3.5.11

Na mão de demónios imperfeitos

Quando acordei não sabia onde estava. Sonhei contigo - tinhas publicado um texto no Expresso no qual me citavas; circulávamos por Lisboa no teu automóvel potente, daqueles que sabem que o dono está a chegar; e deixavas-me num sítio qualquer para que eu voltasse para casa. No sonho falaste-me do teu amor por automóveis potentes e pelo poder (de que, esclareceste, a potência não passa de um ersatz).

O texto era ilustrado por uma fotografia que um dia, se me lembrar, farei: um vaso de flores pendurado no alto de um muro de jardim, antigo, espesso, sólido; uma esquina e o vaso de flores lá pendurado, sozinho, alto e no lado interior do muro.

Deixaste-me na avenida das Forças Armadas. "Fico aqui", disse-te. "De qualquer forma não sei para onde ir, não sei onde moro".

Lembro-me do teu nariz um bocadinho arrebitado, desenhado para farejar o poder, apreciar a potência e não se deixar iludir nem por um nem pela outra. As luzes traseiras do carro desapareceram avenida acima. Fiquei na esquina a rever a imagem do vaso de flores e a tentar reconstituir outra imagem, dos teus seios na minha cama. "Nunca mais as verei, nem uma nem outra".

Acordei sem saber onde estava. Os sonhos complexos deixam-me assim, desapoiado.

Revejo-te agora perfeitamente: sentada na minha cama, os braços à volta dos joelhos, pernas ligeiramente entreabertas, as mamas lindas, poderosas, feitas para mãos poderosas; os pelos púbicos curtos, tratados com gosto. Tudo em ti era simples e linear: "não gosto do meu marido, mas gosto de automóveis potentes e de homens poderosos. Tudo o resto são sonhos, e uma mulher não vive de sonhos".

Eu tenho poder, repara: o de não ter onde cair morto; o de não saber onde vivo; o de não saber onde acordo, ou onde estarei amanhã, se amanhã for muito longe. Mas esse é um poder que tu não entendes.

Obrigado pela citação no Expresso.

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