Li recentemente um post sobre Táxis que me fez pensar nos táxis em que já viajei. Estava em Marrocos, quando o li, e a primeira memória, ainda fresca, foi a de Mohammed, o "meu" táxi de Casablanca.
Há dois anos tinha que ir para o aeroporto e fui com o Mohammed. Já tínhamos preparado a corrida, e combinado que ele me encontraria num sítio qualquer, não interessa, e o preço. Quando nos encontrámos faltavam-me dez ou quinze dirhams (em duzentos, creio), já não me lembro porquê, mas ele concordou em levar-me. Chegados ao aeroporto, viu que eu esvaziava a carteira para lhe pagar, e disse-me "não me dês tudo o que tens, guarda alguma coisa para ti, podes querer beber ou comer enquanto esperas pelo avião". Dei-lhe o dinheiro todo, claro, e guardei o número de telefone dele. Desta vez, telefonei-lhe para me vir buscar, e paguei-lhe com juros, muitos juros, os dez dirhams da outra.
O carro de Mohammed estava ainda pior do que há dois anos, claro, cheio de ferrugem e buracos - mas como ele me disse no caminho "não importa com o que vais, importa com quem vais". É uma grande verdade, Mohammed.
Os meus táxis favoritos, de longe, muito longe, são os do agora Congo, ex-Zaire. Aí importava com o que ias: os carros eram monumentos à engenharia ocidental (normalmente francesa), ao engenho dos proprietários, eram peças de arqueologia industrial, milagres em quatro rodas. Uma vez, em Kolwezi, entrei num cujo "depósito" de gasolina era um jerrycan de 5 litros colocado entre os pés do passageiro da frente. Os bancos eram as molas originais, suponho, com um cobertor por cima. Mal cheguei à cidade troquei de táxi, claro - para descobrir, duas horas e muitas andanças depois, que neste o "depósito" (igual) estava colocado no sítio da bateria, ao lado do motor (a bateria estava no porta bagagens, e os cabos atravessavam alegremente todo o veículo) - os bancos eram iguais, mas disso apercebi-me imediatamente, claro. Os sul-africanos pediram ao senhor para os deixar tirar fotografias, e ele deixou, orgulhoso.
Os chauffeurs de táxi zairenses são os melhores do mundo, qualquer que seja o critério pelo qual os avaliemos: têm uma cultura política equivalente à de futebol dos nossos - numa viagem de meia hora fica a saber-se quem é quem, quem é caro e quem não é, quem está com ou contra quem; e quantas vezes uma hora de conversa na praça com os personagens citados confirmou tudo o que o (ou, mais frequentemente, os) condutores interrogados nos tinham dito.
Mas não é só na política que eles são bons: desafio qualquer condutor do mundo a fazer mais quilómetros com uma dada quantidade de gasolina do que um chauffeur zairense - o que, para além das evidentes vantagens ambientais, dá origem à condução mais suave, menos abrupta, com menos solavancos que jamais me foi dado experimentar.
Na Rússia os táxis funcionavam como mini-autocarros - o preço era por pessoa, e não por trajecto. Andavam sempre cheios a abarrotar, claro. Frequentemente, o cheiro a álcool era tal que uma pessoa pensava que tinha entrado numa destilaria de vodka. Os chauffeurs eram brutos como as casas - mas um dia encontrei um com quem discuti Dostoievsky a viagem toda. Comprei-lhe os lugares todos do carro, para podermos falar à vontade, e no fim fomos beber um copo, os dois. Quando o deixei estávamos os dois perdidos de bêbedos - ele levou-me até ao porto gartuitamente, e não sei como o carro não saiu da estrada algumas cinquenta vezes, naquelas estradas geladas e cobertas de neve.
O mesmo princípio vigora nos "táxis co" da Martinique ("co" é a abreviatura de colectivo), mas aí a viagem é uma festa, com as pessoas a entrar e a sair de cinco em cinco metros, todo o mundo em animada discussão, incluindo o condutor; por vezes, no intervalo dos diálogos, ele até olha para a frente, e consegue sistematicamente evitar as cabras, galinhas, cães e gatos que se lhe atravessam à frente (os peões desviam-se sozinhos).
Pensei também nos táxis em que nunca andei: os chapas de Moçambique, por exemplo (uma vez contei vinte e sete pessoas, vinte e sete, num minibus de nove lugares, incluindo condutor). Enfim, exagero, talvez, mas se não eram tantas eram pouco menos: só nove ou dez estavam sentados nos sítios que os fabricantes tinham previsto para vidros e janelas, com as pernas para dentro e os rabos todos de fora, como sacos de batatas. Uma vez o Governo moçambicano resolveu implantar o respeito pelos sinais de trânsito e multar os condutores que passassem com o sinal vermelho. Foi o levantamento geral - um dos chauffeurs, numa entrevista à televisão, justificava a sua recusa perante tão bárbara e violenta regra dizendo, com uma convicção incomparável, "eles têm de perceber que nós estamos a trabalhar!"
Deixo de fora outros táxis, mais próximos, mas não menos exóticos: os de Londres, por exemplo, nos quais se tem a impressão de estar a ser conduzido por um chauffeur privado (nos cabs. Os minicabs são outra história, mais banal); os de Paris, que me fazem pensar nos seus colegas portugueses, com um pouco de patine em cima. Ou aqueles que são a minha nemésis taxística, os de Genebra, cujo preço - mesmo para a mais pequena das corridas - equivale à prestação de um automóvel novo.
