1.11.07

Jantar

Na mesa à frente da minha um casal passa por uma crise. Falam muito baixo, mas intensamente, à vez, cada um ouvindo atento o que o outro diz. Não há sorrisos, os gestos são poucos, comedidos, concentrados - é fácil perceber que ambos trabalham em qualquer coisa que exige muita concentração. Parecem-me dançarinos. Ele é negro, tem um corpo perfeito, cabelo rapado. Quando ela fala, ele inclina a cabeça para a frente e para a direita, na diagonal, como se se preparasse para dizer sim, ou não, consoante. Ela é muito bonita, uma beleza grave, quase pudica. Parece italiana. Ambos têm as mãos recolhidas, ele por baixo do queixo, ela ora junto aos talheres ora cruzadas ligeiramente acima do prato.

O jantar avança. Bebem um vinho medíocre, Monsaraz, ou coisa que o valha. Agora, de vez em quando, ela esboça um sorriso. Mas não é um sorriso alegre: é triste, céptico, dubitativo. Não consigo vê-lo de frente: não sei como reage a esses sorrisos, se reage. É um casal bonito, civilizado.

Ao fundo, do outro lado do restaurante, uma senhora, voltada para mim, faz-me pensar na Meg Ryan - uma Meg Ryan sopeira, ou a fazer um papel de sopeira. Não lhe vejo o marido: está sentado ao lado dela, e não à frente, escondido por uma coluna. Imagino-o estivador, merceeiro, carpinteiro. Ela ri-se pouco, os cabelos muito loiros, bastos, vulgares.

À minha direita, um pai e dois filhos, ela pré-adolescente, ele de 7 ou 8 anos. Penso num outro pai, num país longínquo, a tentar vender um divórcio iminente - ou pelo menos inevitável - a um filho de 18 anos, céptico e contrariado. Em Portugal, a mãe faz a mesma coisa à filha de 16, suponho.

O ambiente na mesa dos "dançarinos" mudou. O sorriso dela abriu-se, já tem as mãos no meio da mesa. Ele continua retraído, mas muito menos: os movimentos da cabeça são mais amplos, e nas mãos adivinha-se uma tensão - querem ir procurar as dela, mas ele retém-nas. Subitamente apercebo-me que não é uma crise: é um adultério.

A civilidade deles destoa do resto: uma grande mesa de ingleses que falam de futebol, ou de rugby, mais provavelmente; a mesa do pai e dos dois miúdos; a da sopeira que se parece com a Meg Ryan. Só há turistas, neste restaurante indiano do centro de Cascais. Venho-me embora. Ele já não tem as mãos debaixo do queixo.

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