16.11.07

A.

Por duas vezes a A. e eu estivemos quase a passar ao acto; e das duas vezes fui eu que recuei. Estava em casa dela e do marido: acolheram-me quando voltei do Brasil, com uma mão à frente e outra atrás, desfeito, vazio, de rastos. Hospedaram-me em casa deles, deram-me de comer e não me pediram para falar: o suficiente para recuperar, para pôr um pé no estribo, como diz a versão consagrada da coisa. De qualquer forma, não foi a primeira, e não terá sido a última vez, que recomecei.

A. é uma mulher grande, morena e bonita, muito bonita. Tem olhos verdes e cabelos pretos densos, lisos, compridos, que ela usa para os mais variados fins: esconder-se, seduzir, provocar, enfurecer ou – no meu (e noutros casos) – desnortear.

Por duas vezes a desafiei, por duas vezes ela disse que sim – e por duas vezes eu voltei atrás. Foram recuos difíceis, porque na altura eu estava sozinho, sem dinheiro, partido em mil bocados e não conseguiria arranjar uma mulher – nem, pensava por vezes, pagando, quanto mais sendo “pago”. Ainda por cima ela é grande, e eu gosto de mulheres altas, e linda, linda. O marido, um escritor de sucesso e da moda em Paris, engana-a com tudo o que a cidade tem de saias, e são muitas. Ela, que tem a outra metade da cidade a correr-lhe atrás, vinga-se dizendo que não.

Digo “vinga-se”, mas não tenho a certeza que o verbo seja correcto. “Mortifica-se” talvez seja mais exacto - se bem a mortificação não passe de uma das formas da vingança. Enfim, a verdade é que A., que dizia “não” a toda a gente, disse-me “sim” – e fui eu que lhe disse “não, querida, não quero, não seria correcto”, etc. e tal e outras baboseiras do género, duas vezes.

Até que uma vez não voltei atrás, não recuei, não me acobardei. Estava em casa; meteu-se no carro para vir ter comigo - já tinha "uma vida" – e nesse dia fui para a cama com ela, com os cabelos dela, com as lágrimas dela e com toda a raiva que tinha acumulado ao fim destes anos todos.

Há qualquer coisa de bom, de agradável, em ser um objecto sexual. A maioria das mulheres discorda, claro, mas eu gosto: gosto que me usem o corpo para o prazer, nada mais do que o prazer, sem exigências, sem ontens nem amanhãs, sem “já sabes que”, sem verdades nem mentiras nem consequências. Claro que a inteligência, ou a cultura, ou o humor, ou o conhecimento mútuo são os melhores afrodisíacos. ¡Qué vaya!, a relação sexual casual é a única forma de relação em que os dois sexos estão em posição de absoluta igualdade, e naquele caso era mais do que casual: A. veio para a cama comigo não por mim, não pelo marido, não pelas traições dele, mas porque eu era prático, porque estava à mão e não era precisa muita conversa, não eram precisos jogos nem sedução nem nada: bastava tirar a roupa, ir para a cama, vestir a roupa e ir embora.

Só que ela não se foi embora.

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