13.1.11

GP - breve auto-descrição em poucos parágrafos

Este post é uma breve auto-crítica, inspirada nas minhas experiências (falhadas, todas elas) como gestor português (GP). Ao fim do décimo quinto falhanço fiz uma análise sobre as suas (deles, falhanços) razões e cheguei a estas conclusões. Perdoem-me a generalização: a verdade é que me apercebi que não estava sozinho na minha desgraça; e, sobretudo, que aquilo que me distingue dos outros GP é o nível dela (desgraça), e não, ao contrário do que sempre pensei, a sua constante presença em mim e ausência nos outros. Claro que a maior parte destas características não são exclusivas dos gestores, nem dos portugueses; mas o post é dedicado ao gestor português tal como fui e o vejo.

Note-se que para se ser um bom GP deve ter-se estas características todas simultaneamente. Um GP que tenha apenas algumas delas não passa de um GP suficiente, ou de medíocre se tiver só uma ou duas.

Erro
A primeira característica do gestor português, que o distingue de muitos outros é a relação com o erro.

Quando se aponta um erro a um GP ele toma aquilo como uma afronta pessoal, uma crítica essencial à sua excelsa e intocável pessoa. E defende-se, claro: "não foi um erro porque..." e desfia um rosário de argumentos para demonstrar que tem razão.

Ora os erros são inevitáveis (toda a gente os comete, menos o Papa e a Palmira Silva - [andam sempre juntos, no meu espírito]), cometidos de boa fé - um erro voluntário não é um erro - e, sobretudo, são uma inesgotável fonte de aprendizagem. Reconhecer um erro permite-nos não só evitar repeti-lo mas também, e sobretudo, aprender a evitar outros, pois diz-nos bastante sobre nós próprios. O GP não comete erros, portanto não os pode analisar, e está condenado a repeti-los.

Custos
Outra característica do GP é a sua mais do que legítima preocupação com os custos. O GP corta os custos todos que pode. Por vezes a poupança de meia dúzia de cêntimos custa-lhe largos milhares de euros, mas isso o GP não vê, pela razão exposta no parágrafo anterior.

Pessoal
O GP sabe tudo; e o que não sabe aprende em três artigos de jornal e duas conversas de café. Não vai, claro, gastar dinheiro (cf. "Custos") a aprender, e muito menos a contratar pessoal que saiba. Alguém que sabe é caro, naturalmente - e, sobretudo, inútil, pois se o GP não comete erros, para quê contratar quem, inevitavelmente, os vai fazer?

Para o GP, a única área de conhecimento verdadeiramente profunda e complexa é a que ele próprio e eventualmente, se for caso disso, o pai estudaram. Todas as outras são coisas pouco relevantes, que num piscar de olhos ele conseguirá absorver.

Empatia
A capacidade de empatia de qualquer GP é zero, por várias razões; a principal sendo que o mundo do GP é uma pirâmide da qual ele ocupa o topo; todos os outros habitantes dessa pirâmide estão, portanto, debaixo dele - e sentir empatia por quem quer que seja que seja hierarquicamente inferior arrasta imediatamente os parentes do GP para a lama.

Alguns GP, poucos, reconhecem que há outras pirâmides por esse mundo fora e escolhem uma de duas reacções possíveis: ou vêem que as outras pirâmides também têm um GP sentado no topo, e fazem o que podem para se darem com ele (pode sempre vir a ser útil e não é caro, apesar de o outro fazer de vez em quando alguns erros); ou pensam que essas pirâmides são ilusões de óptica e tratam-nas como tal.

Risco
Muita gente pensa que ser gestor é gostar do risco, apreciá-lo, medi-lo, e de vez em quando correr alguns riscos, ou tomar decisões arriscadas.

Está, qualquer GP lhes explicará, redondamente enganada. O risco é para os totós dos americanos ou dos ingleses. Um GP pura e simplesmente não corre riscos e só investe em coisas seguras - pouco, e com o apoio do Estado. O apoio do Estado está para o GP como o Papa para a Palmira Silva [ooops, lá vai outra vez. Sorry].

Decisão
Tal como o risco, muita gente pensa que se escolhe ser gestor porque se gosta de tomar decisões. Isso é verdade em alguns países cujos gestores são, nunca é de mais lembrá-lo, totós - Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Suiça - mas não para o nosso glorioso GP.

Tomar uma decisão rapidamente é reconhecer à realidade a força que ela tem, e na pirâmide do GP não há lugar para "realidades"  (entre aspas, pois realidade é uma coisa confusa que só existe noutros países. Em Portugal a realidade chama-se Estado, nuns casos, ou "eles" noutros, mais numerosos). O GP mostra a sua grandeza, a sua categoria, a sua divina qualidade não tomado decisões. Elas que se tomem a si próprias, se quiserem.

Comunicação
O GP comunica bastante - com a mulher, a amante, a oficina do BMW e com os amigos sobre futebol. Todas as comunicações provenientes da parte da pirâmide que não é ocupada por ele são descartadas, porque inúteis ou redondantes.

Visão
Apesar de bastante viajado - todos os anos vai "à neve", ao Nordeste e já foi uma vez à República Dominicana - o GP tem uma visão bastante local da sua actividade. Qualquer GP decente e normal ignora pura e simplesmente que há um mundo para lá do Guadiana (há excepções, claro - os que estendem os limites do mundo até aos Pirinéus; e os que se lembram, em fugazes lampejos, que Angola já não é nossa).

Em termos temporais, a visão do GP está limitada ao próximo jogo do seu clube de futebol. Até lá é uma eternidade; depois, é a eternidade.

Receios
O GP não tem medo de nada; armado com a sua infalível sabedoria, cortando custos como D. Afonso Henriques cortava cabeças, com uma visão claríssima daquilo que vai fazer nos próximos 5 minutos, protegido do risco como um rinoceronte dos mosquitos, só há uma, uma só coisa que o GP teme: a megalomania.

Para um GP a megalomania é o pecado capital: pensar grande, olhar para o futuro, arriscar, tomar decisões, ouvir as pessoas, formar equipas para concretizar um projecto são inequívocos sintomas de megalomania, e convem abrigar-se deles ASAP (esqueci-me de dizer que o GP fala um perfeito inglês comercial - o técnico fica para os PP, tema que em breve abordaremos). 

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