28.6.12

Camaret-sur-Mer, Bretanha, França, 28-06-2012

Uma noite - há muitos anos - sonhei que um dia estaria na marina de Camaret a bordo de um barco holandês a comer porco feito por um inglês que se enganou no caminho e há meia dúzia de anos veio viver para França; sonhei que estaria frio, frio de enregelar, frio de morrer, frio de beber whiskey après whiskey no Bar-Snack Ar Men, no bar Notic ("Retour automatic") ou em qualquer bar que estivesse aberto numa noite de sexta-feira; sonhei que o vento estaria Sudoeste, o que é normal porque eu quero ir para Sudoeste; sonhei que gosto da Bretanha como se cá tivesse nascido, o que só acrescenta a Bretanha a uma infindável lista de lugares que amo como se em cada um deles tivesse nascido; sonhei ainda que um dia sonharia tudo isto, o que só demonstra que os sonhos são circulares, sonham-se a si próprios tal como nós nos sonhamos, e os sonhamos, um dia. 

Ou uma noite, vai saber.

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O ano tem muitas estações: a estação do rum, a do whisky, a do vinho. Tem mesmo uma estação que te é dedicada e dura doze meses; menos uns copos.


Este ano nasceu bêbedo e entaramela as estações todas.

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Camaret-sur-Mer fica na entrada do Goulet de Brest; tem duas ruas e três marinas; ou o inverso, mais provavelmente. Tem vento (menos ontem), nevoeiro (sempre), chuva (todos os dias) e sol (às vezes).

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Parece uma viagem ao passado.

(Não gosto do passado. Prefiro o futuro, mesmo já o tendo sonhado.)

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O barco chama-se SOGNO. É um Saffier 32, bonito, bem equipado. Mas 32' são 32'; é uma quantidade insuficiente de pés para acender uma paixão; ou um amor, sequer.

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Por vezes parece-me que a expressão "navegação de recreio" devia ser revista, reformulada. Seria simples: bastaria retirar-lhe "de recreio". Ou substituí-la toda por "vida", talvez. Ficaria assim: "a vida no Canal da Mancha pode ser bastante exigente"; "a vida no canal da Mancha não é para meninos"; "a vida no Canal da Mancha tem momentos de uma beleza que nenhum frio, nenhum nevoeiro, nenhuma corrente consegue apagar".

"A vida no Canal da Mancha começa e acaba invariavelmente num bar da Bretanha a ouvir Touré Kunda e a pensar na vida na Biscaia."

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A senhora das Boucheries Réunies tem uns brincos atrozes, um sorriso bonito, um Camembert muito para lá do aceitável e um saucisson sec divino. Dispenso os brincos.

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As mulheres bretãs mudaram. Estão mais bonitas. T. acha que é por causa do automóvel, que as leva ao ginásio. Parece-me um raciocínio demasiado inglês para ser falso.

Os homens estão iguais. Já te contei a minha história do Aber Wrac'h? É uma história de silêncios, cumplicidades e outras coisas bretãs.

Não é bem uma história, no fundo. É uma nostalgia.

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O bar vai fechar. No sábado a vida continua.

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O rapaz do sítio onde almocei insiste em falar inglês comigo. O inglês é aproximativo e o sotaque abominável; tem uma cara de imbecil como raramente tenho visto. É lamentável que a França esteja a mudar ao ponto de até os empregados de café falarem inglês. 

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