Nunca gostei muito de mim; e essa é, parece-me, uma receita infalível - se bem não, provavelmente, a única - para se ser infeliz. Verdade seja dita que pouco há de que possa gostar: altíssimo, magro até ser desengonçado, com cabelos indomáveis e impenetráveis, uns olhos muito salientes... Enfim, pouco importa. A minha mãe sempre me disse que nos homens a beleza não é fundamental, e dava-me o exemplo do Gainsbourg. Ganhei-lhe (ao Gainsbourg, não à minha mãe) um asco que ninguém imagina: ele tinha talento, porra; eu não. Além de que para os músicos modernos tudo é mais fácil; eu sou percussionista numa orquestra clássica, especializada na música da renascença. Mais vale dizer-vos que se tocar duas vezes num concerto já é muito. Exagero, eu sei. E a orquestra onde toco não é uma qualquer, é a mehor do país. Para lá entrar tive que passar um sem-fim de provas. Mas isso tudo que importa?
Bem sei que se mudasse para uma especializada em medieval tocaria muito mais; ou em romântica.
Bem sei que se mudasse para uma especializada em medieval tocaria muito mais; ou em romântica.
(Cont.)
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.