De regresso à pousada apanho um táxi: está a chover e, se bem a fase demencial da coisa já tenha passado ainda é demasiado para ir de mota. O taxista queixa-se de que já não chove como antigamente. "Aqui, os meses em que chove mais são Março e Abril" explica. "Dantes chovia directo. Agora veja, passou três dias sem chover". Não é bem verdade, tem chovido todos os dias, ou quase; mas não vale a pena combater a ideia de que o clima está a mudar e muito menos a de que dantes é que era.
Queixar é o verbo certo: o Nordeste (suponho que grande parte do Brasil) é essencialmente rural. As pessoas, apesar de viverem numa cidade que fica inundada mal caem dois pingos de água - enfim, talvez sejam precisos mais do que dois pingos - gostam da chuva, e olham para mim como se fosse um extraterrestre quando lhes digo que odeio chuva. É como se lhes dissesse que o Brasil não é o melhor país do mundo.
Hoje disse-o a uma miúda numa agência de viagens. Ela é que começou: perguntou-me se "estava gostando da cidade" e eu disse "mais ou menos". "Mais ou menos?" O olhar foi eloquente. "O que está faltando?" "Ruas limpas, prédios em boas condições, bom cheiro nas ruas, menos miséria..." Parei aqui. Às vezes pergunto-me de onde vem este estranho amor dos brasileiros pelo seu país. Ou será o nosso desamor pelo nosso que é estranho?
Não sei. Penso muitas vezes que as coisas mais desagradáveis no Brasil são as mesmas do que em Portugal, mas ampliadas à escala do país: os prédios em ruínas, a sujidade nas ruas, a burocacia. Portugal já foi pior, já foi mais parecido com isto, é certo. Ainda me lembro de quando ir a um banco significava perder uma hora ou duas. E de quando as pessoas cuspiam orgulhosamente na rua, como se estivessem a ejacular.
Na verdade devíamos comparar-nos ao Brasil. A nossa auto-estima aumentaria imediatamente. O erro é querermos ser como a Europa.
À tarde voltei ao Shopping São Luís, o maior. Não há um jornal, um que seja, em inglês, francês - nem em espanhol, sequer, a língua de todos os países que rodeiam este. Hoje de manhã apercebi-me de que os dois principais quotidianos têm uma página, uma cada um, dedicada ao "Mundo"; fui beber uma bica, bastante boa por sinal, e comer uma trufa de chocolate preto. Ando com os níveis de serotonina em baixo, é melhor preocupar-me com o que os pode fazer subir.
Por falar em mundo, hoje vou ouvir jazz. Espero. A notícia no jornal não era muito clara, mas eu imagino que seja para não assustar potenciais clientes. Pus o meu polo roxo de cerimónia e umas calças compridas. As ocasiões são para se celebrar condignamente.
........
Tecnicamente, isto devia passar para dia 14. Não passa.
Não foi jazz. Foi uma espécie de easy listening, com um sax desinteressante mas talentuoso, não sei se isto faz sentido. A coisa começou bem quando vi a lista: os preços eram inferiores o que eu pensava; e quando vi o sítio, muito bonito. O resto foi mal: a banda de abertura era uma bimbalhada indescriptível, a lista pouco apetitosa.
Mas a verdade é que por vezes faz-se - sozinha - uma carapaça à nossa volta que nos protege do mundo exterior (e o mundo interior se revela uma inestimável contribuição para a nossa felicidade, mas isso é outra história).
A Lagoa da Jansen é uma pequena lagoa, natural, que fica no meio da península da Ponta d'Areia, a zona chique de São Luís. Já me tinham dito, quando fui ver um dos apartamentos que visitei, que não muito longe havia uma zona de bares e restaurantes.
Há. Mais restaurantes do que bares, à primeira vista. Todos eles mais ou menos bonitos, atraentes, italianos, japoneses. De vez em quando chegam-me ligeiros relentos, muito ligeiros, de esgoto, alternados com cheiro a peixe frito do restaurante ao lado. Mas o sítio é bonito. Ao fundo vêem-se as luzes da cidade, os arranha-céus, e nas ruas um parque automóvel de luxo. Tudo isto no meio de uma favela. Pequena, creio.
Mesmo assim a diferença com o Reviver é siderante. Parece que mudei de planeta. As raparigas são mais bonitas - toda a gente é mais bonita - o chinfrim muito menor, a comida mais variada, e as bebidas - até Alexander têm. Fraco, mas têm.
Deixei uma gorjeta grande no restaurante - enfim, grande aqui, onde os empregados não estão habituados a receber gorjetas. Em Antigua teria sido considerado um forreta, e nos Estados Unidos corrido a pontapé -. Mas a rapariga apreciou, claramente. Quando não se tem a sorte de nascer jovem deus, mais vale comprar (a divindade; a juventude não se pode, é inata).
Voltei para o Reviver, fiz uma grande parte do trajecto a pé, apanhei um táxi, o chauffeur avisou-me que ali até de dia há assaltos (é onde passo quase todas as manhãs quando vou andar), e acabei no Bar Odeon, que doravante vai ser a minha casa. Mas é um sítio demasiado complexo para ser descrito agora. Fica para amanhã.
