- Não, querido, não é nada disso. Deixa-me explicar-te, por favor. - Estávamos num café pequeníssimo, apinhado de gente, com mesas tão perto umas das outras que eu conseguia ouvir as conversas de pessoas a três mesas da nossa, e não me apetecia nada ouvir ali o que ela me queria dizer. Mas Margarida era imparável. Quando apontava para norte era para norte que ia, acontecesse o que acontecesse. - Já te disse que não sou ciumenta, não disse?
- Sim. - A única solução, eu já a conhecia há muitos anos, era responder a todas as perguntas que ela me ia fazer, incluindo (sobretudo) as retóricas.
- E já te dissse também que não me importo nada que andes para aí a levar metade da cidade para a cama, não disse?
- Sim.
- E já te disse também que não precisas de me amar - ela separou bem as duas palavras: me - espaço - amar.
- Sim.
- Tudo o que eu preciso, é isso que tu não percebes, é de fazer amor mais vezes, bolas! - Os vizinhos da mesa ao lado olharam para mim. Eram um casal dos seus trinta anos, cujo olhar eu evitei cuidadosamente. - Não é difícil de perceber, pois não?
- Não.
- Então porque é que não queres ir mais vezes para a cama comigo? Não estás contente? Não gostas dos meus b... ? - os vizinhos olharam outra vez. Margarida vinha de uma família da alta burguesia do Norte, e nela o palavrão nunca estava muito longe da palavra.
- Gosto, querida. Mas já te disse mil vezes que...
- Que o quê? Fala mais alto, não estou a ouvir nada.
- Que eu não estou apaixonado por ti como tu estás por mim e...
- Fala mais alto, bolas, não percebo nada. Não precisas de te esconder, ninguém está a ouvir a nossa conversa. - Os sorrisos num raio de pelo menos 4 mesas desmentiam-na, mas ela não via nada, rigorosamente nada. Tinha uns olhos azuis muito bonitos, era alta e um nadinha demasiado magra para mim. Mas era bonita, muito bonita; e quando me fixava como agora, em que todo o resto do mundo desaparecia, eu quase cedia à tentação de me apaixonar por ela. Mas não queria: tenho quarenta e quatro anos, estou farto de decepções amorosas e de histórias que acabam mal. Não procuro mulheres: se elas quiserem, muito bem. Mas nos meus termos e condições - e uma dessas condições, a única verdadeiramente sine qua non é "vamos manter isto num plano puramente físico". Ponto final parágrafo. Físico. E para evitar deslizes, dores ambientes e tentações eu era, por assim dizer, parco, frugal, parcimonioso. Margarida pensava que eu tinha mais meia-dúzia de amantes, pelo menos, o que não era verdade. Era ela, só com ela. E muitas, muitas vezes tinha uma vontade dolorosa de a levar para a cama. Mas resistia - tanto, reconheço-o sem qualquer hesitação, por minha causa como dela.
- Margarida, eu não quero discutir isso aqui. Já te disse que gosto muito de ti, mas não estou pronto para uma relação amorosa, e tenho medo que se aumentarmos o ritmo dos nossos encontros nos venhamos a encontrar, os dois, num sítio onde eu não quero estar.
- Ó meu estúpido. Eu não te amo, não percebes? Eu não quero nenhuma relação amorosa. Eu só quero é ir para a cama mais vezes contigo, é tudo. Não vou ficar apaixonada por ti se me f... mais vezes. Tenho trinta e cinco anos anos! - Nâo tinha, eram quarenta, mas é verdade que parecia mais nova; e lera numa revista qualquer (provavelmente a Cosmopolitan, de que era leitora assídua), que os trintas eram a melhor idade de uma mulher. Por mais que eu lhe dissesse que não existe tal coisa, que a "melhor idade" é a que temos e basta sabermos aproveitá-la, ela não acreditava e insistia na ficção dos trinta anos. Além de que eu não acreditava no que ela me dizia: estava convencido - e ainda hoje estou, apesar de tudo o que aconteceu - que se nos víssemos mais vezes acabaríamos, inevitavelmente, apaixonados um pelo outro. E eu não queria - queria ser amigo dela, mas não queria mais confusões amorosas. E até hoje não consigo manter-me amigo de uma ex-namorada, ou ex-mulher (tenho duas) - a relação acaba, e um mês depois deixam de me responder aos telefones, de me falar, bloqueiam-me em tudo quanto é chat e e-mail.
- Desculpe interrompê-los - era um gajo que estava quase no extremo oposto do café, e que se aproximara sem que eu me apercebesse - mas deixo-lhe aqui o meu cartão de visita, para o caso de ele - olhou para mim com o sorriso mais sarcástico que vi até hoje - dizer que não.
