11.6.10

Tânia

"Meio whisky? Mas eu tenho cara de quem bebe meio whisky? Eu não bebo meios, pá; eu bebo duplos, a cair para o triplo". O empregado do bar estarreceu. A miúda era um taco de pia, cara angélica e cabelo em rabo de cavalo - mas falava com uma voz grossa, cavernosa, rouca.

Há coisas que na infância nos parecem importantes. Depois crescemos e deixam - na sua esmagadora maioria - de o ser. Viver é isso, imagino: trocar coisas importantes por outras mais importantes ainda. Mas a troca nunca é total: há partes da infância que nunca desaparecem de um homem, como um escaldão depois de um dia de sol.

O meu fascínio por vozes roufenhas; ou os olhos em amêndoa: quando era miúdo o meu pai lia-me passagens da Peregrinação (nas noites em que estava em casa - a maioria) e quando Fernão Mendes Pinto chegou à Ásia puxava os cantos dos olhos para trás; desde aí os olhos das orientais queimam-me. Enfim.

E depois? Que tem tudo isto a ver com a gaja pequena, chinesa, ou japonesa ou coreana ou coisa daí com voz de sax baixo furado? E que tem isto a ver com uns calções de banho encarnados que tenho vai para vinte anos (nunca deito fora as coisas; são elas que me deitam fora)?

Que tem isto a ver com a infância? Nada.

Que tem isto a ver com calções de banho encarnados que tenho vai para vinte anos?

II

"Que se foda a infância". Que se fodam as trocas; que se foda crescer.

III

Estou na praia com uma chinesa de Macau chamada Tânia em cima de mim e já não caibo nos calções de banho encarnados. Ela diz "fode-me" com uma voz de fazer o Louis Armstrong passar por castrato. Tem um  bikini minúsculo que afasta para o lado para me provocar. Rapou os pelos púbicos, vulgo pentelheira, e o efeito é garantido (não por causa da ausência de pelos, mas do contraste de cores).

A relação deve ser essa: o cor-de-rosa da cona que ela me mostra quando afasta o bikini; uma voz que me faz lembrar a minha mãe; as idas à praia familiares em que, depois do almoço, os meus pais se fechavam na barraca e toda a praia ouvia "schiu!" durante meia-hora. E eu ficava encarnado da cor dos calções que hoje uso para dizer "sim".

La boucle est bouclée, como dizem os franceses e os que falam a língua deles.

IV

A única coisa com a qual a infância não tem nada a ver é com uma chinesa em cima de mim a dizer "come-me" e a afastar as bordas do bikini para o lado numa praia qualquer da linha de Cascais, cheia de tias para quem o cúmulo do erotismo é suspirar quando acabam de foder. Ou levantarem leve e sugestivamente o cu, quando querem mais.

Pouco me importa. Sou o que sou, sensível a sons roufenhos e a conas cor-de-rosa, sobretudo se contrastados com uma pele escura.

V

"Isto é amor", dizia ela. "É isto o amor", insistia. Antes de adormecer apercebi-me de uma senhora negra, nua, à minha frente. Mas não sei se foi uma visão, uma memória, ou uma ilusão de óptica. Adormeci depois da foda mais alucinante da minha vida, tântrica antes de conhecer o termo, e a coisa.

(Cont.)

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