27.3.12

Andar a pé - reedição

"Em Bujumbura (Buja, daqui em diante), as regras de segurança eram severas. Não podíamos, por exemplo, atravessar uma rua da largura da Marginal a pé: tinha que ser de carro. As regras não eram estúpidas, antes pelo contrário, faziam sentido; mas por vezes não as respeitava.

A que mais infrigi era a da manhã: acontecia-me frequentemente ir passear para as margens do lago, quando havia dois riscos - os hipopótamos, e aquilo a que localmente se chamava "assaillants". Sempre me levantei cedo, e as margens do lago eram, a essa hora, de uma beleza irresistível.

Se quanto aos assaltantes as estatísticas eram escassas - provavelmente por falta de assaltados - já os relatórios de ataques por hipopótamos, ou incidentes com eles, abundavam.

A temperatura era fresca, quase fria, e a luz vertiginosa, de tão límpida, clara, cristalina. As montanhas do outro lado libertavam-se, pouco a pouco, dos farrapos de nuvens que a condensação, de uma forma anárquica e incompreensível (mas com um resultado invariavelmente belo) deixava nos inúmeros desfiladeiros que as entrecortavam. Pareciam bocados de algodão numa árvore de Natal, o que não deixava de me surpreender, num país do qual o Pai Natal estava tão visivelmente ausente.

Eu ia passear, lamentando não poder ter uma máquina fotográfica, com os sentidos alerta, todos: os hipopótamos correm a velocidades alucinantes mal se sentem separados da água, os assaillants não deixavam de ser um risco, e os próprios colegas tão-pouco - um dia um deles viu o meu carro ali parado, vazio, e quase lançava um alarme antes de falar comigo pela rádio.

Era um dos meus momentos favoritos do dia: não havia vivalma, o cenário era belo de morrer, com as abruptas montanhas do lado zairense, as espraiadas costas do lado burundês, a "clandestinidade", o prazer simples, claro, evidente, que andar é.

Hoje não havia animais selvagens, as praias estavam cheias de gente, a adrenalina estava ausente, coitada, mas o prazer de passear no Paredão num fim de uma tarde de verão era o mesmo.

(Daqui)

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.