Ainda moro no Marin, debaixo de um arco ao lado da farmácia. Tu não viste, mas o Marin é um pequeno porto de recreio e de pesca no sul da Martinique. É uma vila simpática, que começa e acaba por dois supermercados, um em cada extremidade; entre eles há um cemitério, uma igreja e, claro, a marina, que é a sua razão de ser.
À noite sou devorado vivo pelos mosquitos – habitualmente, mas não sempre, tenho o corpo coberto de pústulas mais ou menos sanguinolentas; de dia mendigo à porta dos supermercados e bebo punch no Marché Couvert. Ocasionalmente uma carteira parace-me nas mãos, vinda de não sei onde. Tenho sorte: estão sempre bem recheadas. A Irene, uma vendedora de bebidas artesanais e de especiarias, encarrega-se de as seleccionar; o resto é obra do acaso.
Uma ou duas vezes por mês faço a barba, tomo um duche na Capitania, cubro-me de uma mistura de Bepanthène e um creme para as picadas dos mosquitos, visto-me como um africano e vou para Fort-de-France. Ninguém me conhece ou reconhece – cruzo muitas vezes caras conhecidas do Marin. Felizmente as pessoas olham mas não vêem; é-me portanto fácil passar, totalmente incógnito, alguns dias de férias. Fico invariavelmente no hotel L’Impératrice, que está bem situado e tem um bar agradável ao fim da tarde. O barman conhece bem os meus gostos até encomendou uma garrafa de rum El Dorado 15 anos para mim.
As minhas escapadelas a Fort-de-France duram três, quatro dias – o tempo de deixar a barba crescer outra vez. Penso (enfim, tenho a certeza, fiz testes) que a barba é mais importante para a minha profissão – sim, mendigar é uma profissão, e bastante exigente – do que as feridas, por exemplo.
Se eu quisesse saberia há quanto tempo tu me deixaste. Se eu quisesse seria feliz. Ainda tenho no banco o dinheiro da venda do barco e em Fort-de-France sou muitas vezes o alvo de um olhar, ou dois.
Mas não quero, ainda não. O meu futuro está delineado. Só me falta o seu calendário. É como um mecanismo de rodas dentadas às quais faltam os dentes, o meu futuro. Ainda bem. Walser, na Rosa, diz “nostalgia é quando não sabemos para onde queríamos ir”. Eu sei muito bem para onde quero ir – só não sei quando, é tudo. Não preciso de nostalgia para nada.
Tu partiste há alguns anos, suponho. É difícil dizer porque neste país nunca faz frio. As estações definem-se pelo calor ou pela falta de vento, o que não se coaduna bem com a infelicidade. Um dia lembrar-me-ei de quando te foste; e sobretudo, porquê. Nesse dia tudo retomará o seu caminho e a nostalgia será, definitivamente, enterrada no cemitério, ao teu lado.
À noite sou devorado vivo pelos mosquitos – habitualmente, mas não sempre, tenho o corpo coberto de pústulas mais ou menos sanguinolentas; de dia mendigo à porta dos supermercados e bebo punch no Marché Couvert. Ocasionalmente uma carteira parace-me nas mãos, vinda de não sei onde. Tenho sorte: estão sempre bem recheadas. A Irene, uma vendedora de bebidas artesanais e de especiarias, encarrega-se de as seleccionar; o resto é obra do acaso.
Uma ou duas vezes por mês faço a barba, tomo um duche na Capitania, cubro-me de uma mistura de Bepanthène e um creme para as picadas dos mosquitos, visto-me como um africano e vou para Fort-de-France. Ninguém me conhece ou reconhece – cruzo muitas vezes caras conhecidas do Marin. Felizmente as pessoas olham mas não vêem; é-me portanto fácil passar, totalmente incógnito, alguns dias de férias. Fico invariavelmente no hotel L’Impératrice, que está bem situado e tem um bar agradável ao fim da tarde. O barman conhece bem os meus gostos até encomendou uma garrafa de rum El Dorado 15 anos para mim.
As minhas escapadelas a Fort-de-France duram três, quatro dias – o tempo de deixar a barba crescer outra vez. Penso (enfim, tenho a certeza, fiz testes) que a barba é mais importante para a minha profissão – sim, mendigar é uma profissão, e bastante exigente – do que as feridas, por exemplo.
Se eu quisesse saberia há quanto tempo tu me deixaste. Se eu quisesse seria feliz. Ainda tenho no banco o dinheiro da venda do barco e em Fort-de-France sou muitas vezes o alvo de um olhar, ou dois.
Mas não quero, ainda não. O meu futuro está delineado. Só me falta o seu calendário. É como um mecanismo de rodas dentadas às quais faltam os dentes, o meu futuro. Ainda bem. Walser, na Rosa, diz “nostalgia é quando não sabemos para onde queríamos ir”. Eu sei muito bem para onde quero ir – só não sei quando, é tudo. Não preciso de nostalgia para nada.
Tu partiste há alguns anos, suponho. É difícil dizer porque neste país nunca faz frio. As estações definem-se pelo calor ou pela falta de vento, o que não se coaduna bem com a infelicidade. Um dia lembrar-me-ei de quando te foste; e sobretudo, porquê. Nesse dia tudo retomará o seu caminho e a nostalgia será, definitivamente, enterrada no cemitério, ao teu lado.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.