14.10.12

Noite, vidas

Um gajo passeia à noite sozinho por ruas das quais não é; ou seja, as ruas, a cidade não são as dele. Pergunta-se se a sua vida é como essa cidade, se os passos que dá na vida lhe são tão estranhos como os que dá nas ruas quase vazias à noite, e o fazem pensar que em breve estará noutra cidade, noutras ruas, noutra vida. 

Uma vida fractal, uma vida de vidas, a quem o gajo que à noite passeia nas ruas é indiferente. As cidades não se preocupam muito com quem as percorre, tal como a vida com quem a vive. Já não está calor, mas ainda não está frio; a vida está entre duas vidas, duas estações, duas noites, dois passos nas ruas quase desertas.

Um fractal, uma vida entre vidas, um tempo entre tempos, uma noite entre noites: um homem faz-se passo a passo e só está feito quando dá o último.

II
A esperança não é para aqui chamada, nem a felicidade, nem o passado, a memória, o esquecimento, o medo. A vida está-se nas tintas para isso tudo, nada disso lhe interessa, são sombras, ersatz, irrelevâncias. Nada se não o homem e os passos que dá, as ruas que percorre, as cidades que deixa e aquelas para onde vai.

A noite, a vida e um passo.  

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