Então foi assim (não sei se foi assim se foi de outra maneira, mas se foi de outra maneira não poderia começar com então foi assim, e foi assim que a história começou):
Eu vinha na rua, para a pensão onde durmo quando não tenho insónias e não durmo quando as tenho; trabalhei um bocadinho à tarde, mas foi um trabalho leve, agradável como fazer amor no campo à sombra. E o Waterfront, um bar que fica no primeiro andar de um edifício sem qualquer interesse mas é giro (o bar, não o edifício) atravessou-se-me à frente e disse-me "vem beber um copo". "Não vou, tenho esta roupa toda para lavar" e apontei para o fato de oleado, a polar e os sapatos de mar que tinha aos ombros. Ia lavá-los no Reef Gardens, que é o nome da tal pensão. Tem um jardim muito bonito, com vista para a baía e grandes mesas brancas, e um honour bar onde se pode beber o que se quiser (desde que haja o que se quer, o que não costuma ser o caso e nesse caso mais vale querer o que há).
O Waterfront não desistiu e pôs-te à varanda a acenar-me. Não vale dizer que não eras tu, vi-te perfeitamente a acenar-me e a dizer-me "vem beber um copo" e eu disse "não, tenho a roupa de mar para lavar" e vai daí tu desceste e vieste comigo para o Reef Gardens, que tem alguns quartos com ventoinhas e outros com ar condicionado e um jardim enorme com grandes mesas brancas distribuídas um pouco ao acaso.
Depois foi só estender a roupa em cima de uma das mesas, abrir a mangueira e lavar aquele sal todo e ver-te partir com ele, e ver-te chegar como ele me chegou, às vagas e vagas, de dia ou de noite sempre às vagas como te vi quando tu chegares, qualquer dia.
Foi assim, não podia ter sido de outra maneira: tu às vagas e eu submerso em ti, cheio de sal.
És a minha vaga e o meu sal; sem ti as coisas não se passam assim, passam-se de outra maneira. Mas prefiro ver-te alcandorada na varanda do Waterfront a dizer-me "vem beber um copo" do que não te ver; e prefiro ter-te ao meu lado quando lavo a roupa de mar ao fim da tarde no jardim que dá para a baía na qual o dia se escoa como areia infantil numa peneira finíssima, como areia numa ampulheta que mede o tempo que falta até tu chegares, como areia que se mete em tudo o que sou eu, como areia que se me agarra à pele e não me larga, como sal na roupa e na pele e mesmo um bocadinho que passou cá para dentro e agora tenho-te a ti até nos ossos, e ao sal.
Ainda bem que as coisas se passam assim e não de outra maneira.
(Para a T., com muito sal)
Eu vinha na rua, para a pensão onde durmo quando não tenho insónias e não durmo quando as tenho; trabalhei um bocadinho à tarde, mas foi um trabalho leve, agradável como fazer amor no campo à sombra. E o Waterfront, um bar que fica no primeiro andar de um edifício sem qualquer interesse mas é giro (o bar, não o edifício) atravessou-se-me à frente e disse-me "vem beber um copo". "Não vou, tenho esta roupa toda para lavar" e apontei para o fato de oleado, a polar e os sapatos de mar que tinha aos ombros. Ia lavá-los no Reef Gardens, que é o nome da tal pensão. Tem um jardim muito bonito, com vista para a baía e grandes mesas brancas, e um honour bar onde se pode beber o que se quiser (desde que haja o que se quer, o que não costuma ser o caso e nesse caso mais vale querer o que há).
O Waterfront não desistiu e pôs-te à varanda a acenar-me. Não vale dizer que não eras tu, vi-te perfeitamente a acenar-me e a dizer-me "vem beber um copo" e eu disse "não, tenho a roupa de mar para lavar" e vai daí tu desceste e vieste comigo para o Reef Gardens, que tem alguns quartos com ventoinhas e outros com ar condicionado e um jardim enorme com grandes mesas brancas distribuídas um pouco ao acaso.
Depois foi só estender a roupa em cima de uma das mesas, abrir a mangueira e lavar aquele sal todo e ver-te partir com ele, e ver-te chegar como ele me chegou, às vagas e vagas, de dia ou de noite sempre às vagas como te vi quando tu chegares, qualquer dia.
Foi assim, não podia ter sido de outra maneira: tu às vagas e eu submerso em ti, cheio de sal.
És a minha vaga e o meu sal; sem ti as coisas não se passam assim, passam-se de outra maneira. Mas prefiro ver-te alcandorada na varanda do Waterfront a dizer-me "vem beber um copo" do que não te ver; e prefiro ter-te ao meu lado quando lavo a roupa de mar ao fim da tarde no jardim que dá para a baía na qual o dia se escoa como areia infantil numa peneira finíssima, como areia numa ampulheta que mede o tempo que falta até tu chegares, como areia que se mete em tudo o que sou eu, como areia que se me agarra à pele e não me larga, como sal na roupa e na pele e mesmo um bocadinho que passou cá para dentro e agora tenho-te a ti até nos ossos, e ao sal.
Ainda bem que as coisas se passam assim e não de outra maneira.
(Para a T., com muito sal)
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.