8.4.09

Luz

Há dias em que a luz do pôr-do-sol na Mouraria me dá vontade de lhe meter as mãos pelas casas e apalpar-lhes as fundações.

8 comentários:

  1. Também comigo, Luís, «há dias em que a luz do pôr-do-sol na Mouraria me dá vontade de lhe meter as mãos pelas casas» e afagar-lhes as janelas e as paredes e os telhados. ;-).

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  2. Será um mesmo sentimento que se exprime de formas diferentes, Luísa, ou dois sentimentos distintos?

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  3. Interessante pergunta com difícil resposta, Luís. Não sei bem dizer… Se forem sentimentos distintos – o que duvido - serão, em todo o caso, ambos positivos. :-)
    P.S.: Mas pressinto um ímpeto diferente. Há uma frase de Proust, que resume a evolução que a afectividade (senão o relacionamento com o mundo) sofre com o amadurecimento, mas que traduz, para mim, uma diferença de perspectivas, que pode perdurar para além desse amadurecimento. Numa dessas perspectivas – que ousaria atribuir ao Luís - «on pense à soi». Na outra – que talvez (talvez?) me atribuísse a mim - «on ne pense qu’à sortir de soi».

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  4. Se partirmos, Luísa, da ideia de que o sentimento é o mesmo (e sim, é positivo, mas isso é outro debate) penso que estamos perante uma manifestação de sensibilidades diferentes mais do que perante formas opostas da afectividade. Entre "apalpar as fundações" e "acariciar as janelas (...)" há uma diferença de grau, não de natureza.

    La légèreté - tout en étant plus agréable, ou plus facile à vivre par l'autre - est une forme de "penser à soi". Je dirais même qu'elle en est la forme par excellence.

    Il y a, évidemment, une autre lecture de la deuxième option, celle que vous vous attribuez, mais elle n'a fait qu'effleurer mon esprit, le traverser sans s'y arrêter. Car dans ce cas oui, nous serions devant deux sentiments distincts; et une légère, ineffable, insaisissable odeur de tragédie (dans le sens grecque du terme) traverserait alors ces belles colines, si sensuelles sous leurs lumières du couchant, et les yeux qui les regardent.

    Cela dit, j'aimerais bien retrouver la frase de Proust que vous citez - pouvez-vous me dire où la retrouver?

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  5. Luís, passo a provocação. Explico tudo, tudinho, mas na língua dos meus paizinhos, se não se importar.
    Vamos por parágrafos:
    § 1.º: Sim, os sentimentos são ambos positivos. Mas não sei se haverá uma diferença de grau, ou se uma diferente percepção do objecto, que conduz a diferentes manifestações do sentimento. (E aqui salto para o segundo parágrafo);
    § 2.º: «Penser à soi» (tal como o interpreto) não significa uma atitude ligeira, mas a percepção de que a emoção interior, pessoal, é, de alguma maneira, independente do objecto; ou que se pode obter a mesma emoção com diferentes objectos. A atracção pelo espectáculo crepuscular, lança o sujeito na procura de uma emoção, que obtém «apalpando as fundações», mas poderia, talvez, obter apalpando outra coisa qualquer…? ;-)
    § 3.º: «Ne penser qu’à sortir de soi» representa um estado mais «infantil», em que, nem as emoções valem por si ou estão bem identificadas, nem as coisas têm um carácter «fungível» face às emoções. O sujeito não procura uma emoção, mas uma identificação e, por isso, quer sair de si próprio em busca dela. A atitude deste sujeito é mais tímida – ou menos ousada e menos segura - na relação com os objectos.
    Neste ponto, impõe-se naturalmente que o Luís desvende a opção que apenas lhe aflorou o espírito – se for muito dura, pode fazê-lo em francês, que é uma língua macia. ;-)
    § 4.º: Esta frase, não sei bem se é uma frase-frase, se é uma frase-conclusão-de-um-raciocínio. Está no «À la recherche do temps perdu», e vou procurá-la. Na altura, tomei nota, porque o comum é considerar a dicotomia «pensar em si» versus «pensar nos outros» (egoísmo vs altruísmo). Mas esta apenas define momentos, impulsos. A dicotomia «pensar em si» versus «pensar em sair de si» (confiança vs insegurança identitária) pode, essa sim, definir fases da vida e até experiências e formas de estar nela. Digo eu… Mas, se calhar, digo asneira. :-)

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  6. Luísa,

    Não havia qualquer espécie de intenção provocadora na minha resposta; se parece ter havido, as minhas mais sinceras desculpas.

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  7. Luís, a provocação era forçar-me a responder em francês. Mas as minhas limitações são demasiadas. :-)

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  8. O francês "saíu-me", por causa da palavra "légèreté" - a tradução em português por "ligeireza" não me soava bem e por uma simples questão de preguiça switchei para o francês. (Não é tudo: na verdade às vezes apetece-me escrever em francês, e como já vi que a Luísa o fala não atribuí grande peso à opção).

    A minha hesitação estava correcta: o "penser à soi não é ligeiro no sentido de ser pouco pensado, ou pouco denso; mas no de não ser "pesadão", esmagador, obtuso. "Ligeireza" tem má imprensa em português, língua que se oferece pouco a subtilezas, nuances; associamo-la mais facilmente a falta de densidade do que a graça, habilidade, etc.

    Enfim, isto dito, e da mesma forma, não associaria o "penser à sortir de soi" a infantilismo. Mas devio agradecer-lhe a clarificação que faz dos dosi termso, porque não os tinha entendido dessa forma.

    O post exprime a relação quase erótica que tenho com a cidade (o DV está permeado de posts nesse sentido) e com a luz (idem).

    Hesitei bastante na palavra "apalpar" - a opção era, claro "acariciar". O que acabou por decidir a escolha foi exactamente o desejo de explicitar, tornar visível, a ausência de "ligeireza" naquela emoção: explicar-me-ia mal se lhe dissesse que queria falar de pornografia e não de erotismo, mas não andaria muito longe. Foi contudo uma escolha difícil e longa, devo dizer-lhe, por razões que não tinham só a ver com o texto :-).

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.