É uma da manhã. Tens o vento pela alheta de bombordo. Força cinco, talvez seis. A noite está fria, mas suportável. Na amura de bombordo tens a lua em quarto crescente, já baixa; serve-te de guia, e como vais para Oeste podes mantê-la como referência um bom momento.
Tens o barco na mão: desligaste o piloto automático e governas de pé, como gostas.
De repente apercebes-te de que estás a dançar com o barco. O mar é a tua pista de dança. A música é a do casco a cada surf, a das vagas que rebentam ao teu lado, a do vento nos brandais, o ocasional bater da valuma. Tens uma discoteca só para ti, uma discoteca quase sem barulho e com um número incalculável de luzes fracas, longínquas; têm nome, essas luzes: Sirius, Cão Maior, Ursa Maior, Oríon, Gémeos, Polar, Ursa Menor.
É esta a única coisa que sabes dançar: força seis pela alheta, oito nós no fundo, um barco na mão como se fosse uma senhora ligeira e sensível.
Um bando de golfinhos vem ver-te. Brinca com o barco. Deles só vês os traços fosforecentes que deixam na água. Normalmente não prestas muita atenção aos golfinhos, já viste mais do que a tua parte. Desta vez olhas. Ficam contigo muito tempo, as duas horas que faltavam para terminar o teu quarto.
Devias fazer com o sofrimento o que fazes normalmente com os golfinhos: não lhe ligar. Também já tiveste a tua parte dele. Mas a dor persegue-te como esse bando que se entretem com o barco, com a esteira que deixas na água, com a tua proa, e do qual só vês as linhas brancas, fosforecentes, velozes como torpedos.
Ao longe vês as luzes da costa. As cidades seguem-se umas às outras sem interrupção. Sabes que amanhã chegarás a uma dessas cidades, da qual não vês as luzes ainda; mas sabes que não serão muito diferentes.
Nada é nunca diferente. Excepto tu, o mar e uma embarcação de vela quando descobrem que estão a dançar. E que afinal sabes dançar.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.