Daqui a duas ou três horas o sol põe-se. A luz começa a ficar mais densa, como se adivinhasse que em breve terá de atravessar os cumulus que estratificam no horizonte.
Estou na Casa Verde, a dois metros da água e pergunto-me como será quando deixar de viver na água. Dois metros nesta luz, neste fim de dia vazio, leve, feliz - o primeiro em muito tempo -. Não sei como será viver perto da água e não na água, mas amanhã não é a véspera desse dia e deixo de me preocupar com o assunto.
Vivo hoje. E hoje é esta luz que se densifica, esta água que a recebe como a mulher cujo sonho é apaixonar-se espera pelo amante, esta solidão linda, espessa e assumida como a luz, esta paisagem enganadora na qual as ilhas parecem longínquas porque envoltas em bruma e calor e na verdade estão aqui ao lado, a poucas milhas.
As cores vão do preto das bóias (são câmaras-de-ar de camiões) ao branco e azul da panga atracada nesta água transparente, tão clara que está no ar, como um zeppelin formoso.
Branca e azul.
Branca e azul e luz.
Branca e azul e luz e eu.
Vida.
A loucura deve ser isto: pensar que uma mistura de cores, luz, água, solidão, beleza e felicidade é uma vida. Ou a sageza. Ou a vida, no fundo; e tudo isto não passa de uma imensa tautologia: a vida é a vida.
Pangas. Podemos aferir-lhes a eficácia do risco pela esteira: quanto menor melhor é. Será uma metáfora?
Luz, calor, cumulus que pouco a pouco estratificam, água transparente, Bertolt Brecht, Kurt Weil e Doors, pangas, Grécia... Sei que alguma coisa não bate certo quando, mais do que de uma pessoa, sinto a falta de uma máquina fotográfica.
I tell you we must live. You know why.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.