- Vá-se embora, seu idiota - disse Margarida, ao mesmo tempo que eu me levantei e lhe enfiei um murro. O tipo da mesa ao lado, que levou com o idiota em cima, empurrou-o para o lado, levantou-se e atirou-se a mim; estava provavelmente despeitado, a mulher com quem ele estava era feia como uma passagem de peões numa noite de chuva. Margarida gritava e dizia-me para eu parar, mas a certa altura a confusão era geral e estava tudo à pancada, o café todo. Quando a polícia chegou foi a debandada total. Dei por mim no chão, com mesas a cairem-me em cima e a ser espezinhado, esmagado por toda a gente - e era muita, subitamente.
Voltei a mim na cama, com os dois braços engessados, um olho de tal maneira inchado que parecia a bola preta de um jogo de snooker, um joelho inoperacional "para pelo menos dois meses", disse-me o médico - e com Margarida a aproveitar a situação para me fazer felações muito devagarinho, muito lentas, como tinha lido na "Cosmo". E provocar-me erecções dementes para depois se sentar em cima de mim e se penetrar com o meu pénis entumecido de uma mistura de raiva, prazer e uma série de sentimentos que eu nunca consegui destrinçar.
- É a essa mistura que se chama amor, meu estúpido - disse-me na véspera de me tirarem os aparelhos que me suspendiam a perna direita, e depois de eu lhe dizer que queria casar-me com ela. Foi-se embora e nunca mais a vi, nem ouvi, nem lhe falei.
- Sim. - A única solução, eu já a conhecia há muitos anos, era responder a todas as perguntas que ela me ia fazer, incluindo (sobretudo) as retóricas.
- E já te dissse também que não me importo nada que andes para aí a levar metade da cidade para a cama, não disse?
- Sim.
- E já te disse também que não precisas de me amar - ela separou bem as duas palavras: me - espaço - amar.
- Sim.
- Tudo o que eu preciso, é isso que tu não percebes, é de fazer amor mais vezes, bolas! - Os vizinhos da mesa ao lado olharam para mim. Eram um casal dos seus trinta anos, cujo olhar eu evitei cuidadosamente. - Não é difícil de perceber, pois não?
- Não.
- Então porque é que não queres ir mais vezes para a cama comigo? Não estás contente? Não gostas dos meus b... ? - os vizinhos olharam outra vez. Margarida vinha de uma família da alta burguesia do Norte, e nela o palavrão nunca estava muito longe da palavra.
- Gosto, querida. Mas já te disse mil vezes que...
- Que o quê? Fala mais alto, não estou a ouvir nada.
- Que eu não estou apaixonado por ti como tu estás por mim e...
- Fala mais alto, bolas, não percebo nada. Não precisas de te esconder, ninguém está a ouvir a nossa conversa. - Os sorrisos num raio de pelo menos 4 mesas desmentiam-na, mas ela não via nada, rigorosamente nada. Tinha uns olhos azuis muito bonitos, era alta e um nadinha demasiado magra para mim. Mas era bonita, muito bonita; e quando me fixava como agora, em que todo o resto do mundo desaparecia, eu quase cedia à tentação de me apaixonar por ela. Mas não queria: tenho quarenta e quatro anos, estou farto de decepções amorosas e de histórias que acabam mal. Não procuro mulheres: se elas quiserem, muito bem. Mas nos meus termos e condições - e uma dessas condições, a única verdadeiramente sine qua non é "vamos manter isto num plano puramente físico". Ponto final parágrafo. Físico. E para evitar deslizes, dores ambientes e tentações eu era, por assim dizer, parco, frugal, parcimonioso. Margarida pensava que eu tinha mais meia-dúzia de amantes, pelo menos, o que não era verdade. Era ela, só com ela. E muitas, muitas vezes tinha uma vontade dolorosa de a levar para a cama. Mas resistia - tanto, reconheço-o sem qualquer hesitação, por minha causa como dela.
- Margarida, eu não quero discutir isso aqui. Já te disse que gosto muito de ti, mas não estou pronto para uma relação amorosa, e tenho medo que se aumentarmos o ritmo dos nossos encontros nos venhamos a encontrar, os dois, num sítio onde eu não quero estar.
- Ó meu estúpido. Eu não te amo, não percebes? Eu não quero nenhuma relação amorosa. Eu só quero é ir para a cama mais vezes contigo, é tudo. Não vou ficar apaixonada por ti se me f... mais vezes. Tenho trinta e cinco anos anos! - Nâo tinha, eram quarenta, mas é verdade que parecia mais nova; e lera numa revista qualquer (provavelmente a Cosmopolitan, de que era leitora assídua), que os trintas eram a melhor idade de uma mulher. Por mais que eu lhe dissesse que não existe tal coisa, que a "melhor idade" é a que temos e basta sabermos aproveitá-la, ela não acreditava e insistia na ficção dos trinta anos. Além de que eu não acreditava no que ela me dizia: estava convencido - e ainda hoje estou, apesar de tudo o que aconteceu - que se nos víssemos mais vezes acabaríamos, inevitavelmente, apaixonados um pelo outro. E eu não queria - queria ser amigo dela, mas não queria mais confusões amorosas. E até hoje não consigo manter-me amigo de uma ex-namorada, ou ex-mulher (tenho duas) - a relação acaba, e um mês depois deixam de me responder aos telefones, de me falar, bloqueiam-me em tudo quanto é chat e e-mail.
