I
A minha filha Helena faz hoje vinte anos. Estou habituado à distância, sempre vivi longe de quem amo ou - mais difícil ainda - de quem me ama. Mas o espinho hoje chegou fundo.
II
O processo podia ter demorado pouco mais de uma hora; mas podia, tal como quase, é uma palavra que engana muito. Para levantar dinheiro da Western Union vai-se ao Banco do Brasil. Uma bicha de aproximadamente 20 minutos leva-nos a uma máquina assistida por um jovem senhor sentado num banco; a sua função é dar senhas aos clientes. Carrega num botão (ou num monitor, pouco importa), coisa que a maioria das pessoas é notoriamente incapaz de fazer, e oops, como por milagre da máquina sai uma senha. No meu caso duas - uma para as mesas, outra para as caixas.
Os números avançam, não muito depressa; mas avançam e chegam os dois ao memso tempo. Vou às mesas e peço ao senhor para me deixar ir à caixa dizer que estou ali e já venho. Não posso. Acha que não. "Assim o atendimento fica difícil e terei que chamar outra pessoa".
"Ok, eu compreendo. Vamos a isso. Western Union, por favor". Não fomos, porque o sistema da Western Union estava em baixo. Quando cheguei às caixas disseram-me, não de todo inesperadamente, que tinha de tirar outra senha, para quando o sistema funcionasse.
Tirei, mas o sistema de Western Union ainda não está em cima. No momento em que escrevo (levei o computador, abençoada ideia) o processo vai em hora e meia. Veremos quanto tempo terá demorado quando sair daqui.
A culpa não é obviamente do Banco do Brasil - mas a organização do serviço é. Faz-me lembrar a banca nacionalizada nossa do fim dos anos 70 em Portugal. Um sistema destes não é, parece-me, concorrencial no mundo moderno (já não era, nos anos 70). Acredito no I e no C dos BRIC (se calhar é simplesmente porque não os conheço), mas não no B e no R.
Tudo muito bonito, muito ar condicionado, cadeiras para (quase todas) as pessoas se sentarem e hora de chegada na senha (numa só, a outra não tinha). Mas três funcionários para um processo que em qualquer parte do mundo civilizado requer uma deve ser demasiado.
Só à tarde o sistema ficou bom. Um dia perdido.
......
No outo dia sonhei que o governo brasileiro desenvolvera um sistema de selecção da população: distribuir crack gratuitamente pelas escolas (aos alunos e respectivos pais) durante um ano e depois aproveitar apenas quem tivesse sobrevivido.
Foi um sonho, claro, mas mesmo assim acho um bocado excessivo.
......
O Brasil parece-me um gigante com os pés atados; cada vez que a corda alarga um bocadinho a primeira coisa que ele faz não é correr. É reapertar os nós.
III
Qualquer jornal brasileiro trata, em proporções mais ou menos iguais (não incluo neste qualquer jornal brasileiro jornais como a Folha de São Paulo. São jornais, não são brasileiros) da moralização da vida política / corrupção, futebol, os diferentes planos dos governos (estadual e federal) para a população e telenovela / coscuvilhice.
A parte da moralização da vida política faz-me sempre rir baixinho. É como um tipo que para mudar a direcção de um comboio achasse que as agulhas são inúteis, e que basta dizer-lhe "desvia-te comboio". Não chega, claro. Mas isso não significa que o homem seja estúpido. Antes pelo contrário, só prova que ele é inteligente.
IV
Aos domingos e segundas o meu cantinho de Parnaíba é triste, chato, vazio. Ontem comeci a ir ao Ideal Center, na avenida São Sebastião. Enfim, aos restaurantes do dito. Não é que sejam muito melhores, não são. Mas dão para uma rua diferente, e dão à melancolia uma cara nova, uma cara lavada.
Hoje a livraria do Ideal Center estava aberta e entrei. Aproveitei para pedir uma informação sobre um livro cuja crítica li recentemente. O livro chama-se O Monstro de Souza, ou coisa que o valha (uma das coisas que queria perguntar era o título exacto [O Monstro Souza]. Parece que é magnífico). A senhora não sabia escrever monstro. Não foi um problema de pronúncia. Ela não sabia escrever monstro.
V
Não é a repetição que me cansa. Posso viver uma vida ou duas em Falmouth Harbour. É a repetição da indigência, do mau gosto, da falta de qualidade, do desleixo, da fealdade.
A beleza repetida transforma-se em indiferença; a fealdade não: oprime cada vez mais.
