11.3.12

No mar, 10-03-2012

Antígua não me quer ver partir. Largámos de Falmouth Harbour esta manhã, depois de uma noite na Yacht Club Marina, onde atracámos ontem para deixar o armador. Por volta das duas da tarde, depois de quatro horas de viagem e já a cerca de 50 milhas do nosso destino, Marigot, fomos contactados pela guarda costeira de St. Martin: uma pequena embarcação de pesca estava à deriva com dois tripulantes; ficou sem motor e íamos na sua direcção. Quando nos aproximámos dela, o capitão saiu da ponte e substituiu o rádio por uma gritaria amigável e surpreendente -- R. é inglês, não levanta a voz e quando o faz é para dizer uma piada. O imediato S., assistido pelo outro Ja., lançou-lhe os cabos, águas e refrigerantes, e preparou o reboque perfeito: de volta a Antígua. Saímos de St. John's há duas horas, mas não chegámos ao porto. A guarda costeira da ilha contactou-nos assim que nos aproximámos, e o capitão pediu-lhe que tomasse conta do reboque a partir dali. A guarda costeira de Antígua e a embarcação agradeceram calorosamente o facto de nos termos desviado da rota para ajudar os pescadores. Do avião da guarda costeira de St. Martin recebemos fotografias do reboque, que vão servir para justificar à administração um eventual gasto de combustível a mais do que o previsto. E para recordação.

Não quero ver-me partir de Antígua. Parte de mim está lá, nas minhas amigas S. que afinal não estão em St. Martin e que se referem à sua participação na Regata Heineken com «I almost died but it was awesome!», na Connie (a família dispensa iniciais) que eu não vi, mas que pôs um anúncio à porta do Mad Mongoose a dizer «We'll close for lunch until March the 23rd because baby Finn is born and needs to be with his Grandmother!», na Kim que continua com os melhores penteados do mundo, na Aisha que é tão honesta que uma vez devolveu à Connie dinheiro de uma gorjeta que exagerámos, no Francisco e no Rodrigo, portugueses com quem troquei palavras que me souberam tão bem, por serem na língua que é minha, na burra Angel e no Jacko, o seu dono, que a leva a comer pizza ao Road Runners e a estaciona na bomba de gasolina quando quer ir beber um copo ao Mongoose, no Brian que já está de volta ao Canadá mas que de certeza estará cá para o ano, a percorrer a Pigeon Beach quatro vezes por hora com o seu ar de adolescente de cinquenta anos, no que dancei ao som daquela banda de reggae tão fixe que tocou ontem e que tu não conheces porque é nova no bar, no primeiro rum punch que bebi por ti e nos quatro seguintes que bebi pelo nosso futuro, que tarda em chegar, naquilo que já construímos aqui, recordações, alicerces, castelos de areia que, como diz o I. quando brinca na praia com a sua pequena, «são a maior lição que tem na vida, ele quebra e você constrói de novo; ele quebra e você constrói de novo».

O lugar mais seguro para guardar as coisas na casa-de-banho de um barco é o lavatório. Só descobri isso hoje quando, ao voltar ao meu camarote, tudo o que tinha em cima do balcão foi parar ao lavatório. Vou passar a usá-lo para saboneteiras, copos de escovas de dentes, frascos de algodão. É difícil trabalhar num barco enquanto se navega; enfim, pelo menos é difícil fazer o que eu faço, estar de pé nos pisos inferiores do barco, que são os primeiros a sentir o embate do casco na água. Estar no convés ou na ponte é mais fácil, estar sossegado é mais fácil e era tudo o que eu queria poder fazer, não sei se para descansar se para exercitar a paciência. Digo, por isso, a S. que é a sua vez de lavar a loiça, porque nada faz quando está «on watch» (de quarto); responde-me: «Yes I do, Tati: I watch» -- é impossível falar com ele.

Eu, que sou de apelido Ventoinha, tive de ligar o ar condicionado do meu camarote. Estou separada da sala das máquinas por uma antepara e sinto-me, pela primeira vez desde que cheguei às Caraíbas, nas Caraíbas -- protagonizando o lugar-comum do calor tropical e do suor a escorrer em bica. Não sei o que é mais desagradável, se o barulho ou o calor, mas tudo isto não devia ter importância nenhuma: acabámos de ajudar dois homens que ficaram sem o seu ganha-pão, e o seu ganha-pão não tem uma cama e um edredon fofo como este, não tem uma cozinha com mais tachos do que todas as que eu vi em Portugal, não tem luz eléctrica, televisão ou Internet. Tem uma brisa e um motor avariado, isto é, ar e silêncio. Um dia, se tudo correr bem, mudarei de comodidades.


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