13.6.13

Diário de Bordos - Panamá, Panamá, 13-06-2013

Eu tentei. Claro que tentei. Quem não fremiria de prazer só de pensar num evento chamado Mix and Mingle, organizado pelos YEP, Young Expatriates in Panama? A simples perspectiva de poder mix and mingle-me com jovens expatriados no Panamá no Ginger Bar do Waldorf Astoria provocou-me uma descarga de adrenalina difícil de descrever. A espinha; a pele; tudo.

De maneira calcei os recém-adquiridos sapatos Land Rover (uma marca de automóveis todo-o-terreno que também, fiquei agora a saber, faz calçado), enverguei o casaco de linho branco comprado, heroicamente, no Macy's de São Francisco - recheado, naturalmente, de cartões de visita - chamei o meu táxi da noite, Bráulio (que me deve quatro dólares, convem não esquecer) e.

Bráulio não apareceu. Uma história de camiões da qual não percebi nem os pára-choques. Apanhei outro táxi; não sabia onde era o Waldorf Astoria. Fui à recepção do hotel que fica ao lado da marina (e gentilmente me fornece rede a bordo, graças ao booster mega que M. o armador, comprou). "Ah, o hotel novo", exclamou o condutor quando lhe dei a morada. E.

Quando cheguei a coisa estava um pouco morta. Fui recebido com um cocktail de boas vindas do qual a base era Rum Mount Gay. "Nem tudo está perdido", pensei. "Há rum Mount Gay".

Nada estava perdido excepto eu. Note-se: nem over nem underdressed, tema que me massacrou o juízo todo o trajecto de táxi. Nada disso. Estava perdido, só. Cheio de fome, exausto, incapaz de produzir uma única banalidade (não menciono sequer ideias originais, coisa que não tenho nem quando estou underdressed). Exausto, simplesmente. (Isto é um bocadinho uma piada; acho que não conseguiria estar overdressed nem numa reunião de bairro do Casal Ventoso, quanto mais no Waldorf Astoria).

"Comendo isto passa" (é remédio santo, comer). Mas não passou. Nem a vista de uma jovem linda com um cartão em cima do peito esquerdo a dizer Fiorella conseguiu fazer-me ficar. Mais vale perder do que não tentar fornece uma óptima desculpa nestas circunstâncias e depois de comer (de resto bastante agradavelmente, numa pequena tasca ao lado do hotel) fui para a Cinta Costera.

Preciso de andar, por todas as razões e mais uma: gosto, e a bordo não há maneira de o fazer. A substância no sangue; o oxigénio.

A Cinta Costera está cheia de pessoas que se preocupam com isso mai-lo peso, a forma, o físico e essas coisas todas com as quais hoje em dia as pessoas se preocupam. Apesar disso é bonita. Há senhoras que ainda são gordas, outras que já o foram, algumas que nunca o serão, há polícias, casais de brasileiros a andar muito depressa e a falar muito alto, há vendedores ambulantes que vendem sumos ou saladas de frutas, água sem sequer olhar para as pessoas a quem os vendem, há casais de namorados e pelo menos um português de sapatos Land Rover e casaco de linho branco a escrever freneticamente num telefone portátil, não vão estas sublimes ideias ir para onde deviam ir, e a tentar não andar depressa de mais para que o casaco não fique a cheirar mal.

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A parte pedestre da Cinta Costera está separada da rua por um largo relvado com algumas árvores jovens mas que aparam o som dos automóveis - seis faixas para cada lado? - e nos defendem a vista. Do outro lado está o mar, muito espelhado apesar de haver um bocadinho de vento - tem havido, ultimamente.

Vindo do Waldorf Astoria, virando à direita na Cinta Costera e caminhando chega-se ao Casco Antiguo (ou Viejo, às vezes) o meu bairro favorito nesta cidade. Antes passa-se por um porto de pesca, e antes ainda por uma série de pequenos campos de basket. O porto de pesca marca o fim dos arranha-céus e o princípio das casas de dois ou três pisos. Cheira mal, mas não demasiado; pareceu-me bonito, simples, eficaz - até na divisão da cidade, de um lado a ausência de cheiro do outro o cheiro, os prédios altos e os baixos, o hoje e o ontem.

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Não gosto de preconceitos, mas reconheço-lhes a utilidade (são um bocadinho como soutiens, apesar de a comparação não ser das mais elegantes). Ontem escrevia que não queria contratar panamianos; hoje quase contratei uma - sou eu que espero a decsião dela, não ela a minha. Como os soutiens, os preconceitos são muito melhores quando deitados fora. A senhora é uma das excepções que tinha em mente quando ontem falava de excepções. Trabalha no Yacht Club, é sorridente, eficaz e - aspecto importante - cabe no beliche que lhe vamos fazer (não é ela que é grande, é o beliche que é pequeno).

Tem meia dúzia de trâmites a fazer, vem ver o barco e amanhã diz-me sim ou sopas. Gostaria que fosse sim.

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Há pouco falava nas depressões post partum. As minhas (metafóricas, claro) nunca me ocorrem quando o acaso, a sorte ou no melhor dos casos a oportunidade me põem um bebé nos braços. Longe disso (infelizmente, teria tido muitas menos). Vêm-me quando venço uma luta difícil, atinjo um objectivo à custa de esforço, tempo, tenacidade ou estratégia.

Hoje foi um dia desses. Mas.

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De maneira tudo indica que em breve uma espécie de jarra da china partida em mil bocados andará pelas ruas de Lisboa à procura de cola.

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Tudo se paga, nesta vida; e na verdade prefiro pagar em líquido, contra entrega. (Há qualquer coisa de mágico neste termo, líquido, para cash, não há? Premonitório). É o que estou a fazer agora. O preço é elevado, mas com razão. Quando acabar de pagar tudo volta ao normal, espero. Não quero mais dívidas dos que as que já tenho, e muito menos com entidades intangíveis. Com as outras ainda posso negociar, conversar, tentar aplacar; com estas não.

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Hoje é dia de Sto. António. Faltam-me as sardinhas assadas e a minha avó, que o escolheu (enfim, sonhou, mas isso fica para depois) como sócio. Foi graças ao Toino que ela começou a cozinhar e só por isso o santo tem a minha eterna devoção.

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Vim a pé até ao Casco Antiguo. Estou no meu bem-amado restaurante Louvaine, o da música electrónica boa, e do vinho a copo decente. Que bom foi o passeio. Andar a pé vem no terceiro lugar dos prazeres que se podem mencionar: navegar, andar de bicicleta e marchar. Dos outros não falo, apesar de não gostar de preconceitos.

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