16.5.14

Princípio

É preciso começar pelo princípio. Onde, quando, como é o princípio? Porquê? 

Estávamos numa esplanada de Lisboa; tinha acabado de chover. Um desses aguaceiros de primavera, curtos e densos. A luz ainda estava húmida. Escondias-te atrás de uns grandes óculos redondos, espelhados. A minha irmã tinha uns assim, quando era hippie. Acreditava no poder das flores, no amor livre e na paz. Não queres que eu te veja as lágrimas. Digo-te: não percebo porque choras. Respondes-me Não é fácil. Se para ti não é fácil o que será para mim?

Isto não é o princípio, minha besta. É o fim.

É preciso começar pelo princípio: uma esplanada de Lisboa, uns óculos redondos, grandes, muito escuros, uma mulher que chora, chuva recente. Eu. Uma quantidade excessiva de vinho. Digo excessiva para que as pessoas pensem que sou comedido, que sei o que é demasiado vinho. Não sou, não sei. Quero chorar, mas rio-me. Faço troça de ti. Digo: tens razão. Mais vale chorar. O choro é o melhor remédio. Tu ama-lo; ele ama-te. Não percebo porque choras. É uma história que começa bem. Imagina que ele não te amava. Imagina que me deixavas e amanhã descobrias que ele não te ama; ou que tem outra e não te disse; ou que não gosta de kefir. Isso sim, seria um princípio.

Não há princípios; só fins. Nada começa; as coisas continuam e acabam. A chuva, por exemplo. Os teus óculos, as lágrimas que neles escondes, o amor que durante anos nos iludiu. A luz nesta praça cheia de árvores, imóveis porque o vento parou.

Peço mais vinho. Digo-te Vai-te embora, por favor. Desculpa, respondes. Desculpa é fácil; é teu o cobertor de todos os dias. Desculpa e ooops, tudo se explica. Desculpa e lá vai a merda toda para debaixo do tapete. Desculpa e ooops, sou tão boa rapariga. Desculpa e não sou eu que quero, são as coisas que me acontecem.

Não sei. Isto é só o princípio.

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