Um gajo sabe que está cansado quando passa um quase dia de folga no quarto merdoso de um hotel de merda a sete quilómetros de um dos melhores parques nacionais do país onde passa o dito dia de quase folga. Quase porque de manhã ainda tive de resolver coisas de trabalho; quase porque episodicamente me vêm coisas de tabalho à mente; quase porque desembarcar demora muito tempo e eu só desembarquei ontem.
E o mesmo gajo sabe que qualquer coisa está a mudar quando dá por ele a procurar "free classical movies" e "free audio poetry" no Google e pensa "preciso de uma televisão e de um cartão de crédito para ver isto como deve ser e para daqui tirar a palavra free, demasiado nobre para estes usos".
Vou amanhã ao Parque Nacional Manuel António de sua graça; de qualquer forma tenho de ir para aquelas paragens por causa do trabalho, uma quase folga é quase e é breve.
Há aproximadamente seis horas que não chove. Os meus sapatos Sperry, comprados em Antígua há pouco mais de meio ano estão quase secos; e a desfazer-se, mas isso não tem a ver com a chuva, as folgas, o cansaço ou a mudança de vida. Tem a ver com o facto simples, irrefutável e triste de que os sapatos Sperry são uma merda, como o hotel onde estou - mas este não arma ao pingarelho, ao menso isso, mostra logo o que é, como eu, what you see is what you get, está na cara, está à vista (e mãos, se forem femininas e ternas, coisa que de resto poderia ser quase um oxímoro, feminino e eterno, se fosse dito nos sites de poesia audio gratuita que hoje visitei e ouvi, o som do tablet é uma porcaria).
Sempre se imbricaram, na minha vida o trabalho e o resto, o resto todo. Bipolar? Que pobreza! Pentapolar, no mínimo, quem quiser ser polar de todo. Penta, como as estrelas dos comunas, apontam para todo o lado, cima, baixo, lados, esqueça o bipolar, é pouco, quase nada.
O ARCTIC FRONT, Artie para os íntimos está em Golfito. Não volta já para Quepos: primeiro vai fazer umas plásticas ao Panamá; talvez fique por lá. Chove menos, há mais vento e mais sítios para parar com os clientes, coitados, que suportam mal muitas horas de mar. Compreendo-os: eu suporto mal muitos dias de terra.
Vou fazer uma férias, está decidido; e vão ser terrestres, as minhas vacaciones. Tenho vontade de uma viagem como a que há quase (maldita palavra, não me sai do teclado) três anos me levou de Parnaíba, no Nordeste brasileiro, à Guiana Francesa. Mas desta vai ser ou pela Colômbia ou pela América Central.Ainda não sei; não saímos sequer de Golfito, o velho Artie e eu. Preciso de tripulação, de descansar, de tratar de papelada.
A perspectiva de ficar pelo Panamá entusiasma-me. Gosto de cidades grandes; o verde é bonito, mas ao fim de pouco tempo apanho alergias à clorofila, fico enjoado de verde. E não percebo nada de verde, estas folhas todas confundem-me, todos os excessos me confundem (até os meus). Passei duas ou três vezes pela cidade de Panamá (Cidade, com maiúscula, se não me engano é parte do nome) e de todas me pareceu fascinante. A ver.
A viagem vai ser breve, três ou quatro dias. Depois um mês de estaleiro, e depois ou fico por lá ou volto para aqui ou vou para outro lado (vamos, o Artie e eu). Um gajo pode querer assentar, e Deus sabe se eu quero, mas alguém devia proibir os assentos de terem rodas e deslizarem continuamente à nossa frente, como se a vida fosse uma rampa a descer e alguém nela tivesse largado meia dúzia de berlindes.
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