12.2.12

Diário de bordos - Fortaleza, Ceará, Brasil,12-02-2012

Chega-se ao Brasil e muda-se de mundo, de língua; aparecem os sorrisos. Mas não se muda de tempo: o conceito de que as pessoas podem ter mais que fazer, ou querer fazer mais do que esperar numa bicha para os passaportes (2 funcionários para as chegadas internacionais, num aeroporto como o de S. Paulo, é obra; e mais obra ainda é um deles ausentar-se tranquilamente do seu guichet e ir-se embora com um sorriso), para um café, para mudar um bilhete, para o que qur que seja é tão estranha aqui como em Antigua, Portugal ou na maioria dos países africanos. Há tempo; há sempre tempo, nunca se esgota.

Tomara a minha paciência fosse igual. Não é, mas pelo menos aprendi (já há algum tempo, é certo; tanto que por vezes esqueço-me do que aprendi) a não exteriorizar a impaciência, o que já é um progresso notável.

Não gosto de Fortaleza, já por aqui o devo ter dito; a verdade é que não gosto do Brasil e Fortaleza parece-me um condensado, pior do que Salvador; a qual tem pelo menos a graça de ter graça, ser linda e ter história, histórias. Fortaleza é um amontoado de arranha-céus milionários frente ao mar (para onde, de resto, descarregam os esgotos directamente. Não sei se as pessoas que compram os apartamentos por milhões de reais tomam banho na sua própria merda, mas duvido) e de barracas, ou quase barracas, por trás. Talvez devido ao clima as ruas têm pouquíssima vegetação.

Há uma coisa de que gosto: a Beira-mar. Seis quilómetros de passeio, que percorro de manhã cedo, eu e bastante mais gente; alguns andam, outros correm, pedalam, patinam (muito poucos) sozinhos, em grupo, a conversar e rir ou com o ar concentrado e sério de quem está a desempenhar uma missão, a cumprir uma promessa. A vista é linda, a temperatura agradável, o vento refresca.

Por todo o lado perspassa a falta de qualidade. Tudo é imperfeito, partido, negligenciado, mal feito, improvisado. Como se, satisfeitos com a beleza da paisagem, os brasileiros achassem que nada a pode estragar; ou que ela chega para compensar a fealdade de tudo o resto, o lixo, os esgotos a céu aberto, os pedintes, os buracos nas ruas, os vendedores ambulantes, as crianças famintas (muito poucas, felizmente, aqui). A frente de mar é linda, mas as cadeiras das esplanadas são de plástico (fazem-me lembrar um outro país cujo nome agora de repente não me ocorre), estão sujas, desarrumadas, as garrafas e copos vazios não são levantados das mesas.

O Brasil deve a sua prosperidade actual ao facto de a China lhe estar a comprar tudo e mais alguma coisa, não são mudanças estruturais que lhe justificam e sustentam o progresso.

Uma coisa que acho fascinante aqui é o amor que este povo tem pelo país: pobre por mais pobre que seja pode reclamar contra os políticos, contra os ricos, contra tudo - mas acha que o país é o melhor do mundo. Hoje vi uma jangada com uma vela que era a bandeira brasileira.

Há países em que uma pessoa se pergunta "como é que num país tão pobre pode haver gente tão rica?". Aqui a pergunta é a inversa: "como é que num país tão rico pode haver gente tão pobre?" (Não venham com a história dos EUA, etc. Um pobre nos Estados Unidos é muito mais do que um remediado aqui). Uma das razões é o proteccionismo, demente. É incompreensível como o país insiste nestas políticas e se recusa a ver o resultado - todos, mesmo as vítimas delas, as aprovam. Faz-me lembrar um texto de Jorge Luis Borges no qual um povo não sabe que há uma relação entre o acto sexual e o nascimento, nove meses mais tarde, de uma criança.

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