"Deixas-me mexer-te numa maminha"? Camille tinha os seios pequenos mas duros, bem feitos. Por baixo da t-shirt via-lhe o mamilo grande, com a ponta ligeiramente saída. "Só se me deixares apalpar-te um dos tomates. Que estúpido és, homem. Mexe nas duas, porra. E tira-me esse pau das calças que ainda as rasgas".
Camille tem muitas qualidades para além das mamas. Já a conhecia havia muito tempo, mas nunca falara com ela mais do que do tempo, do vinho ou dos políticos que tão bem se governam "neste vosso país". Chegara a Portugal três anos antes, vinda da Suíça. Dava aulas de francês na faculdade de letras de uma universidade qualquer, não quero lembrar-me de qual.
Encontrámo-nos num jantar de degustação de vinhos. Camille gostava dos mesmos vinhos que eu, adstringentes, com personalidade, vinhos que deixam uma marca, como algumas pessoas. "Nem que seja uma nódoa, mas que fique alguma coisa", dizia.
Naquele dia dei com ela por acaso na Taberna das Hortênsias, uma coisa em Lisboa que imita (ou imitava, não sei se ainda existe) vagamente uma tasca açoreana. O dono era um francês que vivera muito tempo em Ponta Delgada. "Vim-me embora", explicava a quem o queria ouvir, com um sotaque carregado. "Viver nos Açores é como estar morto noutro sítio qualquer".
Camille estava sozinha, eu também; jantámos juntos e fomos depois beber um copo à Rumaria. "Não percebo nada de runs, talvez me possas ajudar".
Daí até à maminha, ao pau fora das calças e na boca dela, até estarmos os dois na cama a lutar violentamente por um orgasmo passaram alguns runs, uma ceia tardia - ovos mexidos, queijo, vinho tinto - uma viagem de táxi até casa dela e um "espera, vou trocar de roupa, já venho. Põe música se quiseres.".
Pus um disco da Hélène Grimaud, um concerto de Rachmaninov que não conhecia. A mulher é bonita, o que não estraga nada; e toca como se fosse filha do Gould. Camille aprovou a minha escolha. "Tens bom gosto. A mulher toca bem. E é bonita, o que não estraga nada".
Não sei muito bem de que é feito o amor; mas sei de onde vem a atracção física, a vontade de entrar num corpo e lá ficar para sempre. Ouvir uma mulher dizer, exactamente com as mesmas palavras, aquilo que eu acabo em silêncio de pensar é uma das origens dessa vontade, muito mais do que a beleza da senhora ou o tamanho das suas mamas.
Foi por isso que não ouvi o concerto, mas posso dizer mais ou menos quanto tempo levámos a lutar: foi muito e foi bom.
Dois meses depois estava a viver em casa dela. Dois anos casávamo-nos; três, nasceu-nos o primeiro filho, Serge. Cinco, o segundo, uma rapariga a quem chamei Hélène.
Camille sugeriu que chamássemos Pan ao primeiro, mas recusei. "Só tenho uma".
II
Morreu. Atropelada por um automóvel à saída da faculdade. Nunca mais a ouvirei dizer "é tão bom foder, meu Deus, tão bom" sentada em cima de mim, com os braços levantados como se estivesse a dançar. Nunca mais me pedirá "deixa-me tocar flauta" de manhã, antes de se levantar para ir tratar do pequeno almoço. Nunca mais me dirá "come-me, por favor. Mas sem garfo, só com a faca".
III
É possível que haja ausências piores do que a morte. Obrigo-me todos os dias a pensar que sim, que algumas ausências são piores do que a morte. Mas não consigo. Não há. Conseguimos esquecer uma pessoa viva, mas não conseguimos esquecer uma que morreu, e não nos matou.
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