22.10.12

"Queremos a nossa vida de volta"

Não sei exactamente a que vida se referem as pessoas que recentemente se uniram para manifestar publicamente "queremos a nossa vida de volta". Suponho que seja a vida antes da entrada de Portugal na União Europeia, porque se por desgraça o governo decidisse ouvi-las seria a essa que regressaríamos em menos de um fósforo.

Eu lembro-me dessa vida: de ter que trocar dinheiro a cada fronteira, de ter ido para França por Andorra porque era mais "fácil" (em Hendaia corria-se o sério risco de não se poder entrar e ser recambiado), de ter que comprar bilhetes de ida e volta para ir à casa de banho, de ter que explicar que não, não tinha papéis cada vez que queria trabalhar num lado qualquer e aceitar salários em consequência.

Também me lembro de quando em Portugal não havia supermercados (havia o Pão de Açúcar: pelos standards de hoje, e da época "lá fora" seriam pouco mais do que lojas de bairro); era preciso licença militar para sair do país; as casas de banho dos restaurantes eram infectas; levantar um cheque num banco demorava uma ou duas horas; as taxas de juro chegaram aos 36%; era proibido "exportar" divisas - o que significa que se passava a vida a comprá-las no mercado negro -; levava-se seis horas para ir de Lisboa ao Porto; havia um canal na televisão (e tínhamos que levar com o Vasco Gonçalves, mas isso é outra história).

Este Portugal, que conheci em Setembro de 1974 pouco mudou (excepto politicamente, claro) até 1986, data da entrada na então Comunidade Europeia. Já havíamos passado por duas falências (1977 e 1983); muita gente, entre a qual me incluía, pensou que com a "Europa" o desvaria acabaria.

Não acabou, infelizmente; e a experiência diz-me que provavelmente não acabará nunca. Mas mesmo assim eu não quero a minha vida de volta. Quero poder continuar a andar por onde muito bem me dá na telha, entrar em França, Reino Unido, Espanha, Suíça, Holanda qualquer que seja a quantidade de dinheiro que levo no bolso (é sempre muito pouco), trabalhar onde houver trabalho e não quero pagar comissões estúpidas a tipos cujo trabalho consiste em receber as minhas notas e dar-me outras.

Não quero voltar a ouvir o Mário Soares nem ganhar contos de réis. Quem quiser a sua antiga vida de volta pode ir para África ou deliciar-se com as patetices do velho (é quase a mesma coisa).

Adenda - dispensaria duas ou três coisas da "Europa"? Sim, sem dúvida; duas ou três.

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