10.3.14

Diário de Bordos - Bocas Town, Bocas del Toro, Panamá, 10-03-2014

Fui ao dentista, mas voltei quase como tinha ido. Quase: uma destartarização ao fim de doze anos é obra. As cáries voltaram como foram. Havia três soluções possíveis. A mais barata eu não quero; a mais cara não posso; a do meio não me seduz. Escolhi a quarta: analgésicos.

Espero que sejam tão fortes como o dentista me disse. Pelo menos no preço acertou: quase três dólares cada um. Quase. Esta viagem está a ser a viagem do quase. As únicas coisas que não são quase sou eu e a minha vontade de largar, que a cada dia cresce como o sol nasce e não se põe como ele se põe.

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Artie está quase pronto. Falta-lhe a bomba da casa de banho, um carregador para o computador e gás. O mais complicado é o carregador. A bordo tenho um de 12V, que lhe mantem a carga mas não o carrega. E sem aquilo não posso sair, de todo. Enfim, posso: ainda me lembro de como se navegava quando não havia GPS. Tal como me lembro de como se navegava quando só havia um balde a bordo - passei a lua-de-mel num barco assim, sem retrete -.

Mas quase que não estou para isso. Suportar uma dor de dentes é mais fácil do que te de me sentar num balde e ter de fazer marcações com a agulha de marcar. Ou quase tão fácil; vamos a ver.

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Entretanto a vida continua. Estar em terra em modo largada faz-me sentir num limbo, numa linha que ninguém vê se não eu, como quando era miúdo e tentava andar em linhas rectas entre pontos o mais distantes possível. A minha "indisciplina" (a expressão não é minha, daí as aspas) a atravessar as ruas vem daí, quiçá.

Ou a atravessar a vida, sei lá. Ninguém vê as linhas ao longo das quais me movo: os pontos estão muito distantes. Mas eu sei onde estão.

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Vou ao Tapas y Más beber rum: combinei com o dentista que experimentava os analgésicos dois ou três dias e depois lhe telefonava para marcar uma nova consulta, se achasse necessário. Tenho de ter a certeza de que os analgésicos funcionam. Ou quase.

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