Amazónia. O livro relata, de uma forma magistral, esse processo.
O que mais me tocou foi ver que algumas das características da nossa administração, e da forma como ela se relaciona com os administrados, não mudaram: fazem parte da nossa essência, por assim dizer.
Um condensado perfeito é um parágrafo na página 153, demasiado longo para trancrever aqui. Mazagão já deixou Marrocos, já deixou Lisboa (para onde foi antes de ir para o Brasil) e está na Amazónia. Estamos em 1773 - ou seja, quatro anos depois do abandono - e a Mazagão de 1769 mudou. Não só geograficamente: pessoas morreram, pessoas casaram-se, crianças cresceram e tornaram-se adultas, etc.
Sucede, contudo, que as listas de nomes, famílias, pessoas (aquilo a que a actual indústria humanitária chama "listas de beneficiários") fora estabelecida em 1769 e, inevitavelmente, um conflito aparece entre o que está escrito e o que é. Temos, de um lado, um Governador que insiste em aplicar a lei, baseado nas tais listas; do outro, o Comandante da cidade, que propõe alguma flexibilidade para acomodar as inevitáveis mudanças.
Quem ganha, quem ganhou? Tal como hoje, ninguém. O Governador ganhou alguns rounds, a vida outros. Mas no fim perdem todos. Perdemos todos.
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