- Desculpe interrompê-los - era um gajo que estava quase no extremo oposto do café, e que se aproximara sem que eu me apercebesse - mas deixo-lhe aqui o meu cartão de visita, para o caso de ele - olhou para mim com o sorriso mais sarcástico que vi até hoje - dizer que não.
- Vá-se embora, seu idiota - disse Margarida, ao mesmo tempo que eu me levantei e lhe enfiei um murro. O tipo da mesa ao lado, que levou com o idiota em cima, empurrou-o para o lado, levantou-se e atirou-se a mim; estava provavelmente despeitado, a mulher com quem ele estava era feia como uma passagem de peões numa noite de chuva. Margarida gritava e dizia-me para eu parar, mas a certa altura a confusão era geral e estava tudo à pancada, o café todo. Quando a polícia chegou foi a debandada total. Dei por mim no chão, com mesas a cairem-me em cima e a ser espezinhado, esmagado por toda a gente - e era muita, subitamente.
Voltei a mim na cama, com os dois braços engessados, um olho de tal maneira inchado que parecia a bola preta de um jogo de snooker, um joelho inoperacional "para pelo menos dois meses", disse-me o médico - e com Margarida a aproveitar a situação para me fazer felações muito devagarinho, muito lentas, como tinha lido na "Cosmo". E provocar-me erecções dementes para depois se sentar em cima de mim e se penetrar com o meu pénis entumecido de uma mistura de raiva, prazer e uma série de sentimentos que eu nunca consegui destrinçar.
- É a essa mistura que se chama amor, meu estúpido - disse-me na véspera de me tirarem os aparelhos que me suspendiam a perna direita, e depois de eu lhe dizer que queria casar-me com ela. Foi-se embora e nunca mais a vi, nem ouvi, nem lhe falei.
Luís, gosto imenso destas suas histórias mais ou menos ousadas de final mais do que menos desconcertante. Eu a supor que o nosso protagonista era um desses sujeitos frios, indiferentes, defensivos e muito controlados, que exasperam todas as mulheres, e sai-me, afinal, um indivíduo frágil, sensitivo, manipulável e ansioso por se encaixar. Excelente quadro no seu «arrepiante» «volte-face». ;-D
ResponderEliminarLuísa,
ResponderEliminarpor trás desses sujeitos frios, defensivos, controlados esconde-se, não poucas vezes, um homem sensível, frágil, afectivo.
Já sobre o contrário me pergunto. Quem estará, o que haverá, por trás de cada pinga-amor?
Volta, que estás perdoado... já não leio a Cosmos, agora sou uma rapariga séria que só lê o Expresso e prometo nunca mais provocar pancadarias que te deixem de perna ao peito.
ResponderEliminarMarga, querida! De volta! Tu conseguiste transformar uma estadia no hospital nos melhores dias da minha vida (só não teria sido necessária tanta discussão, não achas?) - mas enfim, deixemos esses pormenores de lado. Esqueçamo-los. Volta.
ResponderEliminarTeu
Luis
PS - por favor continua a ler a "Cosmo", tem artigos interessantíssimos.
Ah, que alívio, Lu! Vou então a correr comprar a Cosmos ali ao quiosque, que já tenho saudades daquele consultório sentimental onde eu aprendia tantas coisas.
ResponderEliminarE talvez compre também a Hola para saber como anda o nariz da Letizia.
Que se lixe o Expresso, para intelectual bastas tu! Eu cá é mais bolos, e outras coisas começadas por bê a que tu dás um nome esquisito...
Tua Marga
(agora não te safas, prometeste que casavas comigo...)
Se prometi que casava contigo? Marga, eu prometi, claro, e o prometido é devido. Mas acho que estas decisões são importantes, não achas, querida?, e devem ser discutidas no sítio certo, e não naquele horroroso café de onde saí morto (felizmente, tu insuflaste-me a vida outra vez, se não não sei o que seria de mim).
ResponderEliminarVolta, vai lendo todas as Cosmo que encontrares - até podes manter aquele teu plano de a leres em espanhol para aprender essa língua e perceberes o que diz a Hola, não achas? - e vamos discutir, calmamente, os nossos planos futuros.
Teu Lu (o que eu a-do-ra-va, quando me chamavas assim... Lembras-te? E Lulu? Ah, que belos tempos passámos juntos, minha Marga, minha doce laranja aMarga)