2.7.09

Henriette

I
Deixem-me começar por vos dizer a verdade: mal distinguia um joelho de um seio, uma narina de um umbigo. A anatomia feminina nunca foi, de todo, o meu ponto forte - aliás, poucas coisas me são (eram) mais indiferentes. E nunca comprei essa história da "ejaculação precoce". Uma ejaculação nunca é, não pode ser, precoce: ocorre quando ocorre e acabou-se. Eu, pelo menos, sempre me vim quando quero (mais ou menos quando estou farto, ou cansado). E nunca me preocupei muito com essa coisa do orgasmo feminino. Aliás, até tenho muitas dúvidas sobre a sua existência. Se em nós, homens, é tão raro, como é para elas? A mim só me aconteceu uma vez, uma senhora vir-se em cima de mim, mas ainda hoje estou na dúvida. Não sei bem o que era aquilo. Enfim, devo dizer que tão pouco me preocupava muito. No dia seguinte pu-la na rua, como sempre fiz com todas as senhoras que vieram para a cama comigo (e foram muitas, acreditem), e não liguei mais ao assunto.

Até que um dia conheci Henriette, e as minhas certezas começaram a vacilar (coisa de que não gosto nada, de passagem seja dito. Um homem vale pelas certezas que tem. Isso das dúvidas é para maricas). Porque o raio da mulher enfeitiçou-me completamente. E eu, que já vou com quase 40 anos, não tenho idade para feitiços.

Henriette não parava de me chatear com essa coisa dos orgasmos, e eu já não sabia o que lhe havia de fazer, ou dizer. Até que um dia tive de tomar uma resolução. Tínhamos acabado de copular e ela estava com o habitual ataque de raiva: «Estúpido!», gritava, enquanto me dava murros no peito (na verdade não era bem "estúpido" que ela dizia; era «connard!», mas a tradução é um bocado forte de mais). «Não podias ter esperado mais um bocadinho, imbecil?» Senti que tinha de lhe dizer alguma coisa, senão ela ia-se embora, mais certo do que eu chamar-me Augusto.

«Sabes, Henriette? Durante anos eu preocupei-me com o prazer das mulheres. Aliás só pensava nele. Fazia amor para elas, não com elas. Conhecia-lhes cada canto do corpo; não havia zona erógena que eu não estudasse, posição que não explorasse - sobretudo aquelas que vos davam mais prazer. Quando estava quase a acabar pensava na minha conta bancária, ou na última reunião com um credor, e lá conseguia continuar a coisa até muito para lá do meio-dia; esticava os preliminares até pelo menos ao segundo orgasmo. O corpo feminino não tinha segredos para mim».

Henriette olhava-me incrédula, muda - mas eu discerni uma pontinha de emoção naquele olhar e continuei o meu chorrilho. «Garanto-te, querida. Fazia tudo pelo prazer de uma mulher, e sempre deixei o meu para segundo lugar - ou terceiro, ou quarto. Mas agora, meu amor, já não quero dar prazer, percebes? Nem sequer tê-lo. Aliás, para te dizer a verdade toda, estou farto de mulheres. Farto. Agora só conta A Mulher. A (com as mãos, eu desenhava as letras em maiúsculas no ar). Tu.» Aqui fiz uma pausa. Acariciei-lhe um seio, dei-lhe um beijo na testa - tinha visto num filme e achado um bocado apaneleirado, mas enfim. Prossegui: «Só tu contas, agora. A técnica não é para aqui chamada. Tu és A Mulher. Que interessa um orgasmo, em tanto amor? Não te preocupes. Um dia ele virá. E tal como tu és A Mulher, terás O Orgasmo». Inspirei fundo e calei-me. Quase me tinha comovido a mim próprio.

Felizmente Henriette não me perguntou porque é que A Mulher não podia ter O Orgasmo (ou "um", que fosse) já, ou cada vez que copulávamos. Não: tinha os olhos baços; tremia, agarrava-se a mim e dizia «mon chéri. Mon chéri» (isto não traduzo: todos sabem o que quer dizer).

II
Ganhei alguns meses de calma. Até ela me ouvir contar o estratagema, tintim por tintim, a um colega de escritório. Nesse dia fez as malas e foi-se embora, sem uma palavra.

III
Agora não há livro erótico que não compre - livros de auto-ajuda (se assim se podem chamar); vejo programas de televisão; leio, sem me rir nem troçar, os artigos dos sexólogos nos jornais. Consigo distinguir a parte de trás de um joelho da da frente de um cotovelo; sei quando lhes mexer nas raízes dos cabelos ou mordiscar os dedos dos pés; até já sei como é o clitóris (aliás, estou convencido de que seria capaz de vencer a minha resistência a tocar-lhe com a língua. É possível). Comprei um gel para retardar a ejaculação (parece-me que funciona, mas como só o tenho experimentado sozinho não tenho a certeza - torna-se um boocadinho cansativo, aqui entre nós).

Todos os meus amigos - aqueles com quem discuto estes assuntos, claro - me dizem que é demasiado tarde. As mulheres são umas chatas: só por causa de uma mentirita inocente deixam de nos ligar e ooops, é como se desligassem um interruptor. Nunca mais. No outro dia comprei um livro chamado Cama Supra. Tem umas posições que eu nem sei, mas mandei logo um mail à Henriette, a perguntar-lhe se ela queria experimentá-las comigo. Voltou para trás, com uma mensagem de erro.

Enfim, isso são "as mulheres". A Henriette é diferente, e tenho a certeza de que voltará. Para esse dia vou-me preparando: revejo (em imaginação) todas as zonas erógenas das mulheres, refaço todos os exercícios que os livros aconselham. Aposto que a vou surpreender, quando ela voltar. Porque as outras não me interessam. Só ela. A Mulher. É a única que me compreende, que querem?

3 comentários:

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  2. Anónimo20:45

    "Enfim, devo dizer que tão pouco me preocupava muito. No dia seguinte pu-la na rua, como sempre fiz com todas as senhoras que vieram para a cama comigo (e foram muitas, acreditem), e não liguei mais ao assunto.
    POIS DIZ MUITO DE UM HOMEM, HÉLAS
    SOLANGE

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  3. Chère Solange,

    Très entre nous, je pense que vous devriez apprendre à lire avant de laisser des commentaires. C'est juste une suggestion, remarquez, dépourvue de la moindre insinuation.

    Luís

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.