A minha filha Helena faz hoje vinte anos. Estou habituado à distância, sempre vivi longe de quem amo ou - mais difícil ainda - de quem me ama. Mas o espinho hoje chegou fundo.
II
O processo podia ter demorado pouco mais de uma hora; mas podia, tal como quase, é uma palavra que engana muito. Para levantar dinheiro da Western Union vai-se ao Banco do Brasil. Uma bicha de aproximadamente 20 minutos leva-nos a uma máquina assistida por um jovem senhor sentado num banco; a sua função é dar senhas aos clientes. Carrega num botão (ou num monitor, pouco importa), coisa que a maioria das pessoas é notoriamente incapaz de fazer, e oops, como por milagre da máquina sai uma senha. No meu caso duas - uma para as mesas, outra para as caixas.
Os números avançam, não muito depressa; mas avançam e chegam os dois ao memso tempo. Vou às mesas e peço ao senhor para me deixar ir à caixa dizer que estou ali e já venho. Não posso. Acha que não. "Assim o atendimento fica difícil e terei que chamar outra pessoa".
"Ok, eu compreendo. Vamos a isso. Western Union, por favor". Não fomos, porque o sistema da Western Union estava em baixo. Quando cheguei às caixas disseram-me, não de todo inesperadamente, que tinha de tirar outra senha, para quando o sistema funcionasse.
Tirei, mas o sistema de Western Union ainda não está em cima. No momento em que escrevo (levei o computador, abençoada ideia) o processo vai em hora e meia. Veremos quanto tempo terá demorado quando sair daqui.
A culpa não é obviamente do Banco do Brasil - mas a organização do serviço é. Faz-me lembrar a banca nacionalizada nossa do fim dos anos 70 em Portugal. Um sistema destes não é, parece-me, concorrencial no mundo moderno (já não era, nos anos 70). Acredito no I e no C dos BRIC (se calhar é simplesmente porque não os conheço), mas não no B e no R.
Tudo muito bonito, muito ar condicionado, cadeiras para (quase todas) as pessoas se sentarem e hora de chegada na senha (numa só, a outra não tinha). Mas três funcionários para um processo que em qualquer parte do mundo civilizado requer uma deve ser demasiado.
Só à tarde o sistema ficou bom. Um dia perdido.
......
No outo dia sonhei que o governo brasileiro desenvolvera um sistema de selecção da população: distribuir crack gratuitamente pelas escolas (aos alunos e respectivos pais) durante um ano e depois aproveitar apenas quem tivesse sobrevivido.
Foi um sonho, claro, mas mesmo assim acho um bocado excessivo.
......
O Brasil parece-me um gigante com os pés atados; cada vez que a corda alarga um bocadinho a primeira coisa que ele faz não é correr. É reapertar os nós.
III
Qualquer jornal brasileiro trata, em proporções mais ou menos iguais (não incluo neste qualquer jornal brasileiro jornais como a Folha de São Paulo. São jornais, não são brasileiros) da moralização da vida política / corrupção, futebol, os diferentes planos dos governos (estadual e federal) para a população e telenovela / coscuvilhice.
A parte da moralização da vida política faz-me sempre rir baixinho. É como um tipo que para mudar a direcção de um comboio achasse que as agulhas são inúteis, e que basta dizer-lhe "desvia-te comboio". Não chega, claro. Mas isso não significa que o homem seja estúpido. Antes pelo contrário, só prova que ele é inteligente.
IV
Aos domingos e segundas o meu cantinho de Parnaíba é triste, chato, vazio. Ontem comeci a ir ao Ideal Center, na avenida São Sebastião. Enfim, aos restaurantes do dito. Não é que sejam muito melhores, não são. Mas dão para uma rua diferente, e dão à melancolia uma cara nova, uma cara lavada.
Hoje a livraria do Ideal Center estava aberta e entrei. Aproveitei para pedir uma informação sobre um livro cuja crítica li recentemente. O livro chama-se O Monstro de Souza, ou coisa que o valha (uma das coisas que queria perguntar era o título exacto [O Monstro Souza]. Parece que é magnífico). A senhora não sabia escrever monstro. Não foi um problema de pronúncia. Ela não sabia escrever monstro.
V
Não é a repetição que me cansa. Posso viver uma vida ou duas em Falmouth Harbour. É a repetição da indigência, do mau gosto, da falta de qualidade, do desleixo, da fealdade.
A beleza repetida transforma-se em indiferença; a fealdade não: oprime cada vez mais.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.