14.2.11

À flor da pele

As pessoas dizem que têm os sentimentos à flor da pele mas não têm. São palavras, só palavras. Tenho vontade de ti, por exemplo, é uma expressão composta por palavras. Bonita, sem dúvida: tenho vontade de ti, toda tu e não apenas uma parte de ti, seja a parte qual for. Quero-te toda e ao mesmo tempo. Sentimentos? Não: palavras.

Os sentimentos nunca têm pressa, contrariamente às palavras, que por vezes parecem uma matilha de cães selvagens. Para um cinófilo há um sentido – isto é, uma beleza – nas palavras que os cães ladram; para mim a beleza está nas palavras por detrás das quais se escondem os sentimentos. Ou que, por vezes, largam a correr à desfilada e param todas à porta da pele, à flor da pele (ou, noutros contextos, à flor d'água).

Os sentimentos não estão nunca à flor de coisíssima nenhuma, e nunca têm vontade de ninguém.

Os românticos acreditavam que as palavras são a face visível dos sentimentos, ou que estes nasciam (e desaguavam) nessa coisa mítica chamada natureza, ou que os sentimentos... tretas, meu amor. Palavras. Só palavras.

E às vezes uma pele, à flor das palavras.

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