Dizem que a vida é assim: uma coisa mais ou menos caótica (embora ordenada, de alguns pontos de vista -- nascimento, vida, morte) e imprevisível, como acontece quando por exemplo ouvimos um tema do Chick Corea, cheio de vento, borboletas, fantasmas, chuva e sol, ondas e fogos de artifício, choros de viúvas e de recém-nascidos, e por aí em diante até não sabermos se aquilo é triste ou alegre ou se é só, passe a redundância, a vida como dizem que ela é, uma coisa mais ou menos caótica, embora ordenada de alguns pontos de vista, como o nascimento, a vida ou a morte, mais certas do que dois e dois serem cinco.
De maneira que estou outra vez sem trabalho e isso dá-me cabo do juízo. Não tenho jeito para a instabilidade. Felizmente, alguma estabilidade restabelece-se: o Luís, ao meu lado, fala mal da esquerda portuguesa, sinal de que está a recuperar da gripe (graças a Deus, não sabia, como se ouvisse um tema do Chick Corea, se havia de rir com a sua infantilidade tão surpreendentemente tardia ou de chorar com a fragilidade que me assustou tanto e me fez temer-lhe pela vida, apesar de ter sido só uma gripe. Adenda importante: o Luís não é piegas, insulta a tosse com os pulmões que lhe restam, enraivece-se com a doença com o ânimo que ainda lhe não lhe escapa, chama-lhe puta, pífia, e depois sucumbe à exaustão como uma criança birrenta ao sono, ou eu às preocupações).
O melhor que uma pessoa pode fazer é render-se, li não sei onde, ou disse-me não sei quem. «Tenta mudar o que dizes a ti própria; em vez de dizeres "eu não posso ser assim" ou "as coisas não podem ser assim", diz "eu sou assim" ou "as coisas são assim" e procura força para aceitar o facto de as coisas serem assim». disse-me L. A verdade é essa: as coisas são assim e não posso, por agora, fazer muito mais para que deixem de o ser. Ora vejamos: dockwalking, responder a dezenas de anúncios sem sequer ter direito a um "não, obrigada", comer sempre em casa gastando o mínimo possível, passar um modesto 25.º aniversário cujos únicos luxos foram ter saúde, amor do que me estava perto e dos que me estavam longe (e que chegou em força por ondas electromagnéticas, abençoadas sejam) e um bolo de chocolate de peso, tamanho e preço pecaminosos.
Paciência. É das qualidades que mais me faltam e das de que mais preciso. N., o nosso ex-senhorio (é verdade, deixámos a rua mais bonita de Palma hoje), tem-na de sobra. Ontem passou quatro horas a limpar a bicicleta de três mil euros que pesa menos dez vezes do que eu (que, na contrapartida do dinheiro que tenho, cada vez peso mais), passa outras tantas horas a arreglar os móveis que decora e a tocar batuques. Gabo-lha. E a bondade, e a organização, e o bom aspecto. Gabo-lhe tudo, até a estranheza de me tentar convencer de que o furacão Sandy foi provocado para que Obama ganhasse as eleições, entre outras teorias da conspiração. Foi bom viver em sua casa. Agora, à maneira caótica do mundo, estamos num limbo chamado "bairro acima da Plaza de España", numa casa agradável que partilhamos com a russa A. e o seu gato Casper (na verdade, uma das razões pelas quais respondemos ao anúncio foi o sentido de humor de uma das regras da casa: «No cat killing»).
Amanhã ou depois decidimos o que fazer. Ou a vida decide por nós. Não tenho jeito para a instabilidade. Paciência.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.