3.3.10

Exo-respeito

Gosto mais de mulheres pretas que gosto delas brancas. É preciso começar por aqui. E naquele dia, derivado à conjunção da hora e da chuva, o 19 estava mais cheio do que o costume. Por aqui também. De maneira eu estava no meu lugar habitual, à frente, ao lado da máquina de tatuar bilhetes, como dizia a minha avó, coitada; entalado por tudo quanto era lado quando, a certa altura, uma mulher se atirou para cima de mim, "por via das portas a abrirem-se", explicou-me. Era preta e grande, como eu gosto. As brancas são só pele e osso e o que lhes falta em carne têm a mais nas ideias. Um bando de intelectualóides feministas, todas, que nem um broche sabem fazer (também é verdade que lhes faltam os lábios) - excepto uma que eu conheço que os faz uns muito bem feitos. Mas isso agora não interessa. "Desculpe", continuou a cavalona. Eu sentia-lhe as mamas grandes, gelatinosas, nos ombros e até aproveitei para dar um jeito e assim fiquei com o ombro mesmo no meio delas. "Não faz mal", respondi. "Estou a ver", disse ela, "até faz bem". "Muito", retorqui. Os outros que estavam ao meu lado não estavam a perceber nada da conversa, acho eu. Ainda bem. Ela sorriu-me, e eu sorri-lhe também.

Com a minha mão procurei a dela; ela deu-me. A partir daqui as nossas sortes ficaram seladas, como eles dizem na televisão. Saí na minha paragem habitual para ir trabalhar - quando isto começou era ajudante de talho num supermercado - e perguntei-lhe baixinho se ela queria vir. Ela disse "sim, quero" com a cabeça só e veio atrás de mim. É por isso que a primeira vez que fizemos amor foi na câmara frigorífica do supermercado, no meio das carcaças de vacas, ovelhas e cabritos que lá estavam para serem cortadas. Estou habituado ao frio, e a Etelvina era fornida de carnes, como já referi. Foi muito bom e até serviu para ela ficar a trabalhar lá no supermercado, porque quando acabámos ela disse-me que estava desempregada e precisava de um emprego e eu levei-a ao meu chefe que a levou à chefe dele e ela lá ficou nas limpezas do armazém, o que até calhava bem porque assim tínhamos o mesmo horário.

A Etelvina é muito grande e muito bonita e, sobretudo, carinhosa comigo. Eu gosto de carinho, de carícias, dessas coisas todas. Conversa dispenso, obrigado. Ela também, e é por isso que nos damos bem. Arranjei um sistema de trazer umas minis lá do supermercado sem ninguém saber (para além das que pago normalmente, está bem de ver); e a Etelvina traz sempre umas conservas escondidas nas mamas e na cinta. Até levamos uma boa vida, acho eu. Com o tempo fui sendo promovido: passei a ajudante do chefe do talho (adjunto do chefe) e ele já me deu a entender que quando se reformar me vai propor para o lugar dele. A Etelvina também, ainda mais depressa do que eu: agora chefia a equipe do trabalho nocturno. É chato por causa dos horários, mas o salário compensa - e qualquer dia ela está no turno do dia.

Ao princípio não desconfiei de nada, claro. Mas depois comecei a sentir qualquer coisa na maneira como os meus colegas olhavam para mim, e nos sorrisos entendidos que os surpreendia a fazerem uns aos outros. Resolvi tentar perceber. Eu não sou um tipo desconfiado, e nunca me passou pela cabeça que a Etelvina estivesse a fazer aquilo que vim a descobrir. Nem sei se conte, tanta é a vergonha. Aliás não me saiu da cabeça durante meses, até que um dia lá ganhei coragem para lhe falar no assunto. E é mesmo preciso coragem: ela é muito maior do que eu e tem pelo na venta.

Descobri muitas coisas, na realidade. E custou-me mesmo a aceitá-las, umas mais do que às outras. Derivado ao meu amor por ela fui-me habituando. Por muito que custe é verdade que as promoções e os cobres extra que entram sabem bem. A única coisa que continuava a aborrecer-me à séria era o que os meus colegas diziam nas minhas costas.

E como sempre quem me deu a solução foi ela: "porque é que não lhes dás  a entender que não só sabes tudo, como foi ideia tua?" disse-me uns meses depois daquela grande conversa em que eu descobri com quem é que estava casado. Assim fiz; e a verdade é que hoje todos me respeitam, lá no meu trabalho. Acabaram-se os sorrisos e o bichanar nas costas. Nunca mais consegui foi tocar na Etelvina, mas ela arranjou-me uma solução para isso também.

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