........
Não sei se foi a trufa, as bicas, o facto de em breve a minha filha estar aqui ou, pouco depois, eu perto de ti. Talvez seja, mais simplesmente, estar fora do Reviver, ter mudado de galáxia ou de ecossistema.
Queixar é o verbo certo: o Nordeste (suponho que grande parte do Brasil) é essencialmente rural. As pessoas, apesar de viverem numa cidade que fica inundada mal caem dois pingos de água - enfim, talvez sejam precisos mais do que dois pingos - gostam da chuva, e olham para mim como se fosse um extraterrestre quando lhes digo que odeio chuva. É como se lhes dissesse que o Brasil não é o melhor país do mundo.
Hoje disse-o a uma miúda numa agência de viagens. Ela é que começou: perguntou-me se "estava gostando da cidade" e eu disse "mais ou menos". "Mais ou menos?" O olhar foi eloquente. "O que está faltando?" "Ruas limpas, prédios em boas condições, bom cheiro nas ruas, menos miséria..." Parei aqui. Às vezes pergunto-me de onde vem este estranho amor dos brasileiros pelo seu país. Ou será o nosso desamor pelo nosso que é estranho?
Não sei. Penso muitas vezes que as coisas mais desagradáveis no Brasil são as mesmas do que em Portugal, mas ampliadas à escala do país: os prédios em ruínas, a sujidade nas ruas, a burocacia. Portugal já foi pior, já foi mais parecido com isto, é certo. Ainda me lembro de quando ir a um banco significava perder uma hora ou duas. E de quando as pessoas cuspiam orgulhosamente na rua, como se estivessem a ejacular.
Na verdade devíamos comparar-nos ao Brasil. A nossa auto-estima aumentaria imediatamente. O erro é querermos ser como a Europa.
À tarde voltei ao Shopping São Luís, o maior. Não há um jornal, um que seja, em inglês, francês - nem em espanhol, sequer, a língua de todos os países que rodeiam este. Hoje de manhã apercebi-me de que os dois principais quotidianos têm uma página, uma cada um, dedicada ao "Mundo"; fui beber uma bica, bastante boa por sinal, e comer uma trufa de chocolate preto. Ando com os níveis de serotonina em baixo, é melhor preocupar-me com o que os pode fazer subir.
Por falar em mundo, hoje vou ouvir jazz. Espero. A notícia no jornal não era muito clara, mas eu imagino que seja para não assustar potenciais clientes. Pus o meu polo roxo de cerimónia e umas calças compridas. As ocasiões são para se celebrar condignamente.
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Tecnicamente, isto devia passar para dia 14. Não passa.
Não foi jazz. Foi uma espécie de easy listening, com um sax desinteressante mas talentuoso, não sei se isto faz sentido. A coisa começou bem quando vi a lista: os preços eram inferiores o que eu pensava; e quando vi o sítio, muito bonito. O resto foi mal: a banda de abertura era uma bimbalhada indescriptível, a lista pouco apetitosa.
Mas a verdade é que por vezes faz-se - sozinha - uma carapaça à nossa volta que nos protege do mundo exterior (e o mundo interior se revela uma inestimável contribuição para a nossa felicidade, mas isso é outra história).
A Lagoa da Jansen é uma pequena lagoa, natural, que fica no meio da península da Ponta d'Areia, a zona chique de São Luís. Já me tinham dito, quando fui ver um dos apartamentos que visitei, que não muito longe havia uma zona de bares e restaurantes.
Há. Mais restaurantes do que bares, à primeira vista. Todos eles mais ou menos bonitos, atraentes, italianos, japoneses. De vez em quando chegam-me ligeiros relentos, muito ligeiros, de esgoto, alternados com cheiro a peixe frito do restaurante ao lado. Mas o sítio é bonito. Ao fundo vêem-se as luzes da cidade, os arranha-céus, e nas ruas um parque automóvel de luxo. Tudo isto no meio de uma favela. Pequena, creio.
Mesmo assim a diferença com o Reviver é siderante. Parece que mudei de planeta. As raparigas são mais bonitas - toda a gente é mais bonita - o chinfrim muito menor, a comida mais variada, e as bebidas - até Alexander têm. Fraco, mas têm.
Deixei uma gorjeta grande no restaurante - enfim, grande aqui, onde os empregados não estão habituados a receber gorjetas. Em Antigua teria sido considerado um forreta, e nos Estados Unidos corrido a pontapé -. Mas a rapariga apreciou, claramente. Quando não se tem a sorte de nascer jovem deus, mais vale comprar (a divindade; a juventude não se pode, é inata).
Voltei para o Reviver, fiz uma grande parte do trajecto a pé, apanhei um táxi, o chauffeur avisou-me que ali até de dia há assaltos (é onde passo quase todas as manhãs quando vou andar), e acabei no Bar Odeon, que doravante vai ser a minha casa. Mas é um sítio demasiado complexo para ser descrito agora. Fica para amanhã.
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Não sei se foi a trufa, as bicas, o facto de em breve a minha filha estar aqui ou, pouco depois, eu perto de ti. Talvez seja, mais simplesmente, estar fora do Reviver, ter mudado de galáxia ou de ecossistema.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.