Uma pessoa pensa em poetas, coitados, e vêm-lhe imediatamente ao espírito a memória ridícula do poeta de Milan Kundera em "La Vie Est Ailleurs"; e a figura ligeira e confrangedora do poeta Alegre, um homem que tem tudo para que se goste dele - desde que não se goste de poesia e não se ligue ao que os políticos dizem. É uma injustiça que não nos ocorram, ou só raramente, figuras como as de Natália Correia, que é igualmente péssima poeta (enfim, nem sempre; às vezes era só medíocre, e outras vezes nem isso: quase boa) mas ao menos era Mulher com maiúscula.
Ontem, porém, conheci uma poeta, coitada; e foi um alívio. Restabeleceu-se um certo equilíbrio, importante: o dos géneros. A poeta anda, contou-me, angustiada. Não com as coisas que tradicionalmente angustiam as pessoas - dinheiro, o que comer no dia seguinte, como pagar à mulher a dias ou escolher entre a melhor combinação de um café, um jornal e um autocarro (é um problema real: nem o café nem o autocarro fazem sentido sem um jornal; mas o jornal sem um dos outros dois também não. Escolher a melhor combinação é difícil - o café e o jornal são mais baratos do que o jornal e o autocarro, mas depois vai-se a pé; o jornal sozinho não serve para nada se não para encher os sapatos de cocó de cão, a cara de nódoas negras e os ouvidos de insultos. Também se pode optar por nenhum dos três, claro; mas para quê? Que fazer mais com um bocadinho menos de três euros no bolso? Um drama) mas sim com os problemas que afligem os poetas: "serei reconhecida, amanhã?", perguntava-me enquanto me acariciava os testículos, coisa que fazia, ma parole, muito bem. "Continua assim e garanto-te que na minha descendência o serás até pelo menos à quinta geração", respondi. Mas ela estava preocupada e não ligou.
Tinha cabelos loiros e compridos, e o olhar vagamente vago que só as pessoas profundas e os artistas sabem ter. Era muito bonita e não me custou muito pô-la na cama - uma poeta bonita é um alvo do tamanho de uma roda de camião daqueles das minas a cinco metros: podemos adulá-la de muitas formas e feitios e ela pensa que todas são verdadeiras; o que me custou foi manter a conversa até um bocadinho antes de adormecer (depois de um bocadinho antes de adormecer já não é preciso muita conversa; meia dúzia de suspiros e umas palavras ininteligíveis chegam).
Fiquei, devo dizer, bastante sensibilizado para o problema do reconhecimento da poesia; mais do que ela para o do destino a dar ao dinheiro quando se tem menos de três euros no bolso, coisa que de resto acho justa pois as poetas - e aqui não se distinguem dos seus colegas masculinos - não se preocupam com coisas terrenas, sejam elas cafés, jornais ou autocarros.
A poeta - não me recordo o nome, mas lembro-me muito bem da comichão que os seus longos cabelos me faziam - a certas alturas da noite perdia o ar vago e profundo e eu deixava de pensar nas opções matinais de investimento. A coisa correu alegre e ligeira, forçoso é reconhecê-lo; e hoje de manhã, quando a acompanhei ao carro, ela ofereceu-se para me levar ao escritório: ou seja, vou conseguir fazer de conta que esta noite não existiu, e transpor para amanhã as escolhas de hoje. Que sorte.
Ontem, porém, conheci uma poeta, coitada; e foi um alívio. Restabeleceu-se um certo equilíbrio, importante: o dos géneros. A poeta anda, contou-me, angustiada. Não com as coisas que tradicionalmente angustiam as pessoas - dinheiro, o que comer no dia seguinte, como pagar à mulher a dias ou escolher entre a melhor combinação de um café, um jornal e um autocarro (é um problema real: nem o café nem o autocarro fazem sentido sem um jornal; mas o jornal sem um dos outros dois também não. Escolher a melhor combinação é difícil - o café e o jornal são mais baratos do que o jornal e o autocarro, mas depois vai-se a pé; o jornal sozinho não serve para nada se não para encher os sapatos de cocó de cão, a cara de nódoas negras e os ouvidos de insultos. Também se pode optar por nenhum dos três, claro; mas para quê? Que fazer mais com um bocadinho menos de três euros no bolso? Um drama) mas sim com os problemas que afligem os poetas: "serei reconhecida, amanhã?", perguntava-me enquanto me acariciava os testículos, coisa que fazia, ma parole, muito bem. "Continua assim e garanto-te que na minha descendência o serás até pelo menos à quinta geração", respondi. Mas ela estava preocupada e não ligou.
Tinha cabelos loiros e compridos, e o olhar vagamente vago que só as pessoas profundas e os artistas sabem ter. Era muito bonita e não me custou muito pô-la na cama - uma poeta bonita é um alvo do tamanho de uma roda de camião daqueles das minas a cinco metros: podemos adulá-la de muitas formas e feitios e ela pensa que todas são verdadeiras; o que me custou foi manter a conversa até um bocadinho antes de adormecer (depois de um bocadinho antes de adormecer já não é preciso muita conversa; meia dúzia de suspiros e umas palavras ininteligíveis chegam).
Fiquei, devo dizer, bastante sensibilizado para o problema do reconhecimento da poesia; mais do que ela para o do destino a dar ao dinheiro quando se tem menos de três euros no bolso, coisa que de resto acho justa pois as poetas - e aqui não se distinguem dos seus colegas masculinos - não se preocupam com coisas terrenas, sejam elas cafés, jornais ou autocarros.
A poeta - não me recordo o nome, mas lembro-me muito bem da comichão que os seus longos cabelos me faziam - a certas alturas da noite perdia o ar vago e profundo e eu deixava de pensar nas opções matinais de investimento. A coisa correu alegre e ligeira, forçoso é reconhecê-lo; e hoje de manhã, quando a acompanhei ao carro, ela ofereceu-se para me levar ao escritório: ou seja, vou conseguir fazer de conta que esta noite não existiu, e transpor para amanhã as escolhas de hoje. Que sorte.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.