16.3.09

Manifesto anti-vírgula

Devíamos fazer um manifesto anti-vírgula, um manifesto tão violento, tão virulento que fizesse o Anti-Dantas passar por uma apologia.

Abaixo a vírgula e viva o ponto e vírgula (e já agora também tenho dúvidas sobre o ponto final: nada é nunca final, nem a morte, como dizem o Nick Cave e o Bob Dylan ali em baixo, nada acaba nunca para sempre. Vejam lá por exemplo o latim, se está morto? Não está nada, nem o grego clássico nem alguns sorrisos que eu conheço nem mesmo a ideia de morte morre, nada morre. Tudo ressuscita sempre, todos ressuscitamos - mesmo a vírgula, e não o merece, porque a vírgula é uma cabra redonda, meio sorriso meio nada. Já o ponto e vírgula é claro, vê-se bem ao longe. A vírgula faz muito pior, sob aqueles ares de perene bonomia do que os pontos final, de exclamação e de interrogação juntos. A vírgula não merece nem uma linha, nem um período nem uma frase nem o olhar espantado e grato, por um décimo de segundo, de uma mulher apaixonada. A vírgula espalha-se pela frase toda e pensa que esta lhe deve obedecer, que é ela que dita o ritmo, ela que manda. Uma vírgula não merece nem uns parênteses, quanto mais um parágrafo! Uma vírgula ocupa espaço no papel que seria muito mais bem utilizado com silêncio, com um espaço em branco, com uma saída pela esquerda baixa. Devia poder apagar-se as vírgulas todas do mundo como se apagam números de telefone de uma memória, ou se rasgam as páginas de receitas do Público, ou se afogam dores em banheiras de adrenalina).

Claro que pior do que qualquer vírgula são as reticências, mas essas não merecem sequer ser mencionadas, pensadas, como se existissem. As reticências são uma ilusão de óptica! Uma ilusão tout court! Uma fraude intelectual doublée de fraude gramatical [obrigado Artur Portela Filho].

[Imaginem uma reticência composta por vírgulas: ,,, É como um barco lento, uma mulher a sorrir permanentemente, um homem apaixonado e impotente, um dia sem vento, uma costa sem falésias, um whisky sem sede, uma pele sem vontade, um livro sem letras. Abaixo a vírgula, abaixo. Morra. Pim. Fim.]

10 comentários:

  1. Anónimo19:31

    a vírgula é a pausa menor, ou se preferir a espera menor

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  2. É um argumento aceitável, mas insuficiente.

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  3. Anónimo19:43

    e as reticências indicam uma omissão do dizer

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  4. Anónimo20:11

    insuficiente? mas como eliminar as pausas menores? com traços? mas os traços não são pausas, como eliminar as pausas menores?

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  5. Haverá pausas menores? Não serão todas uma eternidade sem fim?

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  6. Eu gosto das vírgulas, Luís, porque sempre me disseram – e eu sempre achei que sim – que os melhores «condimentos» do prazer, qualquer prazer, são os pequenos intervalos… ;-D

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  7. Mas reticências de vírgulas, decididamente, não! :-)

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  8. Os intervalos, Luísa, são função do que intervalam. Pequenos vales entre grandes montanhas; pequenas chuvas entre dias de sol; pequenos calores entre manhãs frescas; pequenas calmarias entre grandes tempestades...

    Tal como na meteorologia, o que realmente conta são as relações entre os valores, e não os seus absolutos.

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  9. Anónimo19:41

    e o que acabou de escrever é tirado de que livro de auto-ajuda?

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  10. "Meteorologia emocional para depressivos crónicos"

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.