Há dois anos tinha que ir para o aeroporto e fui com o Mohammed. Já tínhamos preparado a corrida, e combinado que ele me encontraria num sítio qualquer, não interessa, e o preço. Quando nos encontrámos faltavam-me dez ou quinze dirhams (em duzentos, creio), já não me lembro porquê, mas ele concordou em levar-me. Chegados ao aeroporto, viu que eu esvaziava a carteira para lhe pagar, e disse-me "não me dês tudo o que tens, guarda alguma coisa para ti, podes querer beber ou comer enquanto esperas pelo avião". Dei-lhe o dinheiro todo, claro, e guardei o número de telefone dele. Desta vez, telefonei-lhe para me vir buscar, e paguei-lhe com juros, muitos juros, os dez dirhams da outra.
O carro de Mohammed estava ainda pior do que há dois anos, claro, cheio de ferrugem e buracos - mas como ele me disse no caminho "não importa com o que vais, importa com quem vais". É uma grande verdade, Mohammed.
Os meus táxis favoritos, de longe, muito longe, são os do agora Congo, ex-Zaire. Aí importava com o que ias: os carros eram monumentos à engenharia ocidental (normalmente francesa), ao engenho dos proprietários, eram peças de arqueologia industrial, milagres em quatro rodas. Uma vez, em Kolwezi, entrei num cujo "depósito" de gasolina era um jerrycan de 5 litros colocado entre os pés do passageiro da frente. Os bancos eram as molas originais, suponho, com um cobertor por cima. Mal cheguei à cidade troquei de táxi, claro - para descobrir, duas horas e muitas andanças depois, que neste o "depósito" (igual) estava colocado no sítio da bateria, ao lado do motor (a bateria estava no porta bagagens, e os cabos atravessavam alegremente todo o veículo) - os bancos eram iguais, mas disso apercebi-me imediatamente, claro. Os sul-africanos pediram ao senhor para os deixar tirar fotografias, e ele deixou, orgulhoso.
Os chauffeurs de táxi zairenses são os melhores do mundo, qualquer que seja o critério pelo qual os avaliemos: têm uma cultura política equivalente à de futebol dos nossos - numa viagem de meia hora fica a saber-se quem é quem, quem é caro e quem não é, quem está com ou contra quem; e quantas vezes uma hora de conversa na praça com os personagens citados confirmou tudo o que o (ou, mais frequentemente, os) condutores interrogados nos tinham dito.
Mas não é só na política que eles são bons: desafio qualquer condutor do mundo a fazer mais quilómetros com uma dada quantidade de gasolina do que um chauffeur zairense - o que, para além das evidentes vantagens ambientais, dá origem à condução mais suave, menos abrupta, com menos solavancos que jamais me foi dado experimentar.
Na Rússia os táxis funcionavam como mini-autocarros - o preço era por pessoa, e não por trajecto. Andavam sempre cheios a abarrotar, claro. Frequentemente, o cheiro a álcool era tal que uma pessoa pensava que tinha entrado numa destilaria de vodka. Os chauffeurs eram brutos como as casas - mas um dia encontrei um com quem discuti Dostoievsky a viagem toda. Comprei-lhe os lugares todos do carro, para podermos falar à vontade, e no fim fomos beber um copo, os dois. Quando o deixei estávamos os dois perdidos de bêbedos - ele levou-me até ao porto gartuitamente, e não sei como o carro não saiu da estrada algumas cinquenta vezes, naquelas estradas geladas e cobertas de neve.
O mesmo princípio vigora nos "táxis co" da Martinique ("co" é a abreviatura de colectivo), mas aí a viagem é uma festa, com as pessoas a entrar e a sair de cinco em cinco metros, todo o mundo em animada discussão, incluindo o condutor; por vezes, no intervalo dos diálogos, ele até olha para a frente, e consegue sistematicamente evitar as cabras, galinhas, cães e gatos que se lhe atravessam à frente (os peões desviam-se sozinhos).
Pensei também nos táxis em que nunca andei: os chapas de Moçambique, por exemplo (uma vez contei vinte e sete pessoas, vinte e sete, num minibus de nove lugares, incluindo condutor). Enfim, exagero, talvez, mas se não eram tantas eram pouco menos: só nove ou dez estavam sentados nos sítios que os fabricantes tinham previsto para vidros e janelas, com as pernas para dentro e os rabos todos de fora, como sacos de batatas. Uma vez o Governo moçambicano resolveu implantar o respeito pelos sinais de trânsito e multar os condutores que passassem com o sinal vermelho. Foi o levantamento geral - um dos chauffeurs, numa entrevista à televisão, justificava a sua recusa perante tão bárbara e violenta regra dizendo, com uma convicção incomparável, "eles têm de perceber que nós estamos a trabalhar!"
Deixo de fora outros táxis, mais próximos, mas não menos exóticos: os de Londres, por exemplo, nos quais se tem a impressão de estar a ser conduzido por um chauffeur privado (nos cabs. Os minicabs são outra história, mais banal); os de Paris, que me fazem pensar nos seus colegas portugueses, com um pouco de patine em cima. Ou aqueles que são a minha nemésis taxística, os de Genebra, cujo preço - mesmo para a mais pequena das corridas - equivale à prestação de um automóvel novo.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.