18.12.13

Diário de Bordos - Las Palmas, Ilhas Canárias, Espanha, 18-12-2013

Não foram a falta de vento e a rapidez com que o tempo passou – cinco dias que passaram como se fossem dois – e a viagem teria sido perfeita. Espero que as duas semanas e meia ou três que aí vêm se pareçam realmente com duas semanas e meia ou três, e não passem a correr, como se fosse uma, como se o tempo não existisse, como se o mar e o tempo fossem um só. Estamos no mar, não no tempo.

O calor chegou, finalmente. Pouco a pouco. Começa-se por não se pôr o cachecol; depois a camisola interior feita num tecido super-quente; seguem-se-lhes as calças de mar, as botas, o segundo par de meias e de repente está-se como estou agora, em calções. Às vezes há uma marcha atrás, como ontem à noite, tivemos um ameaço de mau tempo.

Mas não passou disso: um ameaço. Venceu gorro, dois pares de meias e casaco de quarto, mas ficou-se por aí. Nada que se pareça com a viagem no C., quatro dias de porrada, de bolina cerrada com trinta nós de vento.

Quando saímos de Cascais estava bom tempo, mas um bocadinho a sul de Sagres começou o badanal. J., o armador perguntara-me quanto é que eu cobrava, eu disse-lhe e ele respondeu que não, que isso era salário de skipper e eu seria marinheiro, propunha-me x. Disse-lhe que sim, claro. Mais vale ganhar pouco do que nada, e uma semana de marinheiro não faz mal a ninguém.

Ao fim de dois dias de temporal disse-me Luís, o skipper és tu, e eu pago-te como skipper os dias todos desde que saímos de Cascais. Foi a primeira e última vez que isto me aconteceu. Ficámos amigos. Ele não estava habituado a temporais, e ainda hoje se refere àqueles dias como os piores da vida dele.

Amanhã chegamos a Las Palmas, se nada acontecer daqui lá. Faltam menos de vinte e quatro horas. Um piscar de olhos, um adeus rápido num aeroporto, um olá de quem já se amou muito e não se ama.



Sirius faz-se esperar, como sempre. Já Capella vai alta, logo seguida dos gémeos viajantes, os padroeiros dos marinheiros Castor e Pólux; Oríon está todo no ar; Sirius ainda rasa a água. Coisa de princesa, coisa de raínha, coisa da estrela mais brilhante do céu depois do sol.


Chegámos a Las Palmas e precipitamo-nos para os computadores. Modernices: antigamente teríamos irdo a correr para a primeira taberna.

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