Se há coisa que me fascina é o culto da desgraça. Sempre fiquei hipnotizado, por exemplo, pelas pessoas a quem se pergunta "Como está?" quando se encontram na rua e se põem a desenrolar uma lista de maleitas sem fim e sem fins à vista.
Hoje fui a uma padaria perto de minha casa onde só havia duas pessoas, para além de mim: a empregada e uma cliente. Contrariamente ao que é habitual, aquela (pouco menos de trinta anos, e pouco menos pelos nos braços do que eu - tenho poucos, bem sei, mas mesmo assim ainda tenho alguns...) explicava à cliente que era muito forte, a tal ponto que ia trabalhar mesmo com 40º de febre. Tomava um - segue-se o nome de uma combinação de comprimidos que não retive - e, presto, aí estava, pronta para o que desse e viesse. A cliente acenava a cabeça, genuinamente interessada.
Eu estava espantado: uma senhora que não sofre de maleitas e tem uma auditora interessada não é frequente, nos meios popularuchos que frequento.
Até que percebi; assim que acabou a saga da febre, a jovem mostrou um dedo e disse:
- Mas alto lá. Este dedo não dobra. Ora veja: não dobra - e fazia força naquele dedo com os da outra mão. - Fui operada três vezes em menos de seis meses. Na primeira o médico enganou-se; na segunda, acordei a meio da operação; na terceira vim de gatas até ao quarto andar, que era onde estava o meu quarto. E agora estou a ficar careca: entre a primeira operação e a segunda foi um mês, quase dois. E entre a segunda e a terceira foram três. E a anestesia... e... e...
Aquilo continuava, e continuava numa ritournelle sem fim, mas deixei de ouvir. A cliente acabou por se ir embora e entra nova cliente.
- A Senhora não-sei-quantas não está? Já não a vejo há dois dias. Está de férias?
- Ela não está - responde a nossa intrépida empregada. - Mas não é de férias: está a tomar conta da irmã que adoeceu, veja lá. No outro dia... depois chamou o médico... e depois veja lá... e agora não pode andar... e dói-lhe isto... e aquilo... e... e...
Tive que me vir embora. Mas acho que quem tiver uma perna partida ou, mesmo, vá lá, uma crise grave de depressão deve ir àquela padaria. Sai de lá curado.
Hoje fui a uma padaria perto de minha casa onde só havia duas pessoas, para além de mim: a empregada e uma cliente. Contrariamente ao que é habitual, aquela (pouco menos de trinta anos, e pouco menos pelos nos braços do que eu - tenho poucos, bem sei, mas mesmo assim ainda tenho alguns...) explicava à cliente que era muito forte, a tal ponto que ia trabalhar mesmo com 40º de febre. Tomava um - segue-se o nome de uma combinação de comprimidos que não retive - e, presto, aí estava, pronta para o que desse e viesse. A cliente acenava a cabeça, genuinamente interessada.
Eu estava espantado: uma senhora que não sofre de maleitas e tem uma auditora interessada não é frequente, nos meios popularuchos que frequento.
Até que percebi; assim que acabou a saga da febre, a jovem mostrou um dedo e disse:
- Mas alto lá. Este dedo não dobra. Ora veja: não dobra - e fazia força naquele dedo com os da outra mão. - Fui operada três vezes em menos de seis meses. Na primeira o médico enganou-se; na segunda, acordei a meio da operação; na terceira vim de gatas até ao quarto andar, que era onde estava o meu quarto. E agora estou a ficar careca: entre a primeira operação e a segunda foi um mês, quase dois. E entre a segunda e a terceira foram três. E a anestesia... e... e...
Aquilo continuava, e continuava numa ritournelle sem fim, mas deixei de ouvir. A cliente acabou por se ir embora e entra nova cliente.
- A Senhora não-sei-quantas não está? Já não a vejo há dois dias. Está de férias?
- Ela não está - responde a nossa intrépida empregada. - Mas não é de férias: está a tomar conta da irmã que adoeceu, veja lá. No outro dia... depois chamou o médico... e depois veja lá... e agora não pode andar... e dói-lhe isto... e aquilo... e... e...
Tive que me vir embora. Mas acho que quem tiver uma perna partida ou, mesmo, vá lá, uma crise grave de depressão deve ir àquela padaria. Sai de lá curado.
Era bom que fosse só nessa padaria, Luís, mas infelizmente é o pão nosso de cada dia neste país de hipocondríacos. Os portugueses ADORAM falar de desgraças.
ResponderEliminarComo diz a Ana, acontece em todo o lado, Luís. Até já os amigos estão contaminados. Como se não bastasse, estas conversas sobre doenças provocam-me tonturas, genuínas tonturas. Assim que o tema emerge, aí me agarro eu a uma parede ou a um sofá, a ver se me aguento… É um problema. Talvez, tal como há comprimidos contra o enjoo, também haja comprimidos contra conversas que provocam tonturas. :-)
ResponderEliminarLuís, não sei se apanhou o meu nome completo no comentário anterior: sou uma anónima um pouco despeitada que não está a aprender espanhol só na Hola!
ResponderEliminarAcrescento à identificação este despeitado :-( .
Cara Anónima um Pouco Despeitada que não Está a Aprender Espanhol só na Hola,
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário. Devo dizer-lhe que considero a Hola uma óptima revista - melhor que ela, só a Cosmopolitan, "Cosmo" para oa habituados (ou viciados, como eu).
A Hola tem uns artigos muitos interessantes - infelizmente, as fotografias são, em geral péssimas. Já na Cosmo isso não se passa: os artigos são apaixonantes - literalmente apaixonantes - e as fotografias feitas por profissionais.
Quanto às tonturas: experimente, quando estiver com tonturas, fazer uma tontice, ou duas. Vai ver que passa, é remédio santo, já a minha Margarida o dizia. Sobretudo se estiver agarrada ao sofá, ou à parede.
Volte sempre, querida despeitada-etc. Prometo-lhe que vou tentar reorientar as conversas deste pobre blog, coitado dele, pobre de mim.